Índice de Capítulo

    Quer apoiar o projeto e garantir uma cópia física exclusiva de A Eternidade de Ana? Acesse nosso Apoia.se! Com uma contribuição a partir de R$ 5,00, você não só ajuda a tornar este sonho realidade, como também faz parte da jornada de um autor apaixonado e determinado. 🌟

    Protótipo de capa Volume 1 – Ironia Divina

    Capa Volume 1

    Apoia-se: https://apoia.se/eda

    div

    — Tchau, gato bizarro. Tchau, anjo bizarro.

    Sem esperar resposta — porque nunca havia uma — Ana fechou a porta e correu.

    Antigamente, jamais faria isso.

    Mesmo quando treinava seu físico, havia um propósito. A escalada exigia força. Carregar suprimentos pesados exigia resistência. Mas correr? Sem destino? Para quê?

    Não via necessidade.

    Havia coisas melhores para fazer.

    Mas, nos últimos anos, esse pensamento mudou. Tudo por causa de um pequeno acontecimento… seu aniversário.

    De acordo com a pilha crescente de calendários riscados, a mulher alada e silenciosa apareceu no décimo quinto ano de sua solidão.

    Nunca falava. Nunca tocava nada. Apenas olhava.

    E ocasionalmente, sorria. Um sorriso gentil.

    Um sorriso que deveria trazer conforto… mas que carregava uma sensação errada, pois, diferente da boca, os olhos nunca sorriam.

    Isso incomodava Ana? Não. Não de verdade.

    Se recusava a acreditar que o anjo existia. Como poderia se incomodar com algo que não era real?

    — Exatamente! Isso seria tão bobo.

    Talvez insano seja a palavra correta.

    — Não acho. Não é insano se incomodar com o que não existe. Nunca olhou por uma janela com as luzes apagadas e sentiu um arrepio estranho, como se algo talvez estivesse te olhando de volta?

    Bom, dessa vez você está certa.

    — Eu sei!

    De qualquer forma, real ou não, era interessante.

    No começo seguiu sua vida, ignorando a nova pessoa que a seguia. Ficou nisso por dois, talvez três anos. Se tornou engraçado. Estranho, mas engraçado. Falava com a comida, com as ferramentas e até com as janelas. Mas se recusava a falar com o anjo.

    Até que, no décimo oitavo ano, finalmente cedeu.

    Era seguida há tanto tempo que o aceitou como parte do novo mundo. E, afinal, ter alguém para conversar…

    Mesmo que fosse um alguém mudo. Mesmo que fosse um ninguém. Não poderia ser tão ruim.

    Assim, ligava a TV só para assistir filmes com o anjo. Comentava sobre as cenas favoritas como se falasse com uma amiga próxima.

    E ria da falta de resposta.

    — Tá prestando atenção demais, né? — zombava, jogando pipoca no ar e pegando com a boca.

    Às vezes, cantava. Mostrava músicas que criava. Outras vezes, só falava.

    Falava de suas invenções, dos projetos fracassados, dos livros que leu, das peças novas que estudava. O anjo ainda não respondia, mas estava ali.

    Até que seu aniversário chegou.

    — Quarenta anos… parabéns pra mim!

    O clique da câmera antiga ecoou pelo apartamento. Ana pegou a foto, sacudindo-a com impaciência. A imagem demorou a aparecer, e a qualidade era horrível. Mas tinha caixas e mais caixas de filmes. Um desperdício não usar.

    Então, fotografava tudo.

    Saltitou até o anjo, mostrando a foto como uma criança que acabara de terminar um projeto escolar.

    — Tenho uma coleção dessas! Você vai aparecer na próxima, né?

    Sem esperar resposta, correu até uma gaveta e puxou um álbum grande e velho. Se ajoelhou no chão e abriu a primeira página.

    — Viu? — apontou. — Essa foi logo quando fiquei sozinha. Eu tava tão acabada!

    Virou a página.

    — Aqui foi quando fiz 25! Foi um pouco depois que achei o Gato. Ele era mais magro… se prepara pra dieta, Gato, vai ter que recuperar a forma.

    Mais duas páginas.

    — Essas foram quando comecei a pintar… joguei esses quadros fora, mas pelo menos ficaram registrados aqui.

    Virou mais uma vez. O dedo pressionou a folha. 

    Prendeu a fotografia recém-tirada com fita adesiva.

    E então, sorriu.

    — Hoje cheguei aos 40! Não teve bolo porque não achei nada bom pra adoçar. Mas o que acha? Diria que tô bem conservada pra uma quaren…

    A palavra morreu em sua boca. Seu sorriso vacilou, e voltou lentamente para a primeira foto do álbum.

    Seus dedos percorreram as bordas. Depois, foi para a do segundo ano.

    O terceiro. O sétimo. O décimo segundo.

    Se não fossem as trocas de roupa. Se não fossem os diferentes níveis de sujeira. Se não fosse o fundo levemente alterado.

    Poderiam ter sido tiradas no mesmo dia.

    A respiração dela ficou rasa, o estômago revirou. Os olhos varreram as páginas em uma velocidade febril.

    Ano após ano. Foto após foto. Todas… iguais.

    O álbum deslizou de suas mãos, atingindo o chão com um baque seco.

    O ar na sala parecia mais pesado, e o anjo continuava ali.

    Olhando. Olhando como sempre olhou. 

    Ana tentou engolir. Tentou respirar fundo.

    — Mas que porra é essa…?

    Os dedos tremiam, e seu corpo se moveu sozinho até Gato.

    O felino sequer teve tempo de reagir antes de ser erguido num movimento brusco. A jovem o segurou firme, encarando-o. Virou-o de um lado para o outro, os olhos varrendo cada detalhe de sua pelagem macia, seu olhar entediado, seu corpo esguio e ágil demais.

