Capítulo 248: Resgate
O espaço secreto que Rosa me fornecera era apertado, úmido e abafado, cheirava a mofo mas era silencioso o bastante para eu ouvir meus próprios pensamentos, o que era perfeito. Precisava pensar no que fazer.
Espalhei os mapas sobre a mesa. Sobre eles, coloquei os livros dimensionais que Lock havia me emprestado.
Quase não tive tempo de analisá-los. Claire quem os tinha lido mais a fundo. Precisava de ideias, e talvez minhas respostas estivessem em suas páginas.
Haviam algumas magias básicas de teletransporte. Algo que a névoa sempre interferiu, mas precisava testar. Com as memórias e a experiência de Mahteal dentro de mim, foi fácil decorar as runas e como elas deveriam funcionar.
Testei, me deslocando alguns metros no próprio quarto. Senti uma pontada na cabeça, e um puxão em direção ao nada. Era a influência da névoa. Era possível, mas arriscado.
Uma outra magia me chamou a atenção: uma para enviar a consciência primeiro, sentir o local alvo para evitar acidentes como se transportar para dentro de uma parede ou móvel.
Precisava testar. Respirei fundo, deixei meu mana circular e pensei em Rosa, me concentrei na sua assinatura de mana e deixei meus sentidos alcançá-la.
Assim que enviei minha consciência, peguei Rosa em seus aposentos. Sorte ela não ter como perceber, porque estava nua, vestindo um conjunto para dormir. Recuei de volta ao corpo, envergonhado. Pelo menos, funcionava.
Tentei encontrar a assinatura de mana de Pandora. Eu a conhecia tão bem quanto eu mesmo, ou minhas esposas.
Mas algo bloqueava meu caminho. As barreiras nas muralhas do Palácio tinham sido reforçadas. O vazio era o mesmo que senti quando Claire ficou presa na mansão Umbrani. Apenas um traço sutil, que me dizia que ela vivia.
Verifiquei no mapa, as proteções estavam concentradas na muralha interior. No pátio, no perímetro, nas passagens superiores.
Acima, Juliani havia trancado tudo. Mas por baixo…
Sorri sozinho.
Se eu cruzasse o limite inferior, longe das runas de detecção, as magias dimensionais funcionariam.
Abri os olhos. Não adiantava tentar daqui.
Eu iria até ela.
Quando a madrugada caiu, me levantei, prendi a espada contra o corpo e adentrei os túneis que Rosa havia indicado. As paredes gotejavam, e o eco dos meus próprios passos parecia maior do que deveria. Mas já era tarde demais para hesitar.
Os túneis que escolhi terminavam em um depósito esquecido, cheirando a feno velho e ferrugem. De lá, puxei a magia de disfarce. Senti os ossos estalarem, mudando sutilmente, a pele tensionando até assumir outro rosto.
As ruas da madrugada estavam desertas, como esperado de uma cidade tensionada.
O Palácio surgia à frente como uma muralha de pedra escura, flanqueado por torres que pareciam observar tudo. Pelos becos, me aproximei da saída de dejetos.
Duas sentinelas guardavam a boca da tubulação. Atentas, porém cansadas. Tive certa sorte, nenhuma manaclaste à vista.
Observei por um tempo, não teria troca de turnos nesse momento.
Levantei a mão, senti o fluxo de mana circular e desenhei a runa mental.
O sono caiu sobre eles como uma neblina pesada. Os corpos desabaram sem barulho.
Passei por entre os dois e entrei na tubulação.
Me esgueirei ppr algum tempo, seguindo de cabeça o caminho dos mapas. Era úmido e o cheiro insuportável.
que ultrapassei a fronteira mágica, senti, como um impacto contra o peito, a mudança no ar. As proteções estavam todas acima, exatamente onde eu havia previsto.
No mesmo instante senti a mana de Pandora.
Me concentrei e enviei minha consciência até onde ela estava.
Pandora estava sentada no chão, cabelos desgrenhados, pulseiras de contenção nos pulsos.
Me concentrei e apareci na cela, ao lado dela. Seus olhos arregalados me olhando como se eu fosse uma aparição.
Pensei em pedir silêncio, mas ela foi mais rápida.
