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    Capítulo 004 – A beleza morta!

    Tal qual foi dito, a semana que se passara foi o estopim para que o rei começasse a agir conforme o plano que compartilhou com seu mais novo amigo mago.

    Ayel já tinha a fidelidade garantida de Yelena, consequentemente fazia com que a guarda real pertencesse completamente a ele, essa força sozinha, já era considerada o suficiente para que intimidasse qualquer rebelde sem causa. Sem contar os guerreiros e outros sentinelas que seguiam a jovem sem que tivessem alistado.

    Com o amanhecer o ruivo saiu do seu castelo rumando ao sul da praça central, ele, que como ninguém amava demonstrações de poder e força, fazia questão de sair acompanhado por pelo menos cinco guardas.

    Não que isso fosse o suficiente para impedir Ayel de ser acessível, populares paravam-no nas ruas para conversar e o bárbaro nunca afastou nenhum deles. Com o passar dos dias, o jovem germinou uma certa admiração para com os civis.

    O Templo dos Divinos estava logo ali, na visão do rei, que andava calmamente imaginando o que o aguardava do outro lado da larga porta dupla de madeira, os vitrais coloridos e meticulosamente colocados chamavam atenção, era de fato um lugar muito lindo.

    Passando pelo campo de flores amarelas e vermelhas, o jovem subiu uma escada muito bem ornamentada, Ayel abriu lentamente o portal amadeirado, havia diversas pessoas sentadas em largos bancos de madeira, escutavam um homem que regia uma missa no alto do púlpito. O bárbaro aguardou o encerramento.

    A visita ao templo dos divinos foi mais rápida do que o bárbaro pensava que poderia ser.

    Assim que ele finalmente se aproximou, acabou sendo notado por Celérius, um clérigo alto e loiro com uma expressão neutra que se surpreendeu com tamanha presença. Ele admirou o visitante, dizia que Ayel carregava uma luz, uma presença divina. Algo raro.

    O bárbaro nunca havia sido um devoto, metade do dialeto do clérigo adentrava em seus ouvidos quase como uma língua estrangeira, mas era palpável como todos os membros do templo haviam se alegrado com a proposta de financiamento que o rei estava propondo.

    O clero por fim, anexou-se às forças reais, na facilidade tal qual o mago da caverna previra.


    Passava alguns dias, e em parte deles, uma atenção maior era requisitada pela majestade. Como líder da guarda real, Yelena volta e meia carregava alguns papéis com relatórios. Esses arquivos demonstraram os gastos com soldados, descreviam os mais novos afiliados e discorriam sobre o treino dos recrutas, além das movimentações ao redor do reino que haviam acontecido, se fossem consideradas suspeitas ou dignas de atenção.

    Ela geralmente entregava todos esses papéis a Ayel quando o mesmo repousava em seu trono cintilante, que constava no meio de um salão extenso. Constava quase na entrada imediata do castelo, após o jardim e alguns corredores que faziam diversas conexões para as alas secundárias.
    Um longo tapete vermelho se estendia até os degraus que puseram o trono, uma cadeira larga e ornamental de madeira com detalhes de ferro, cobre e ouro. Na ponta desse trono repousava a coroa, entalhada delicadamente com diamantes.

    Ayel se recusava a usar aquilo, acreditava ser espalhafatoso demais, suas vestes ainda eram simples e feitas de couro por mais que o conselho encarecidamente pedisse para que ele vestisse algo mais digno de um rei: o bárbaro pensava que perderia a sua mobilidade se estivesse vestido tal qual os nobres que ele mesmo repudiava.

    O silêncio que reinava no local quando o ruivo lia os arquivos que a sentinela entregou foi interrompido com a chegada de um guarda, o mesmo informou haver uma mulher que desejava uma audiência com o rei.

    Ayel se surpreendeu, foi a primeira pessoa a ser apresentada a ele dessa forma, a curiosidade tomou o seu ser e ele permite que o guarda retorne informando que a receberia.

