Índice de Capítulo

    Uma breve explicação sobre o conceito das Cidades-Selo.




    Capítulo 082 – As sombras primordiais!

    Muito antes de os reinos serem erguidos, quando a terra ainda fervia e o céu mal possuía qualquer cor, algo surgiu no abismo.

    O tecido que dividia o mundo físico com o mundo etéreo tremeu, como se houvesse uma força invisível que pudesse ter dilacerado tudo por dentro e escapado para fora.

    Do vazio entre as dimensões, quatro seres surgiram, mas não como deuses ou criaturas… Mas como um possível erro da própria criação.

    Não existiam homens ou luz, ou local algum. Apenas um silêncio palatável e um frio.

    O ar se partiu com o nascer dos quatro.

    Kamaeel, famoso por ser o portador da ira, arrastava consigo mares de fogo e diversos corpos que fossem consumidos consigo.
    Meenadiel, aquele que sussurrava, sua voz infiltrava-se nas mentes, tinha uma facilidade absurda em destruir a razão e a lógica.
    Graaphiel, o desmembrador, esmagaria o próprio mundo se o solo o desafiasse.
    E, por fim, Baartzabel, o maior tecelão de todas as sombras, aquele que corrompia tudo que estivesse no alcance do seu toque, criando uma escuridão viva, uma sombra líquida e gosmenta de morte.

    A presença deles fizera o mundo se tornar um ambiente podre: árvores murchavam, ventos pesavam e a luz não trazia a felicidade.

    Nada conseguia resistir a eles, a matéria por si só se curvava, os rios secavam e o tempo distorcia perante a existência vil.

    Durante essas eras em que o tempo não era contado, os quatro reinaram sobre um mundo sem forma, seus poderes alteravam a realidade e a moldavam à própria vontade… Montanhas de ossos e mares de sangue, erguidos facilmente enquanto o céu ardia.

    Com o avanço do tempo, o homem percebeu a influência negativa dos seres, e inúmeras expedições foram criadas.

    Mas as criaturas não puderam ser mortas, nem a lâmina, nem os primeiros feitiços, fogo…

    Nada os afligia, pois eles não haviam nascido do ventre do mundo, eles eram fragmentos do vazio anterior à criação. Ecos do caos.

    Eram os demônios primordiais.

    Enquanto a realidade existisse, eles sempre poderiam retornar.

    Apenas o banimento poderia contê-los, nada além disso.

    Os últimos arcanos e sacerdotes do mundo recorreram à magia de prisão, forjada com sangue e sacrifícios, selos foram criados, não com força suficiente para destruir, apenas para encerrar o reinado supremo do maligno.

    Eram rituais de tormento imensuráveis, nos quais os conjuradores ofertavam suas próprias almas como uma corrente, ofereciam seu próprio corpo como âncora.

    E isso se tornou a resposta do homem, um a um, os demônios haviam sido contidos, mas cada um desses selos, por fim, deixou cicatrizes pesadas no mundo: crateras, florestas petrificadas, mares negros.

    Toda localidade na qual as entidades caíram perdeu a força de florescer, a terra permaneceu envenenada.

    Os magos que sobreviveram tornaram-se os primeiros guardiões… Homens e mulheres quebrados, enlouquecidos pelo poder que haviam usado, mas satisfeitos pela vitória ter sido gloriosa pela existência.

    Esses juraram vigiar os túmulos das entidades e reforçar os selos de tempos em tempos antes que pudessem corromper mais uma vez.

    E durante centenas de anos, esse juramento havia sido mantido.

    E, com o caminhar das eras pela roda do tempo, templos começaram a se erguer ao redor dessas prisões arcanas, clérigos e acólitos se aproximavam, buscavam compreender o poder adormecido.
    Então vieram os mercadores, os artesãos e famílias que migravam, acreditando na segurança que surgia com a presença dos santos guardiões.
    Essas fortalezas se tornaram povoados, esses povoados se tornaram cidades.

    Dessa forma nasceram as Cidades-Selo, quatro pontos espalhados no mundo e erguidos sobre o túmulo dos horrores antigos, quatro feridas antigas, seladas pela fé e mana dos heróis lendários antigos.

