Capítulo 16 - Humanidade
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
O ar era carregado com uma sensação paradoxal de liberdade e perigo. Uma excitação selvagem, um chamado para explorar, mas também uma advertência silenciosa, um lembrete de que o desconhecido espreitava em cada sombra. Ana já conhecia bem a selva, havia passado tempo o suficiente em um mundo dominado pela natureza para não se deixar intimidar.
Seus passos eram calculados, cada músculo em seu corpo ajustado para reagir a qualquer ameaça iminente. Mas a verdade é que nada do que via parecia perigoso. Não havia rugidos distantes, nem olhos brilhando no escuro, nem cheiro de predadores no vento. Assim, pôde aproveitar ao máximo. Seus olhos brilhavam em meio à vegetação exuberante, absorvendo cada detalhe, cada nuance do labirinto natural ao seu redor.
Era o mesmo mundo no qual havia caminhado por mil anos. Mas, ao mesmo tempo, não era.
A cada estranho inseto que rastejava pelas árvores, cada flor de formato exótico, cada pequeno animal cujas características dançavam entre o familiar e o alienígena, uma emoção indescritível pulsava em seu peito, aumentando sua curiosidade.
Seu olhar de predadora racional estudava tudo cirurgicamente. Esse inseto se movia rápido demais. Aquela planta exalava um odor semelhante a enxofre. Aquela cor ali… era um padrão de aviso ou uma mera ilusão?
Era incrível. Tanta vida nova a ser catalogada, tanta coisa a ser estudada. Se tivesse um caderno, teria parado a cada dez metros para anotar cada detalhe. Se tivesse tempo, passaria anos apenas investigando esse pedaço de floresta.
Mas algo estava errado.
A noite estava longa demais.
Tinha certeza de que já caminhava por mais de doze horas, mas a lua permanecia plena e magnífica, presa no céu como um olho vigilante que se recusava a piscar. O brilho prateado derramava-se pela floresta, iluminando o desconhecido com um tom etéreo e frio.
Seu peito se apertou.
E se agora fosse o mundo quem estivesse parado? E se envelhecesse, mas vivesse uma noite eterna?
Tentou não pensar nisso. Não fazia sentido. Bastava sentar-se e esperar.
Os minutos passaram rápido enquanto brincava com a fauna ao redor, distraindo-se com pequenas descobertas. Um animal novo, uma pedrada, uma dissecação improvisada. Pequenos testes com o ambiente.
Então, finalmente, a luz do sol rasgou as copas das árvores.
Ana suspirou em alívio, e sem qualquer espera começou a calcular o tempo na própria mente. Cada segundo registrado com exatidão.
Com isso, pôde notar que, se o padrão da noite havia sido incomum, o dia foi ainda mais estranho. As horas se arrastavam, a luz dourada se recusando a ceder à escuridão.
Ana continuou caminhando em direção à ponte destruída. Parou algumas vezes para comer, restringindo-se a espécies que reconhecia. As novas, por mais tentadoras que fossem, ainda não tinham passado pelo crivo da sua prudência.
Nenhuma delas declarava toxicidade de forma óbvia, mas a última coisa que queria era morrer como uma idiota envenenada por uma fruta bonita.
— Exato. O precavido morreu de velho — murmurou, mordiscando uma raiz seca.
E o paranoico morreu de fome.
— Você não devia estar cuidando da própria vida? — Ana bufou, engolindo à força o gosto amargo da planta.
Que seja… Olhe logo para cima.
— Quê? Ah, tá escuro de novo!
Sim, a escuridão voltou.
E, em aproximadamente 50 horas, foi embora novamente.
Ana franziu a testa, jogando um caroço de fruta qualquer para longe, ouvindo o baque abafado contra a vegetação densa.
Cinquenta horas de noite. Um número absurdo.
O ciclo havia durado algo próximo de 100 horas no total. Muito mais longo do que deveria ser. Mais longo do que qualquer coisa aceitável. Inicialmente pensou que talvez o tempo estivesse fluindo mais devagar, mas seu corpo ainda obedecia às mesmas regras — a fome vinha na hora certa, o cansaço se instalava quando deveria, seu organismo ainda seguia o ritmo de antes.
— Quatro, talvez cinco vezes maior…
As palavras escaparam como um pensamento em voz alta. Uma conclusão vaga, sim. Mas seu instinto dizia que estava certa. Seu cérebro havia processado essa conclusão antes mesmo de sua consciência alcançá-la. E, honestamente?
Ana não sabia o que pensar sobre isso. A Terra sempre foi grande. Mas agora…
Era imensa.
A lógica humana dizia que algo assim não era possível. Mas a lógica humana também dizia que ela deveria estar morta há muito tempo, certo?
No entanto, ali estava.
Foi quando, em meio aos cálculos e devaneios que giravam dentro de sua cabeça como engrenagens incansáveis, seus pés finalmente desaceleraram. À sua frente, algo diferente surgiu — sinais de civilização.