Colocou um dedo nos meus lábios.
— Shhh… os guardas estão perto — sussurrou, tão baixinho que mal ouvi.
Antes que eu pudesse dizer algo, ela deslizou até mim e me abraçou com força. O rosto colado ao meu pescoço.
E então, num gesto rápido e impulsivo, roubou um beijo.
— Você veio me salvar de novo — murmurou com um sorriso torto e cansado. — Não consegue ficar longe de mim, não é?
Estranhei seu comportamento. Ela sempre foi séria e contida.
— Pare com isso — sussurrei. — Onde está Lenora?
— Nesse andar. Todos estamos. Mas não sei em quais celas. Este é o nível mais profundo. Qualquer coisa que fizer aqui pode acionar o alarme. Eles reforçaram tudo.
Assenti e ela continuou.
— Annabela que está dirigindo tudo aqui. Ela quem fez as runas de proteção. — Mostrou os pulsos presos. — E essas correntes também. Nunca me senti tão fraca.
Analisei as runas, era coisa de Naksa, com certeza. Com um toque no ponto certo, as algemas caíram. Pandora esfregou os punhos e seus olhos brilharam.
Testei as grades. Tinham runas de proteção. Mas felizmente, não contra teleporte.
Abracei Pandora pela cintura.
E puxei o espaço.
A cela desapareceu, e nos vimos de pé no corredor silencioso, alguns metros adiante. O chão duro contra as minhas botas.
— Isso… isso foi arriscado — ela sussurrou.
Desafivelei minha espada e entreguei a ela.
— É um empréstimo.
Ela sorriu, apesar da situação desesperada.
— Finalmente me emprestou essa coisa.
— Vamos resgatar os outros.
— E como vamos sair daqui? — perguntou, baixando a voz.
— Primeiro salvamos todos. Depois vemos isso.
Pandora respirou fundo, ajeitou os cabelos com a mão tremendo, e assentiu.
— Você sabe para que lado ela está? — perguntei baixinho.
Pandora balançou a cabeça, os olhos acesos de preocupação.
— Não. Separaram a gente desde o início. Não me deixaram ouvir nada… nem respirar direito.
Fechei os olhos e deixei o mundo estreitar até virar silêncio. O mana de Lenora não tinha a mesma assinatura íntima que o de Pandora, que eu reconheceria até dormindo, mas havia algo ali, um fio distante, mas presente.
— Achei — sussurrei.
Seguimos, pisando no chão frio como duas sombras, até chegarmos diante de uma porta de madeira espessa, reforçada com tiras de ferro opaco. Encostei o dorso da mão na superfície e deixei a mana escorrer pelos veios. Do outro lado havia calor, uma lareira, e duas presenças humanas, tranquilas, quase entediadas. Guardas. A sala também irradiava múltiplas conexões: era um ponto de intersecção. Três corredores partiam dela.
Fiz um gesto para Pandora recuar um passo. Ela obedeceu, mas a tensão na mandíbula denunciava o impulso de simplesmente arrebentar a porta.
Respirei fundo, estendi a mão e puxei o sono até a superfície de suas mentes. A magia os envolveu como um véu quente; segundos depois, ambos desabaram sobre a mesa, derrubando metade da refeição em cima deles.
Entramos.
O corredor à direita pulsava com aquele fio arcano que eu havia rastreado. Lenora. Estava fraca, fraca demais. Amaldiçoei Annabela em silêncio.
Assim que meu pé cruzou a soleira do corredor, um grito agudo cortou o ar. Feminino. Rasgado. Seguido por risadas abafadas e algum comentário que não consegui entender, não precisei. O som já bastava.
Pandora empalideceu instantaneamente. Foi como vê-la ficar oca por dentro. Deu um passo à frente, rangendo os dentes, uma fúria voraz brilhando nos olhos.
Segurei seu braço, firme.
— Calma — murmurei. — Já estamos chegando. O pior já passou.
Ela fechou os olhos, respirando pelo nariz como uma fera tentando se controlar, mas seu mana oscilava de um jeito quase perigoso.
— Lior… se ela estiver…
— Não está. — Menti com convicção. — Vamos depressa.
Avançamos na direção dos gemidos.

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