    A cidade de Meenadiel repousava sobre as colinas brancas do reino santo que se tornou Althavair, onde a fé era lei e a heresia se tornava sentença de morte.

    O reino puro prosperou, seus reis e bispos amavam vangloriar-se por governar em cima do selo mais puro e mais seguro existente.

    Nas Terras Áridas, entre os desertos rachados e as tempestades de poeira, jazia a cidade de Graaphiel. Em um templo desmoronado por meio de rituais com óleo e fogo, entre reinos vizinhos de onde é Andhera, que, por mais que começasse a apodrecer por meio de guerras internas, ainda manteve o selo firme.

    A cidade-selo de Baartzabel ergueu-se próximo ao sudoeste de Sihêon, praticamente um centro de arte, beleza e música. Suas praças eram adornadas com estátuas belas, ruas pavimentadas com mármore tão negro quanto as sombras do demônio.

    De tempos em tempos, os artistas dessa cidade enlouqueciam, eram pintados rostos sem olhos e esculpidas figuras distorcidas, compunham melodias medonhas e soturnas.

    Era chamado de “toque da inspiração divina”.

    Os clérigos e arcanos do local temiam que isso pudesse ser o selo enfraquecendo, mas rezavam para estar errados.

    Já a última cidade-selo, nunca mais fora vista. Receptáculo de Kamaeel, o senhor da ira.

    Seu selo havia sido rompido em um continente distante, um lugar que havia seu nome, mas perdeu, tornando-se apenas as Terras Obscuras.

    Nada restara, as florestas haviam sido queimadas até a raiz, os mares se tornaram lamas ferventes e o céu era um breu sobrenatural. Muitos que tentaram explorar o continente nunca mais foram vistos, os poucos que conseguiram retornar, perderam a sua sanidade.

    Muitos diziam que Kamaeel ainda reina sobre aquelas ruínas, que ele reunia monstros e espectros de modo a formar um exército sob um céu enegrecido.

    Seja lá qual fora a verdade, ninguém tinha a ousadia de mencionar o seu nome, pois toda vez que era feito, era como se o vento respondesse.


    O selo de Baartzabel, que por diversos séculos manteve a cidade entre a vida e a sombra, começara a falhar.

    Não que alguém tivesse percebido isso de imediato, pois a cidade sempre prosperou, suas praças eram resplandecentes andando ao lado da luz do sol, e a ilusão que a população vivia era de uma normalidade gigantesca.

    Essa verdade poucas vezes foi citada, que, com o passar dos anos, esquecia-se o propósito das cidades-selo.

    Esquecia-se de manter a força da barreira arcana.

    Nas profundezas do solo, em câmaras subterrâneas esquecidas sob o templo principal, alguma coisa parecia se agitar, uma energia antiga, faminta e bastante paciente.

    Fazia dois anos que Aiden Alvorada havia tomado Sihêon para si. Por mais que houvesse conflitos internos frequentes por conta das desavenças entre as guildas, o povoado conseguia considerar que estivessem em tempos de paz.

    O rei bárbaro quase não visitava o seu anexo a sudoeste, mas havia um mestre poderoso em Nox Arcana que tinha um coleguismo gigantesco com o velho Alvorada, Alyssius.

    O mago Alyssius estivera sempre entre os mais poderosos do reino, era ele que, de tempos em tempos, visitava Baartzabel para garantir que tudo correspondia com a vontade do Conselho dos Nobres e do rei, em pessoa.

    Ele era um poderoso conselheiro de Aiden, também um mestre estudioso que auxiliava o seu superior arcano, Bruxo Negro, a coordenar e reger a escola mágica.

    Em uma das visitas, a voz de Baartzabel sussurrou nos corredores vazios da sua mente…

    A princípio, eram apenas ecos, fragmentos de pensamento que Alyssius atribuía ao cansaço e ao estresse, nada que tivesse o alarmado, mas com o passar dos dias, a voz tornava-se cada vez mais insistente.

    Quando o arcano finalmente cedeu, fora algo súbito e aterrador.

