Índice de Capítulo

    Puxei Alana de lado, lançando um olhar para Claire e Pandora, que me observaram com curiosidade.

    — Tem certeza de que quer vir comigo? Vai ser perigoso. Sabe mesmo se cuidar?

    Alana ergueu o queixo, a determinação brilhando em seus olhos.

    — Não se preocupe comigo, eu sei me virar — respondeu com firmeza, quase desafiadora.

    Claire se aproximava, curiosa para ouvir o que eu dizia. Abaixei um pouco o tom da voz, encarando Alana diretamente.

    — Agora não é a hora, mas quando chegarmos a um lugar seguro, você vai me explicar direitinho quem é você e o que tem a ver com tudo isso que está acontecendo, homúnculo.

    O impacto da palavra fez com que Alana parasse, os olhos se arregalando levemente, antes de estreitarem novamente em desconfiança. A expressão dela era um misto de surpresa e cautela, como se estivesse tentando medir até onde eu sabia sobre sua verdadeira natureza.

    — Isso não importa agora — sussurrou, evitando me encarar diretamente.

    Eu não insisti. Deixei que o silêncio falasse por nós enquanto observava os outros se prepararem para partir. Pandora estava ajustando a alça de seu escudo no braço, e Joaquim ajustava suas manoplas com um olhar concentrado.

    Olhei para o grupo, garantindo que todos estivessem prontos, e então falei, tentando manter a calma na voz: 

    — Qual é a próxima parada?

    Claire deu um passo à frente, hesitante. 
     
    — Minha casa — ela murmurou, tímida.  
     
    — Certo. Vamos. — Nosso itinerário já tinha sido estabelecido.

    Nos organizamos em formação, com Hass na retaguarda para garantir que nada nos seguisse. Eu, Pandora e Joaquim liderávamos a linha de frente, enquanto Marius, Claire e Alana caminhavam no meio, protegidos por nós. Claire esfregava as mãos, tensa.

    As ruas estavam desertas, mas o silêncio não era um alívio — era um aviso. A qualquer momento, mais criaturas poderiam surgir dos becos ou descer dos telhados. Mantínhamos os passos leves e controlados, como ratos esgueirando-se por corredores abandonados.

    De vez em quando, um morto-vivo errante cruzava nosso caminho. Nos acostumamos a lidar com eles rapidamente, sem chamar atenção. Joaquim se destacava nesse tipo de combate silencioso, usando golpes precisos e letais, enquanto Pandora observava o entorno com atenção.

    Em um determinado ponto, um dos mortos caiu antes mesmo de percebermos que estava ali, abatido por um projétil de energia que brilhou por um segundo antes de desaparecer. Virei-me e vi Claire abaixar sua mão, a expressão endurecida, e um leve brilho azulado, resquício da mana utilizada. 

    — Boa — falei, impressionado com a precisão e a rapidez.

    Ela não respondeu, apenas respirou fundo, tentando se acalmar. Seu treinamento de combate estava, sem dúvida, mostrando resultados.

    Seguimos por mais dois quarteirões até que um som estridente ecoou no céu. Um grasnado rouco e familiar me fez erguer os olhos. Um pássaro negro circulava lá em cima, e reconheci de imediato: um corvo espião. A lembrança de Shade, Selune e das palavras de Mahteal atravessou minha mente como uma lâmina fria. A ideia de que havíamos nos tornado inimigos parecia absurda, mas não podia negar a realidade.

    — Fomos vistos — avisei, apertando o passo. — Vamos mais rápido.

    Os outros não questionaram, apenas seguiram minha liderança. Ninguém gostava da sensação de estar sendo vigiado, especialmente quando o perigo espreitava em cada esquina.

    O chão sob nossos pés tremeu de repente, e um rugido bestial explodiu à nossa frente. Hass gritou de trás, sua voz grave e urgente.

    — Protejam-se! 

    Algo enorme caiu bem no centro da formação, fazendo o solo rachar sob o impacto. A poeira subiu, obscurecendo a visão por um instante. Antes que eu pudesse reagir, uma segunda criatura saiu de um beco estreito e colidiu com Hass, arrastando-o consigo para longe.

    — Hass! — Pandora gritou, já se preparando para avançar, mas ergui a mão para impedi-la.

    — Ele sabe se cuidar — murmurei, tentando manter a concentração.

    O verdadeiro problema estava à nossa frente. A poeira finalmente cedeu, revelando uma abominação colossal, um amontoado grotesco de carne e peles costuradas, formando um grande felino deformado. As patas dianteiras, largas e poderosas, eram adornadas com garras de aço enferrujado que raspavam o chão, soltando faíscas. O cheiro pútrido de carne podre e magia sombria permeava o ar, me fazendo engasgar.

    — Que desgraça é essa… — Pandora murmurou, apertando o escudo com força. 

    No chão, Marius estava atordoado, um filete de sangue escorrendo pela testa. Claire estava caída sobre Alana, protegendo-a com o corpo, enquanto uma barreira mágica tremeluzia ao redor delas, rachando como vidro prestes a se partir. 

    — Claire! — chamei, me preparando para avançar, mas hesitei ao perceber a tensão no rosto dela. Mesmo ferida e exausta, ela mantinha a concentração para sustentar a barreira. O orgulho e a preocupação se misturavam dentro de mim, mas não havia tempo para hesitações.

    Antes que a proteção se desfizesse, eu, Pandora e Joaquim atacamos juntos, coordenando nossos movimentos para afastar a criatura. A abominação rugiu com fúria, investindo contra nós com garras estendidas. Pandora aparou o ataque com o escudo, rangendo os dentes ao sentir a força da investida. 

    Joaquim tentou golpear as patas traseiras, mas o soco foi absorvido no couro espesso, apenas fazendo a criatura estremecer e mudar o foco para ele.

