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    Após nos separarmos, cada um tentando reunir aliados para a batalha que se avizinhava, disparei pelas ruas em direção à propriedade dos Vulkaris. Minha mana circulava conforme os ensinamentos de Pandora, aprimorando meus sentidos ao máximo para não ser surpreendido. A sensação de urgência ardia no peito, e cada passo parecia mais pesado que o anterior. 

    As ruas estavam desertas, mas não silenciosas. Ouvi murmúrios distantes, passos apressados em vielas e choros abafados atrás de portas fechadas. Alguns errantes vagavam sem rumo, olhos vidrados e rostos desfigurados, reflexos distorcidos da humanidade que um dia tiveram. Não hesitei e cortei-os rapidamente, a lâmina dançando no ar e cruzando carne e ossos sem que eu sequer piscasse. Meu corpo se movia quase no automático, dominado pela necessidade de avançar. 

    Cada vez que eliminava um deles, sentia uma pontada de culpa, um resquício de humanidade que teimava em se agarrar à minha consciência. Mas não havia tempo para sentimentalismos. O peso do dever falava mais alto, empurrando-me adiante. 

    Eu ganhava terreno, mantendo a esperança de que meus irmãos estivessem lá, ou, pelo menos, alguma divisão da Legião Manaclaste, ou algum peso pesado que pudesse nos dar vantagem. Mas a verdade era que eu não tinha certeza de nada. Carregava apenas a fé de que, se minha mãe estivesse presente, seria muito mais fácil convencer os outros a ouvir o que eu tinha para dizer. Caso contrário, as coisas ficariam complicadas, afinal, eu era o “Terror dos Vulkaris”.

    O caminho parecia mais longo do que eu lembrava, e o silêncio entre os ataques era perturbador. A cidade que um dia fervilhava de vida agora era uma terra de ecos vazios e morte. 

    Cheguei ao bosque que dividia o Palácio Imperial da propriedade dos Vulkaris. Aquele era um lugar que costumava ser sereno, um refúgio de árvores antigas e sombras refrescantes. Mas agora o chão estava coalhado de cadáveres, como uma oferenda macabra à escuridão que se abatia sobre Thallanor. Guerreiros, guardas e serviçais, todos jaziam ali, seus corpos torcidos em posições antinaturais. Uma aura pesada pairava no ar, impregnada de sangue seco, miasma e magia residual. 

    Apertei o passo, uma sensação de angústia crescendo no peito. O cheiro de morte e carne queimada ficou mais intenso conforme me aproximava dos portões da propriedade. Eles estavam escancarados, como se alguém tivesse forçado a entrada com brutalidade. Havia marcas de luta por toda parte, paredes quebradas, móveis destroçados e sangue escorrendo pelas pedras. 

    Meu coração se apertou ao ver duas Manaclastes caídas, suas armaduras partidas e o canhão de mana destruído, destroços fumegantes ainda soltando faíscas. Reconheci uma delas, tinha as marcações douradas de um oficial, eu a tinha visto em ação no cerco aos Lestari. A imagem de seu corpo inerte acendeu uma chama de revolta dentro de mim. 

    Minha intuição gritava que algo estava muito errado ali, mas não havia como voltar atrás. Avancei pelos caminhos destruídos, os olhos atentos a qualquer movimento. O silêncio mortal foi rompido por gritos de guerra e o choque de aço contra aço, acompanhados pelo estrondo de magias explodindo. O som de energia arcana cortava o ar como trovões que vibravam até os ossos. 

    A fachada da mansão principal, que parecia mais uma fortaleza, estava em ruínas, mas ainda resistia. Subi a escadaria de mármore, desviando de corpos e escombros, até alcançar o grande salão. Quando alcancei a entrada, vi o cenário de destruição se desdobrar à minha frente. 

    No meio do salão, um grupo da Legião Manaclaste lutava contra mortos-vivos e Colossos montados que se contorciam em formas grotescas, eram pelo menos cinco deles, com seus corpos costurados de maneira caótica. Poucos magos lançavam feixes de mana que estouravam contra as criaturas, enquanto soldados de lança e espada tentavam conte-los em formação. 

    — Vamos, não deixem que eles avancem! — alguém gritou, e reconheci a voz grave de meu irmão mais velho, Viktor. 

    Uma criatura esquelética avançou contra Viktor, as garras ossudas tentando rasgar seu rosto. Ele mal teve tempo de erguer o braço para se defender, mas, antes que o golpe o atingisse, uma espada brilhou no ar e derrubou o inimigo com um movimento preciso. Cassiopeia, com a expressão endurecida pela batalha, esmagou o crânio da criatura com a bota, garantindo que ela não se levantasse novamente. 

    — Presta mais atenção, seu idiota! — ela rosnou, sem sequer olhar para ele. 

    Eu, por ter chegado agora, estava posicionado atrás das criaturas, em um ponto estratégico. A adrenalina queimava nas veias, e meus pensamentos ficaram turvos por um instante. Uma ideia imprudente tomou conta de mim, perigosa, mas necessária, se desse certo, viraria o lado da batalha, se desse errado, estaria sozinho para enfrentar os monstros.