O cheiro veio antes da visão.
Madeira queimada. Ferro quente. Suor. O tipo de cheiro que não pertencia a uma floresta intocada.
Ana congelou. Seu corpo parecia se recusar a continuar, e assim ficou por alguns minutos, os olhos semicerrados enquanto inalava profundamente, puxando o ar com uma urgência que beirava a paranoia. Seu nariz fungou algumas vezes, hesitante, tentando decifrar cada nuance daquelas fragrâncias familiares.
Teria comido algo por engano? Estaria alucinando? Não confiava nos próprios sentidos. O que era um pensamento ridículo, considerando o quão absurdamente aguçados eram. Ainda assim, duvidava.
Mas… não podia estar enganada. Esse cheiro… esse cheiro era de pessoas.
Com a aceitação da descoberta, abaixou-se instintivamente, as mãos pousando no solo úmido, deslizando os dedos na terra fofa, tentando ancorar-se na realidade. Sentia-se tímida, mas não conseguia evitar. Foi a única por tantos anos…
Seguiu adiante, seus pés quase sem som contra o solo coberto de folhas. Aos poucos, o terreno mudou. A vegetação recuou, as raízes trançadas das árvores cederam espaço para uma trilha de terra batida, sinuosa, porém evidente. Era um caminho que tentava se firmar como uma estrada, mas que estava… incompleto. Ou melhor, parecia estar sendo restaurado lentamente.
A constatação trouxe ainda mais certeza. Havia alguém ali, afinal, estradas não se consertam sozinhas. O olhar afiado varreu os arredores, analisando cada detalhe, cada marca na terra, cada sinal de atividade recente. E então, lá estavam eles.
A pouco mais de trezentos metros à frente, um grupo de seis trabalhadores estava focado na reconstrução do solo. Homens e mulheres, todos vestindo roupas simples, cobertos de poeira, os músculos tensionados pelo esforço. Usavam pás e enxadas para nivelar a estrada, misturavam um tipo de argila endurecida com pedras escuras e despejavam um líquido espesso, provavelmente algum tipo de ligante rudimentar, e um dos homens, o mais robusto, guiava um pequeno carro de mão com toras de madeira para reforçar a borda do caminho.
Mas Ana não perdeu tanto tempo com eles. Foram as quatro figuras próximas à fogueira que roubaram sua atenção.
Dois homens. Duas mulheres. Não operários, lembraram mais algum tipo de guerreiro. Todos eram jovens, talvez 20 ou 22 anos. Ou pelo menos, era o que pareciam. Tinham algo de ingênuo na postura, algo no brilho dos olhos que os fazia parecer crianças brincando de aventureiros.
Seus olhos se demoraram sobre o grupo, absorvendo os detalhes de suas vestes e armas.
As roupas eram intrigantes — híbridos de praticidade e proteção. Peças de metal encaixadas sobre armaduras de couro flexível, algo improvisado, mas funcional. Nenhuma delas era completa, o que indicava que priorizavam mobilidade em vez de defesa total. No ombro direito, algum tipo de símbolo ou emblema se repetia entre todos. Era simples, mas chamativo: um homem erguendo uma espada contra um fundo alaranjado.
Um exército? Uma milícia? O que diabos estava acontecendo com o mundo?
Ana franziu o cenho. Aquele visual parecia ter saído direto de um livro de fantasia barata. Seguiu os observando.
Os dois homens eram praticamente idênticos, provavelmente irmãos. Um era mais alto, talvez cinco ou seis centímetros de diferença, mas o rosto era o mesmo. O cabelo negro e curto, os olhos escuros e atentos, as feições marcadas pela juventude e pela confiança de quem nunca teve um verdadeiro motivo para duvidar da própria força.
Ana viu o mais alto girar uma lança entre os dedos com destreza casual, enquanto o outro equilibrava um escudo contra o joelho, segurando uma espada curta. Lutadores de curto e médio alcance. Um avanço coordenado. Sim, pareciam um bom time.
Seu peito apertou com uma nostalgia incômoda. Havia muito tempo que não via irmãos juntos. Desviou o olhar para a terceira figura, uma garota de cabelo ruivo vibrante, um tom de vermelho queimado que parecia ainda mais vivo sob a luz do dia que se recusava a ir embora.
Estava sentada de qualquer jeito sobre uma pedra, inclinada para frente com as pernas afastadas, um martelo de guerra jogado displicentemente ao lado dela. Com uma expressão relaxada, pintava as unhas com alguma substância escura, ignorando completamente os outros ao seu redor.
Ana piscou. Pintando as unhas? No meio de uma floresta? De alguma forma a garota fazia aquilo parecer a coisa mais natural do mundo. A ação trazia para a garota um ar não muito convidativo, apesar de não chegar a ser arrogante.
Seu porte atlético revelava que não era apenas uma exibida — aquela garota sabia lutar. Mas sua escolha de armas fez Ana arquear uma sobrancelha.