    — Marius, levanta! — gritei, mantendo meus olhos na criatura. — Claire, recua com Alana! 

    Claire me lançou um olhar breve, mas determinado, antes de ajudar Alana a se levantar e se afastar com passos cambaleantes.

    — A coisa não é só carne — falei, analisando os movimentos da fera. Suas articulações rangiam e estalavam a cada passo, e um vapor escuro escapava das fissuras no couro podre. — Tem magia sombria pulsando por todo o corpo.

    — Que tipo de monstro costura algo assim? — Joaquim rosnou, desviando de um golpe que rachou o chão ao seu lado. O impacto espalhou lascas de pedra e terra, quase atingindo Pandora, que se abaixou a tempo.

    — O mesmo tipo que cria aqueles colossos que enfrentamos na arena — soltei, entredentes.
    Me lembrei da visão que tive ao invadir a mente de um dos espiões sombrios: olhos sinistros me observando, frios e calculistas, uma presença dominante e perigosa, capaz de manipular miasma quase tão bem quanto eu tinha podido.

    Não estávamos lidando apenas com soldados mortos-vivos. Era Annabela, e a mulher pálida que se juntou a ela, Caliban. O nome surgiu em minha mente, vindo das lembranças de Mahteal.

    Era um segredo que não podia revelar, não agora.

    — Joaquim, Pandora! — chamei, esquivando-me de uma patada que passou perto demais, o vento cortando meu rosto. — Temos que destruir completamente a criatura. Atacar pontos vitais não vai funcionar. Vou tentar uma coisa.

    Pandora assentiu, se afastando para pegar distância, enquanto Joaquim circulava a criatura, procurando uma abertura para atacar. O monstro rugiu novamente, um som grotesco e gutural que fez o chão vibrar, antes de investir contra nós com fúria cega.

    Cerrei os dentes e fechei os olhos por um breve instante, estendendo a mão na direção da criatura. O ar ao meu redor parecia pesar, como se a presença sombria sugasse o calor e a luz.

    Concentrei-me em sentir a pulsação mágica que a animava, procurando a fonte de energia que a mantinha em movimento. O fluxo sombrio ressoava como um tambor abafado, mas, conforme mergulhava mais fundo, senti uma presença hostil me repelindo, como se mãos invisíveis tentassem esmagar minha mente.

    — Droga… — murmurei, sentindo uma dor de cabeça latejante. A força do vínculo era intensa, e minha mente quase recuou com a pressão, mas resisti, cavando mais fundo, forçando minha magia a invadir a estrutura que sustentava a abominação.

    — Ei! — Pandora gritou, desviando de outro golpe, sua espada riscando o ar enquanto ela aparava as garras da criatura. — Se vai fazer alguma coisa, é melhor ser rápido!

    Joaquim avançou pela lateral, atingindo o tendão da perna esquerda da fera, mas a criatura se virou com rapidez surpreendente, quase o atingindo com um golpe de garra. Ele recuou, rolando pelo chão e se levantando com agilidade, sem perder o foco.

    — Distraiam-na mais um pouco! — pedi, cerrando os dentes e reunindo energia. A dor de cabeça pulsava, ameaçando quebrar minha concentração, mas eu não podia recuar agora.

    Marius finalmente se levantou, ainda atordoado, mas com os olhos ardendo de determinação. Ele ergueu as mãos e conjurou uma saraivada de projéteis de mana flamejantes contra a criatura. As chamas lambiam o couro podre, deixando marcas negras e chamuscadas, mas a abominação parecia não sentir dor. Claire, respirando com dificuldade, traçou runas no ar com os dedos trêmulos e conjurou outra barreira de energia, protegendo Pandora e Joaquim, que estavam mais próximos.

    Aproveitei a abertura e lancei minha própria magia, um feixe de pura força arcana, direcionado ao núcleo da criatura. O impacto reverberou, e senti sua conexão com o miasma tremer, como uma corda prestes a se romper.

    A criatura urrou, convulsionando enquanto os membros se moviam de forma desordenada, como se perdesse o controle motor. Minha energia devorava o miasma dentro da criatura, eliminando seu combustível maldito.

    — Está quase! — gritei, a voz rouca e tensa. — Mais um empurrão! 

    Pandora e Joaquim trocaram um olhar rápido e avançaram juntos, atacando em uníssono. Pandora desferiu golpes rápidos e precisos nas articulações das patas dianteiras, enquanto Joaquim golpeava o torso com sua manopla pesada. Claire conjurou um míssil mágico adicional, mirando a cabeça da criatura, e o impacto fez a abominação tombar para o lado, os olhos mortos piscando com um brilho vacilante. 

    Marius, mesmo arfando, disparou mais projéteis de mana, mirando os pontos já queimados e enegrecidos. As chamas se intensificaram, e um cheiro acre de carne queimada e podridão invadiu o ar.

    Com um último esforço, reuni toda a minha energia restante e lancei outro raio concentrado no núcleo sombrio. O que mantinha a abominação unida finalmente se rompeu, e a criatura colapsou, caindo inerte no chão, os membros se desfazendo em uma massa disforme de carne e osso.

    Ofeguei, limpando o suor da testa, enquanto o silêncio denso se estabelecia ao nosso redor. Pandora me lançou um olhar preocupado, seus olhos buscando algum sinal de exaustão ou ferimento. Joaquim apenas limpou suas manoplas com um pedaço de pano sujo, tentando recuperar o fôlego.

    — Temos que ajudar Hass — murmurei, endireitando-me com esforço. O chão ao meu redor ainda estava marcado pelas cicatrizes da batalha, e o cheiro de carne queimada misturado ao fedor de podridão era sufocante.

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