    Respirei fundo e concentrei a mana no centro do peito, canalizando o fluxo ardente até sentir as palmas das mãos esquentarem. 

    Lembrei de como controlei a explosão no bar e não hesitei. Com um gesto firme, liberei a energia acumulada, lançando uma explosão de fogo que engoliu os inimigos em um clarão abrasador. As chamas rugiram como uma fera indomável, incinerando os mortos-vivos desprevenidos. Alguns sequer tiveram tempo de reagir, carbonizando-se instantaneamente, enquanto outros se contorciam em agonia, chamas dançando sobre suas carnes mortas. 

    Apenas dois dos cavaleiros cadavéricos conseguiram se proteger a tempo, erguendo barreiras mágicas pútridas que protegeram a si mesmos e seus Colossus, monstruosidades compostas de ossos fundidos e membros mortos costurados.

    Assim que as chamas se extinguiram, as Manaclastes avançaram com precisão militar. Cassiopeia entre elas, na vanguarda, sua espada cortando a carne podre com movimentos rápidos e impiedosos. 

    Viktor estava logo atrás, empunhava sua espada recoberta de mana com destreza. Um golpe certeiro despedaçou o crânio de um dos mortos-vivos restantes, mas, de cima de seu Colosso, um dos cavaleiros ergueu seu cetro profano e disparou um raio negro. A energia negra cortou o ar e atingiu o peito de Viktor, derretendo a armadura e queimando sua carne em um único golpe devastador. Ele caiu no chão, gritando de dor, enquanto sua pele e roupas se dissolviam sob o poder profano da magia.

    Um dos serviçais da casa correu em sua direção, carregando uma poção de coloração azul-esverdeada, derramando o líquido sobre o ferimento enquanto murmurava preces desesperadas.

    Enquanto as Manaclastes faziam o trabalho de eliminar as criaturas restantes, Cassiopeia me lançou um olhar fulminante, misto de raiva e reconhecimento. 

    — O que você está fazendo aqui, Lior Aníbal? — ela rosnou, sem desviar a atenção da luta. — Está procurando a morte, é? 

    — Agressiva com quem acabou de salvar vocês, hein? — retruquei, tentando manter a voz firme apesar da adrenalina que latejava em meus ouvidos. — Acabei de salvar vocês.

    Ela abriu a boca para responder, mas se interrompeu ao notar uma presença à distância. Lady Althéa surgiu na entrada da mansão, seus passos rápidos e decididos. Ela olhou para os corpos espalhados pelo chão e, então, seus olhos encontraram os meus. 

    — Obrigada pela ajuda, Lior. A Casa Vulkaris agradece. — Sua voz era firme, mas havia um tom cansado em seu semblante. 

    — Onde está minha ma… Lady Isolde? — perguntei, tentando esconder a ansiedade. 

    Lady Althéa trocou um olhar com Cassiopeia antes de responder, os lábios comprimidos em uma linha tensa. 

    — Uma horda surgiu do nada. O mausoléu de Helkar foi rompido, e as criaturas vieram como um rio. A maior parte dos guerreiros foi para lá, tentar contê-los, e fomos pegos de surpresa aqui. Eles queriam nos dividir. 

    A palavra “mausoléu” acendeu um alerta na minha mente. Será que a propriedade dos Vulkaris guardava outro daqueles selos de proteção? Um arrepio gelado percorreu minha espinha. 

    — Então temos que agir rápido. — Respirei fundo, tentando manter a calma. — Os Necros estão avançando, e precisamos impedi-los. Se destruírem os mausoléus, tudo está acabado.

    Antes que alguém pudesse reagir, uma explosão sacudiu o salão, destroços caindo do teto em uma chuva de pedras e poeira. Parte da estrutura desabou, toneladas de pedras e concreto soterrando as  Manaclastes que estavam na linha de frente. 

    Uma sombra ergueu-se entre os escombros, alta e esquelética, exalando uma aura gélida e opressora. Os olhos vazios brilhavam com um poder sombrio, e um murmúrio maligno reverberou pelas paredes.

    Na linha de frente, somente eu, Cassiopeia e poucos guerreiros de suporte.

    — Vocês são insetos diante da eternidade — a voz sibilou, como se cada palavra corroesse nossa força de vontade. — Não impedirão a vontade de nossa Rainha. 

    Cassiopeia me lançou um olhar carregado de tensão, os lábios apertados numa linha fina. 

    — Você está pronto para isso? — ela perguntou, seu tom era sombrio, mas havia um brilho de determinação em seus olhos. 

    Cerrei os punhos, sentindo a mana pulsar sob minha pele. Não havia escolha. 

    — Se estamos prontos ou não… vamos lutar. Não há escolha para nenhum de nós.

    Um sorriso feroz surgiu no rosto dela, um reflexo sombrio de nossa mãe. 

    — Então vamos arrancar o crânio dessa coisa. 

    E juntos, avançamos contra a criatura, nossas energias arcanas colidindo com o poder sombrio dela como tempestades furiosas, enquanto o destino de Thallanor pendia na balança.

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