Capítulo 078 - Banquete da plebe!
Capítulo 078 – Banquete da plebe!
Hayit abrira as portas bem pesadas do seu posto de comando, permitiu que todos adentrassem.
O lugar outrora, um açougue, mantinha um cheiro impregnado muito antigo de carnes que haviam sangrado. O dono original acabou morto na invasão de Bran e seus capangas.
A construção abandonada parecia definhar até o momento em que o pharidenho se apossou e criou uma nova função.
Erguido como com propósito militar, as paredes haviam sido reforçadas e o teto erguido de forma que pudesse acolher mais guerreiros.
Entre os cômodos laterais, que abrigavam armamentos, couraças e leitos simples, erguia-se uma mesa pesada no centro e retangular de madeira, marcada por cortes e queimaduras anteriores.
— Gosto de como Pharid se encontra… mas como tem sido a recepção dos vizinhos desde que aqui se tornou um território dos meus domínios?
As tochas ardiam presas nas paredes, exalavam uma fumaça espessa.
Adornava o odor de ferro e gordura.
Hayit, mesmo com sua postura plebeia, cedeu nobremente a cabeceira da mesa para Ayel, seu imperador. Seguido de Alyssius que sentou à direita, o guerreiro de Pharid sentou no lado oposto, para que todos se encarassem.
Nael, no entanto, preferiu se manter em pé, rígido no canto como uma estátua.
— Bramut tem demonstrado muito interesse no nosso mercado — respondera Hayit.
Sua voz era grave e firme.
— Isso é ótimo. — Ayel bateu repetidamente os dedos na mesa de madeira. Impaciente. — E o restante?
— Já a Fortaleza das Esferas… de tempos em tempos, intercepta alguns de nossos mercadores quando tentamos enviá-los para Eikõ.
O silêncio surgiu denso e áspero. Quebrou logo em seguida com os olhos do bárbaro faiscando como brasa.
— Interceptam… é?
Do lado de fora, o vento úmido começara a adentrar no posto, rangia as traves reforçadas da parede.
— A Fortaleza das Esferas ousa levantar algo contra nós? — A voz de Ayel soara com uma indignação genuína, seus punhos fechavam sobre a mesa.
— Acalme-se, bárbaro… Não se tratam de ataques físicos… Mas entraves com impostos, tarifas e pedágios… Alguns empecilhos que têm tornado nosso comércio inviável. Não seria motivo de preocupações maiores.
Dissera Hayit inclinando-se um pouco para frente, encarando o imperador nos olhos.
Naquele instante, Ayel cogitou despejar toda a sua ira contra aqueles pedágios, planejou arrancar pedra por pedra, até que encontrou o olhar severo do mago da caverna ao seu lado, silencioso, mas firme.
Ayel compreendeu o conselho silencioso do sábio Alyssius.
Por mais que a fúria tivesse fervido nas veias do tribal, ele se conteve.
— Ah… — suspirou o ruivo.
— De toda forma, meu imperador. — retomou Hayit. — O porto norte permanece distante, mas conseguimos estender parte do plantio até Althavair, existe um custo para enviarmos os navios, mas… Tem sido muito lucrativo.
— Isso é bom…
O semblante do Ayel ficara mais satisfeito, no fim, foram boas novas.
— Os relatórios da minha sentinela de confiança foram satisfatórios, soube do centeio e das cebolas em números grandiosos e chamativos… Observei as caravanas cruzando meus muros.
A chuva repicava, outrora tímida, estava criando força. Batia leve sobre o telhado, criava um ritmo constante.
— Agradeço, majestade. — O guerreiro inclinou a sua cabeça, com uma certa gratidão. — Essa terra sofreu muito, ainda assim… nossas últimas plantações vingaram em tamanha abundância que todos nós… Ficamos contentes.
Nael que ainda estava em silêncio, descruzou os seus braços, concordou com a cabeça enquanto escutava os três conversando à mesa.
— O centeio cresce em solos pobres… Onde o trigo, por exemplo, não prosperaria — comentou Alyssius, soando mais como um tutor do que um mago elogiando.
— Exato!
Concordou Hayit, batendo na mesa com entusiasmo — Foi o que nos permitiu sobreviver.
Um trovão rugiu distante, sacudiu o ar como se batesse em um velho tambor de guerra, o mago da caverna encarou o teto, atento.
Mas logo retornou para a conversa:
— E as cebolas… que podem ser armazenadas por meses, sustentam o comércio e viagens longas. É uma junção muito inteligente.
— Genial, como chegaram a isso, Hayit?
Ayel perguntou enquanto sorria, fascinado com a lógica.
O guerreiro, entretanto, riu com muita franqueza, batendo novamente a sua mão sobre a mesa.
— Sendo sincero, meu imperador… Somente plantamos, e aquilo que vingava, continuávamos a plantar!
O Alvorada gargalhou alto, sua risada bárbara fora ecoada pelo salão tal qual o trovão que havia caído há pouco.
— Exatamente o que eu faria também, incrível, Hayit — O bárbaro bradou.