    Assim que anunciada, a mulher adentrou ao corredor que levava até o trono, pisando delicadamente no tapete vermelho. A mulher de cabelo cobre andava relativamente depressa, suas madeixas caiam até o ombro e ela tinha vestes negras e surradas, ambos os olhos eram brancos como se ela fosse cega.

    Ayel reparou melhor nesse detalhe, arrostava-a diretamente nos olhos e ela rapidamente devolveu essa atenção, o ruivo então descartou a cegueira como um dos traços da visitante. O guarda anunciava a visita de Kassandra, conhecida também como “Morta-viva”.

    — Bom dia, majestade, peço por gentileza que perdoe a minha insistência por vir até aqui sem o informar anteriormente. — A mulher caiu sobre um de seus joelhos, fez uma reverência longa para o rei, que sorriu enquanto a contemplava por cima

    — Eu a saúdo, visitante. — exclamou Ayel — Por gentileza, o motivo da visita?

    — Escutei recentemente que o senhor tem alguns planos para o crescimento do reino e eu tenho um pedido que pode parecer um egoísmo gigante vindo de mim, mas por favor, se puder me dar atenção…

    — Prossiga. — O ruivo tinha uma certa pressa, isso se dava mais por conta da tua própria ansiedade do que qualquer outro compromisso que houvesse marcado. — Como posso auxiliar aquela que se denomina Kassandra?

    A mulher ergueu o rosto e encarou uma vez mais os olhos do rei

    — Caso tenha reparado, não sou uma nobre. Ao contrário, sou uma necromante. Há pelo menos cinco meses que eu e alguns alunos que me seguem nos fixamos para os lados de Sihêon, estamos, desde então, sendo obrigados a sofrer com o preconceito dos moradores daqui, além de sermos maltratados pelos líderes das guildas.

    A Morta-viva conjecturou que o homem tribal poderia vê-la com fraqueza, não era esse sentimento que ela desejava atingir com o seu rei, respirou fundo enquanto buscava formas de ser mais direta no seu pedido que viria:

    — O único lugar que nos tratou como seres humanos foram os magos de Nox Arcana, mas os mesmos não poderiam permitir nossa permanência lá, discorrendo que nossa mana seja negra, algo extremamente mal visto nas academias mágicas e isso prejudicaria relações futuras.

    Ela se ergueu, mas ainda estava um pouco curvada para frente demonstrando uma enorme submissão, o sorriso de Ayel aumentava cada vez mais, ele pensava em como essa mulher conseguia ser cordial e ao mesmo tempo completamente direta, ele admirava isso.

    A moça então ajeitou seu vestido enegrecido antes de prosseguir.

    — Reparei que vocês têm um cemitério relativamente grande, em todos os meus anos estudando os mortos, nunca vi uma preocupação tão genuína em armazená-los em covas tal qual esse reino tem, mas é um território muito grande para uma ronda quase ineficiente vinda dos guardas reais, eu já estudei seus horários e…

    Kassandra tentava ler sem muito sucesso a expressão que Ayel fazia, por mais que por diversas vezes havia reparado os sorrisos, havia um olhar assassino que a intimidava.

    — Como vossa majestade deve saber, túmulos são locais de respeito, um cemitério desprotegido é uma zona de ataque à honra daqueles que faleceram como nobres figuras.

    O tribal estranhou uma mulher que começou todo o diálogo sendo direta, que agora começava a enrolar com as falas e a forma de tratar a ele, fez o rei pensar que talvez o pedido que ela estivesse prestes a fazer fosse extremamente ganancioso.

    — Por favor, diga o que deseja da coroa. — bravejou Ayel.

    — Permissão para me apossar do território do cemitério. —

    O ruivo aparentava inquietação no trono enquanto escutou isso sair da boca da jovem do cabelo acobreado, ela rapidamente tentou prosseguir antes que ele a interrompesse poderosamente.