    Ágil demais

    — Mas. Que. Porra.

    Quase gritando, soltou o animal. Ele saltou para longe, exatamente como sempre fez.

    Gato já tem mais de 15 anos…

    E não havia o mínimo sinal de velhice? Como?

    Ana não sabia como nunca tinha notado isso antes. Ele não deveria estar sequer vivo.

    No melhor dos casos, deveria estar velho e cansado, um espectro de si mesmo, caminhando devagar pela casa, seus reflexos lentos, sua respiração pesada.

    Mas lá estava ele. Saltando como um louco, exatamente como no dia em que o encontrou.

    Ela cambaleou para trás, o mundo rodando ao seu redor.

    Não.

    Não.

    Não pode ser.

    Correu até o banheiro, e entrou quase golpeando o lavatório. Não queria levantar os olhos, mas sabia que precisava.

    Respirou fundo, forçou-se a olhar.

    E lá estava ela. A mesma jovem de anos atrás, no auge de seus 22 anos.

    A pele estava queimada de sol, os olhos mais vivos e afiados, mas o resto, era exatamente igual.

    Os cabelos eram os mesmos, a pele não cedeu um centímetro, nem uma única ruga. Nenhuma marca do tempo.

    O espelho a devolveu sua própria imagem intacta. O peito apertou, e algo quente e ácido subiu pela garganta.

    O medo. A dúvida. A raiva.

    Sem pensar, socou aquilo com toda a força. O vidro estalou, se despedaçando como gelo fino.

    O carmesim se espalhou pelas paredes, tingindo a cerâmica branca com marcas irregulares. Pequenos cacos de espelho misturavam-se ao sangue, encravados em sua pele como pequenas joias grotescas. Mas ela não ligava. Não conseguia ligar. Porque o que se espalhava dentro dela era muito pior do que a dor física.

    — Não estou envelhecendo…

    A frase escapou, quase um sopro, e, por um segundo, considerou que aquilo deveria ser bom. Então, veio o gosto amargo, como um gole de café queimado e esquecido na xícara desde o dia anterior.

    Se ao menos houvesse um fim, talvez fosse mais fácil continuar. Mas agora? Agora era estranho. Quantos anos mais? Cem? Mil? O que diabos ela era? O que era o mundo? O que era o tempo? O peito subia e descia rápido, a respiração curta, irregular. O sangue quente escorria pelos dedos, pingando no chão como uma ampulheta quebrada, um lembrete de que o tempo existia para todos, menos para ela.

    O pensamento a sufocou. Algo precisava ser feito, algo que desse forma a essa sensação que crescia dentro dela como um câncer. 

    Antes que pudesse mudar de ideia, correu pela casa, frenética, arrancando gavetas, abrindo caixas, puxando tudo que tivesse datas, registros, qualquer coisa que a prendesse a uma linha do tempo. 

    Todos os anos riscados. Todas as datas contadas. Todos os aniversários, todos os solstícios, todos os inícios e finais de ciclo. Jogou tudo no chão do banheiro sem se dar ao trabalho de organizar. Pegou uma caixa de fósforos. Acendeu. 

    O fogo lambeu o primeiro pedaço de papel com um estalo seco.

    Ela não piscou.

    O cheiro de papel queimado se espalhou, pesado e espesso. As chamas cresceram, se multiplicaram, devorando os anos com a fome de um animal enjaulado. Anos virando cinza. Décadas desaparecendo em fumaça. Toda a tentativa patética de domesticar o tempo, de dar lógica ao absurdo, de se agarrar a algo que nunca esteve realmente ali.

    — O tempo é só a porra de uma convenção humana.

    A frase saiu tão baixa que chegou a duvidar se tinha realmente dito, mas havia algo de definitivo ali. Um pensamento frio, calculado, uma desculpa conveniente para não entrar em colapso. 

    Se forçou a aceitar como verdade. Largaria a tirania do relógio. Passado, presente e futuro deixariam de existir. Se misturariam e se dissolveriam em um oceano de possibilidades sem começo nem fim. Ela viveria sem tempo.

    A luz das chamas refletia em seus olhos, dançando como pequenas serpentes incandescentes. O calor fazia sua pele formigar, mas ela não se afastou.

    Não percebeu quando começou a sorrir, mas sorriu.

    Grande. Amplo. Selvagem.

    Ficou ali até o último pedaço de papel sumir. Então, saiu do banheiro.

    O cheiro do fogo agora era só um resquício amargo no ar. O sangue ainda escorria, gotejando conforme caminhava pela casa, desenhando um rastro vermelho pelo chão. Como se marcasse a fronteira invisível entre o que ela foi e o que estava se tornando.

    Parou diante de Gato, que se lambia com desinteresse, alheio à sua crise existencial. Do outro lado da sala, o anjo permanecia estático.

    Ana os ignorou. Se virou, abriu a porta da frente e inspirou fundo. 

    Essa foi a primeira vez que, tentando esvaziar a mente, começou a correr.
    div


    Quer apoiar o projeto e garantir uma cópia física exclusiva de A Eternidade de Ana? Acesse nosso Apoia.se! Com uma contribuição a partir de R$ 5,00, você não só ajuda a tornar este sonho realidade, como também libera capítulos extras e faz parte da jornada de um autor apaixonado e determinado. 🌟

    Venha fazer parte dessa história! 💖

    Apoia-se: https://apoia.se/eda

    Discord oficial da obra: https://discord.com/invite/mquYDvZQ6p

    Galeria: https://www.instagram.com/eternidade_de_ana

    Curtiu a leitura? 📚 Ajude a transformar Eternidade de Ana em um livro físico no APOIA.se! Link abaixo!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 97.14% (7 votos)

    Nota