Alyssius sorriu contido, mas estreitara bem seus olhos em direção ao guerreiro da pele de caramelo. O velho procurava por algum sinal de mana verde que poderia pulsar daquele homem.
Nada.
Apenas a chama forte do instinto de sobrevivência.
Mais um relâmpago riscara o céu, iluminou por um instante as frestas do salão, conforme a chuva engrossara, batendo firme contra o telhado, o vento frio adentrava por entre as brechas, quase apagando uma das tochas.
O guerreiro apontou para Nael, mostrando-lhe um barril envelhecido com cerveja e canecas em cima de algumas prateleiras em um dos cantos. O mercenário compreendeu e começou prontamente a servir os homens.
— Acredito que possamos continuar, majestade.
— Diga, Hayit, deseja saber algo?
— Pássaros ao longe trouxeram alguns rumores… Thassar está em risco, não é?
Hayit dissera com a voz firme, o som da chuva se tornou apenas um som ao fundo da sua pergunta, o sorriso de Ayel retornou ao seu rosto antes que ele pudesse responder.
— Direto, por isso gosto de você… Sim, meu interesse em Thassar permanece forte. Creio que seja o melhor alvo para Sihêon no momento.
Nael ajeitara a postura, enquanto enchia a caneca de todos com cerveja, antes de retornar para o seu canto. O próprio guerreiro pharidenho ofereceu um pouco, o mercenário aceitou com gracejo.
— Thassar vive tempos delicados. — interviu Hayit. — Há dois meses o último barão faleceu, e… Seus três filhos agora disputam a herança. Cada um quer clamar a cidade para si, nenhum deles está cedendo espaço.
— Um momento oportuno, eu diria. — murmurou o imperador.
— É e não é, majestade. O embate entre eles está beirando uma guerra civil, cada um dos irmãos já tem seu próprio exército.
O mago da caverna escutava atento o que o guerreiro pharidenho tinha a dizer, ele acariciava a caneca de madeira cheia de cerveja.
— Compreendo… Eu seria o inimigo comum capaz de uni-los — refletiu o bárbaro.
— Muito perspicaz, meu senhor. Você seria o alicerce da vingança. — comentou Alyssius.
— Se me for dada a voz, eu gostaria de sugerir para esperarmos. — dissera Hayit. — Deixemos que eles se destruam e quando restar apenas o pó… Marcharemos.
O mercenário Nael e o mago entreolharam-se, com um certo desconforto diante de tamanha frieza.
Ayel, no entanto, abriu um sorriso mais largo que o anterior, como se a sugestão não fosse uma mancha de desonra, mas sim uma estratégia muito sábia.
— Gosto muito dessa ideia, talvez a melhor que eu tenha recebido até então. Observe isso para mim, Hayit. Assim que as muralhas de Thassar cederem ao conflito, eu quero saber.
— Será um imenso prazer, majestade.
— Talvez devamos fixar algumas tropas aqui, prontas para partir à guerra. Thassar fica a horas de distância de Pharid, mas fica a dias de distância de Sihêon.
O rugido da chuva contra o telhado parecia um embate, acima do odor da carne e sangue, o cheiro da terra molhada preencheu as narinas presentes.
O guerreiro grisalho escutava atentamente cada palavra do planejamento do seu senhor.
— Posso acomodar duzentos homens confortavelmente aqui em Pharid, se pensarmos em acampamento, talvez o triplo.
— Acredito que seja de interesse lembrar. — Alyssius interveio — Que soldados fatigados pela espera podem perder o seu vigor. Se ficarem tempo demais em tendas e acampamentos, suas lâminas podem enferrujar. Não fisicamente, mas em relação à sua moral.
— Tem razão, mago. — Ayel considerou.
— Sugiro enviar tropas apenas quando o momento for certo, assim, não haverá esse desgaste antes da batalha. — Prosseguiu o mago.
— Majestade, consigo prever quando a disputa dos irmãos chegará ao fim. Com tempo, avisarei e vossos homens poderão marchar prontamente.
— Perfeito, então será assim.
Todos bateram com suas canecas e viraram a cerveja com bastante animação, até mesmo Alyssius cujo não bebia com frequência, decidiu optar por fazer para não soar desrespeitoso.
— Quem deseja convocar, imperador? — perguntou o mago, atento.
— O Esquadrão… não. Prefiro mantê-los como guardiões de Sihêon, mas Kord, Claude e Yelena, com toda a certeza.
O velho concordou, acariciando a barba pálida, o imperador continuou.
— Inclusive… Pensei em trazer a Yelena para esta reunião, mas há tanto tempo que não a vejo.
O guerreiro pharidenho ergueu a mão e surgiram alguns dos seus criados para o interior do salão, traziam mais bebidas e comidas vindas em bandejas de ferro.
O cheiro robusto das especiarias chegou a todos.
Alvorada erguera sua caneca e mais uma vez os outros o imitaram.
As gargalhadas ecoaram fortes, misturando-se ao som da chuva. Nael ainda estava reservado, mas aproximou-se para comer junto dos seus superiores.
— Aproveitemos hoje. — Dissera o ruivo para os seus subalternos. — Talvez nossa próxima visita em Pharid seja uma marcha de guerra.

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