    — Tenho desejo de erguer um enorme mausoléu, que serviria como uma Nox Arcana para os necromantes. Seria tanto para eles quanto para mim um refúgio, um lar. Em troca, terá total fidelidade tanto minha quanto dos meus subalternos, além de que garanto ao senhor majestade, com a minha vida, que iremos auxiliá-lo em qualquer situação que precise. Em qualquer momento.

    — Ah, isso.

    O rei coçava bastante o seu queixo nu, pensava em como essa mulher possa ter descoberto o plano que ele havia arquitetado, no melhor dos casos ela compadeceu tanto que precisou vir pedir para se unir.

    De qualquer forma, Alyssius havia informado que os necromantes estavam realmente segregados, quando tiveram aquela conversa na caverna semanas antes. O bárbaro cogitou se essa não seria uma ótima oportunidade de garantir membros que estivessem completamente voltados à sua vontade. Caso ele conseguisse garantir uma ressocialização dos usuários da mana negra, seria um lucro considerável.

    — Como você chamaria esse lugar?

    — Mausoléu do Sofrimento. — rogou Kassandra.

    — Está me dizendo, Kassandra Morta-viva, que anseia conquistar parte do terreno no qual consta o cemitério do reino, para poder construir um local chamado Mausoléu do Sofrimento e permanecer lá com teus alunos, também necromantes?

    — Exatamente isso, altíssimo. — Ela abaixou a cabeça, aguardava a resposta que viria de um homem tão nebuloso.

    — Então, teu desejo é criar uma guilda? — Ayel inclinava-se para trás, buscava conforto no seu trono.

    — Se quiser chamar desta forma, majestade, eu aceitarei definitivamente.

    O rei ergueu a mão esquerda, chamando a atenção, a necromante rapidamente o notou, fitava a mão e os olhos do homem que controlaria se haveria um futuro naquele reino ou não para ela e seus companheiros.

    — Eu permito, Kassandra, que você estabeleça uma guilda em meu nome, em nome do meu reino. Que jure fidelidade a mim e àqueles que virão das minhas sementes. Também garantirei que vocês não sejam mais tratados com hostilidade, seja por algum civil ou membro de qualquer outra guilda, estarão sob a minha tutela direta.

    — Majestade… Soubesse o quão grata estou… — sussurrava a mulher, enquanto ajoelhava uma vez mais.

    Antes que ela continuasse com os seus agradecimentos, foi imediatamente interrompida pela mão esquerda do rei que novamente se erguera, esse movimento a calou.

    — Saiba que estou lhe cedendo apenas o local, os custos para construção e trabalhadores para fazer a sua edificação vão depender unicamente dos recursos que você mesma conseguir reunir, se tiver capacidade para o seu mausoléu sair do pensamento e se tornar real, eu irei financiar os necromantes tal qual farei com as outras guildas, até lá, me prove que fiz uma escolha correta.

    Kassandra ficou ereta observando o homem que lhe deu a chance de constituir um lugar para que ela e os alunos que a seguem pudessem chamar de lar.

    Embora ela fosse mais nova que o rei: os dois estavam chegando apenas na segunda década da sua existência. Muitas responsabilidades poderiam ter sido deixadas para mais tarde, mas a realidade, quando bate à porta, não pode ser parada, nunca mais.

    — Não me preocupo com isso, meu rei, pois sei exatamente como fazer… Boa parte da edificação será construída utilizando restos de alguns mortos que nós necromantes reunimos, cadáveres que não conseguem mais ser reanimados por não possuírem as condições de ficar em pé ou acatar ordens.

    Ayel encarou a mulher, a morte para os bárbaros era simples, não existia simbologia alguma, era frívola e por isso, ele não se sentia ofendido enquanto escutava todo o assunto sobre os mortos serem aproveitados como objetos.

    — Entendo, garota. Um mausoléu feito de cadáveres que não podem mais levantar, e quem construirá isso para você? – indagou o ruivo.

    — Cadáveres que podem levantar, alteza.


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