    Um pequeno fragmento do poder de Baartzabel escapulira entre rachaduras no selo e sua sombra, que tomou um corpo denso e pegajoso, agarrou-se à carne e ao espírito do velho Alyssius.

    Que lutara bravamente, dentro de si, um conflito silencioso, mas muito perigoso. Onde um tentava expulsar a presença maligna enquanto o outro desejava comandar cada músculo e os pensamentos.

    Baartzabel continha uma paciência valorosa e, em algum momento, o velho mago sucumbiu. Então, o caos se instaurou.

    A cidade inteira tornara-se refém da mente corrompida do mago, enquanto a sombra desejava libertar o selo para garantir seu poder total.

    O povo, outrora despreocupado, corria do homem arcano de olhos vazios. A beleza das praças se transformou em um horror e, em poucos dias, sangue manchava as ruas e as estátuas de mármore.

    Um genocídio cruel, sem piedade ou algum pingo de misericórdia, apenas a frieza da magia do demônio primordial, que manipulava o corpo humano como um servo tenente.

    O rei Aiden Alvorada, o arcebispo do templo dos divinos: Zarui e o Bruxo negro reuniram todas as forças que lhes restaram assim que as notícias percorreram seus ouvidos, porém, mesmo com exércitos enormes e encantamentos antigos, a batalha perdurara por meses.

    Alyssius ainda resistia internamente, em seus pensamentos buscava recuperar o controle, cada golpe que seu corpo sofria, também atingia a sombra que estava em sua carne.

    Perderam-se as contas de quantos foram mortos tentando purificar a cidade, os templos ruíram, as torres caíram e a poeira negra sufocava quem ainda tentava ficar por lá.

    Quando o mago foi finalmente derrotado, a cidade estava afogada em um silêncio morto. Aquele fragmento de Baartzabel fora completamente destruído e seu selo foi reforçado com magia antiga e sangue de parte dos sobreviventes. Daquele dia em diante, ninguém mais ousava habitar em Baartzabel, fugiram para os castelos mais próximos em Eikõ, a vila de Bramut ou o castelo de Sihêon.

    Com os selos reforçados, o sono profundo de Baartzabel retornou ao ponto de sempre, embora acabasse como uma cidade fantasma, um túmulo de edificações e manchas de uma guerra contra um homem só.

    Consumido por uma vergonha e uma sensação de impotência gigantesca, Alyssius preferiu sair de Nox Arcana e então exilou-se em uma caverna à beira dos muros do reino, rodeado por rochas altas.

    Estivera ali, refletindo sobre as suas próprias falhas, embora todos ao redor tivessem lhe entregado o perdão, tanto o rei, quanto o arcebispo e até mesmo seu mais próximo amigo, Bruxo Negro.

    O próprio Alyssius jamais havia perdoado a si mesmo.

    Arrependido pelo seu deslize, sua fraqueza e o seu fracasso.

    Até o momento em que algo o fez retornar ao convívio com os homens.

    A presença solene do ruivo que estava herdando o reino de Aiden.

    O homem que o tirou das sombras para levá-lo novamente à luz.


    Cidades-Selo reconhecidas no mundo:

    Cidade de Meenadiel:
    Atualmente está localizada próxima ao reino de Althavair, a província da religião e da fé, é considerada a cidade-selo mais segura do mundo.

    Cidade de Graaphiel:
    Atualmente está localizada próxima ao reino de Andhera, um dos principais das Terras Áridas, muitos acreditam que seja sorte o selo não ter sido rompido, levando em consideração as constantes guerras que ocorrem nessa parte do mundo.

    Cidade de Baartzabel
    Atualmente está localizada próxima ao império de Sihêon, desde que o selo enfraqueceu um pouco e Alyssius fora possuído, a cidade foi completamente abandonada e diversos laços e símbolos rúnicos arcanos foram adicionados para garantir que o túmulo não se deteriorasse mais.

    Cidade de Kamaeel:
    O motivo para que o terceiro continente seja chamado de Terras Obscuras, rumores apontam que o selo de Graaphiel fora rompido e tudo ao redor foi devastado.

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