Por mais que fosse forte, o martelo era colossal, pesado demais para alguém daquele porte. Mas não era só isso, em suas costas, um arco curto estava preso firmemente com tiras de couro.
A jovem milenar não conseguiu evitar um riso abafado. Gostou da mescla de força e precisão. Ou ela era incrivelmente versátil, ou completamente lunática.
Por último, voltou-se para a quarta figura.
Uma loira de cabelos curtos e presos com uma presilha branca. Sentada perto da fogueira, quieta. Diferente dos outros, não exibia confiança inconsequente. Parecia assustada, meio deslocada.
Não sabia dizer o que era estranho nela. Seu porte franzino? A postura tensa? Ou o fato de que seus olhos… se moviam como se esperassem algo horrível a qualquer momento?
Ana já ia desviar o olhar, não havia muito o que ver além do vestido longo que se arrastava no chão, sendo impregnado pela sujeira da natureza. Mas algo aconteceu.
Um pequeno gesto, um movimento hesitante dos dedos. Mas seus olhos captaram tudo. Uma fagulha dançou no ar.
Era uma existência quase insignificante, e sumiu tão rápido quanto apareceu.
Mas como um estranho milagre, o fogo quase extinto se reacendeu sozinho. Ana prendeu a respiração. Seu cérebro estava correndo a mil, puxando milhares de memórias, milhares de teorias, milhares de impossibilidades.
Ela viu certo?
Viu. Viu sim.
Não era um truque. Não era uma ilusão. O fogo obedeceu.
— Ei, cê tá bem?
A voz a puxou de volta, como um puxão inesperado de realidade. Seus olhos piscaram, e só então percebeu que estava sendo encarada.
O irmão mais novo, aquele com a espada curta, olhava diretamente para ela, a cabeça inclinada em confusão. A essa altura, os outros também perceberam sua presença, e de repente, sentiu-se despida diante dos olhares.
— S-sim… — gaguejou.
O quê?
Suas sobrancelhas se uniram no mesmo instante. A voz soou estranha. Pequena. Fraca.
“Que porra foi essa, Ana?”
Um riso seco quase escapou, mas se segurou. Ridículo. Cômico, até. Desde quando ela gaguejava? Não tinha motivos para estar nervosa. Não tinha motivos para… ter vergonha.
Fechou os olhos. Respirou fundo. Deixou os pulmões se encherem. Sentiu o ar esfriar seu peito. E então, abriu novamente, a postura firme.
— Sim. — Disse outra vez, agora sem hesitação, a voz clara, controlada. — Desculpem, estava só meio distraída.
Sorriu. O melhor que conseguiu. Grande. Radiante. Ensaiado. Se esforçou de verdade nisso, mas não teve o efeito esperado.
Todos recuaram um passo.
A confusão deslizou por seu rosto, sua mente registrando cada pequeno detalhe — o endurecimento dos ombros, os músculos tensionados, a forma como seus dedos roçaram as armas instintivamente.
“Fiz algo errado?”
Seu sorriso desapareceu. Não valia a pena insistir. Apenas acenou, um gesto preguiçoso de despedida.
O jovem que a chamou hesitou antes de retribuir o aceno, ainda com a testa franzida. Seu irmão fez o mesmo, mas logo voltou a afiar sua lâmina, como se nada tivesse acontecido. A ruiva apenas inclinou a cabeça, relanceando-a por um segundo antes de continuar pintando as unhas.
Só uma pessoa sorriu de volta.
A garota loira perto da fogueira. Pequena, reservada, tímida.
Ana guardou aquela informação em algum canto de sua mente. Teria muito o que conversar com eles depois, mas primeiro precisava organizar os pensamentos.
O que diria? “Oi, prazer, acordei no meio do mato depois de passar centenas de anos vagando por um mundo sem ninguém, onde o tempo parecia ter parado e agora, do nada, estou aqui com vocês, vamos ser amigos?”
Pareceria uma lunática. Melhor esperar.
Virou o corpo, planejando segui-los em silêncio e estudar melhor a situação.
Foi quando sentiu algo quente explodir contra seu peito. Um respingo úmido. Pesado.
O cheiro atingiu suas narinas no mesmo instante.
— Merda, eu não tenho uma troca de roupas… — sussurrou, sentindo a irritação brotar ao ver a camisa branca, agora marcada por um borrão carmesim, absorvendo a cor com rapidez, o líquido escorrendo devagar pela malha do tecido.
Um pungente cheiro de ferro estava impregnado no ar, e Ana já havia caçado o suficiente para entender sua origem.
Pegando a faca de sua cintura, baixou os olhos, observando como o sangue criava padrões abstratos ao seu redor, pintando o chão, respingando no ar, uma cena morbidamente bela, uma coreografia grotesca de gotas dançando sob a luz.
A floresta se encheu com um som oco, úmido.
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