Capítulo 39 - Mercenários
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
— Então você não tem mana? — perguntou Felipe, a voz mais ponderada do grupo, enquanto equilibrava a colher com a única mão restante. Não havia julgamento na pergunta, só um interesse genuíno, daqueles que ficam ruminando nos cantos da mente até escapar pela boca.
— Isso.
— Mesmo assim venceu aquelas criaturas? — A voz de Marina veio hesitante, mas carregada de brilho. Seus olhos arregalados diziam mais que a frase: havia uma espécie de maravilhamento ali, como se Ana tivesse sido promovida de sobrevivente à protagonista de uma lenda que ainda estava sendo escrita.
— Sim.
— E se tornou uma rainha mercenária? Assim do nada? — perguntou a arqueira. Seus olhos estavam fixos no emblema que segurava, girando-o entre os dedos como quem procura alguma rachadura escondida que desminta a história. Ainda assim, ela sabia que aquilo era real.
— Também fiquei surpresa — disse Ana, e era verdade. Ainda parecia estranho dizer aquilo em voz alta.
— E quer que a gente também vire mercenários? — O último questionamento veio de Alex, erguendo uma sobrancelha com um meio sorriso preguiçoso. Sua voz tinha um tom sonhador demais para alguém que estava claramente se apoiando numa panela para não tombar de sono. O contraste entre seu porte atlético e a postura desleixada era quase um paradoxo ambulante.
— Não é bem isso — Ana respondeu, tentando manter o tom neutro. — Não precisam se associar diretamente com eles pra se tornarem minha equipe. Mas, se quiserem, não vejo problema.
A comida — ou o que passava por isso — era repartida entre eles em pratos gastos demais para exibir qualquer resistência térmica. Cada colherada parecia mais um gesto de solidariedade com a fome do que de prazer. E ainda assim, conversavam. Isso, por si só, era raro o bastante para ser valorizado.
— Ana, eu entendo o que você está dizendo, mas… tá ligada que a gente é bem fraco, né? — disse Júlia, cruzando os braços e encarando os colegas. — Na última vez, tivemos sorte. E mesmo assim, só o Alex é quase rank E. E só quase. Se tossir forte demais, já cai de volta pro meio do rank F.
— Não se preocupem com isso. — Ana suspirou, e o som escapou como se estivesse falando com a própria frustração. — Prefiro apostar em quem já vi lutando comigo do que em desconhecidos. Além disso, missões solo pagam menos… muito menos. Preciso de gente. Logo.
O grupo se entreolhou. Havia um silêncio ali, mas não o desconfortável — era o tipo de pausa onde cada um revisava internamente o saldo bancário, o orgulho ferido e a leve humilhação de ter sido descartado por várias guildas em sequência. Tinham talento, talvez. Mas também tinham um histórico que não ajudava em fichas de inscrição.
Eram desempregados. E não exatamente os cobiçados.
A proposta de Ana não parecia nobre. Parecia útil. E, para quem andava contando moedas de bronze para dividir sopa aguada, útil soava quase poético.
Ana observou a hesitação deles e, com um certo cuidado, ajustou o tom.
— Olha, não tô aqui pra bancar a heroína — começou, agora mais firme, mas sem arrogância. — Só… andei pensando em como quero viver neste mundo novo. Isso aqui tudo aconteceu rápido demais, e ser uma rainha mercenária não tava nos meus planos. Mas aconteceu. E se vai acontecer, prefiro fazer direito. Vocês não fugiram, mesmo sabendo o risco. E não é qualquer um que faz isso. Então, sim — quero vocês comigo. E vou treinar vocês como se fossem elite, porque eu não planejo morrer por algum erro bobo. Há muito espaço pra crescer. Quero que sejam meus cavaleiros.
Se calou ao terminar, como se só então ouvisse de fato o que tinha acabado de dizer. O silêncio na sala voltou, mas dessa vez teve outro peso. A palavra “cavaleiros” parecia deslocada naquele cenário humilde, mas… funcionava. Talvez porque soasse grande demais. Talvez porque, por um segundo, deu a todos eles uma sensação de propósito que fazia tempo que não visitava aquele galpão.
Ana levantou-se lentamente, como quem não tinha pressa em observar as reações. Caminhou até a janela e se apoiou nela com naturalidade. Os dedos tocaram a madeira velha, as unhas limpas pelo mínimo de dignidade que ainda preservava. Lá fora, o céu começava a abrir — nuvens grossas se partindo, deixando que a luz do fim da tarde vazasse como se o mundo estivesse testando efeitos de iluminação ao vivo.
Os raios de sol bateram direto em seu rosto, acentuando um semblante calmo, confiante. Foi o suficiente para que os olhares se voltassem para ela de novo — agora com algo que lembrava admiração, ou pelo menos curiosidade respeitosa.
Ela parecia composta. Inspiradora, até.
Mas a verdade era que estava completamente corada, o corpo ardendo em chamas internas. Virou o rosto sutilmente, fingindo observar as nuvens com mais interesse do que realmente tinha.
“Cavaleiros…“
Era legal. Tinha peso. Sonoridade. Mas era também… idiota. Um tanto presunçosa. Um tanto épica demais.
Terrivelmente embaraçoso.
“Me desculpa, Madame… juto que eu tô tentando.”
Felizmente, pôde sentir que o discurso teve o efeito esperado. O silêncio atrás dela mudou de tom. Era sutil, mas reconhecível. As hesitações haviam se reorganizado. As dúvidas, embora não dissolvidas, estavam quietas.
As vibrações estavam ali — a centelha de aventura, a ganância disfarçada de ambição, e aquela fome mais primitiva, que nunca dizia o nome, mas que sempre acompanhava os que já tinham sentido o peso da irrelevância.
Eles estavam considerando. Não só a proposta, mas a possibilidade de que aquilo — aquela cena ridiculamente inspiradora e aquela garota sem mana na janela — talvez fizesse sentido.
Alex foi o primeiro a se mover.
Olhou para os lados, trocou um breve olhar com Marina e Felipe, e então se ajoelhou, com o joelho direito tocando o chão e a mão apoiada sobre a coxa. O gesto era meio sério, meio performático, e completamente inesperado. Ainda assim, combinava com ele — um tipo de cavalheirismo improvisado que não parecia ironia.
— Se é assim — disse, a voz mais firme que o habitual — nós iremos te acompanhar.
Não houve resposta imediata. Ana permaneceu onde estava, de frente para a luz, permitindo que o silêncio reforçasse o gesto. Apenas acenou com a cabeça — um reconhecimento simples, contido, sem heroísmo. O suficiente para agradecer, mas não o bastante para mostrar que queria rir.
Ou fugir.
Ou se esconder num buraco até o constrangimento evaporar.
Quer apoiar o projeto e garantir uma cópia física exclusiva de A Eternidade de Ana? Acesse nosso Apoia.se! Com uma contribuição a partir de R$ 5,00, você não só ajuda a tornar este sonho realidade, como também libera capítulos extras e faz parte da jornada de um autor apaixonado e determinado. 🌟
Venha fazer parte dessa história! 💖
Apoia-se: https://apoia.se/eda
Discord oficial da obra: https://discord.com/invite/mquYDvZQ6p
Galeria: https://www.instagram.com/eternidade_de_ana
REESCRITA – TEMPORARIAMENTE SEM IMAGEM
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.