Índice de Capítulo

    Eu precisava recuperar parte da minha mana, mas não havia tempo para meditação ou qualquer outro método de restauração. Inspirando profundamente, da forma que Pandora me ensinara, foquei minha respiração, buscando estabilidade. Minha espada deslizou da bainha em um movimento fluido, e avancei lado a lado com Cassiopeia. 

    Minhas reservas de mana eram limitadas. Eu sabia que esse combate poderia esgotá-las por completo. 

    O mago dos Vulkaris nos dava suporte à distância, conjurando feitiços de contenção, enquanto duas Manaclastes, sobreviventes do soterramento, se mantinham próximas. Seus capacetes estavam sujos de poeira e escombros, mas suas runas brilhavam com determinação inabalável. Elas estavam marcadas, amassadas e com pouco mana, mas ainda prontas para lutar.

    A Sombra, nossa inimiga, se erguia diante de nós. Alta, com mais de dois metros, magra ao ponto de suas costelas negras se destacarem sob a pele espectral.

    Sua cabeça era um crânio alongado, pontudo, semelhante ao de uma besta maldita, com pequenos chifres curvados projetando-se para trás. Movia-se com uma graça antinatural, sua silhueta oscilando como se fosse feita da própria escuridão.

    Ela avançou.

    O movimento foi um borrão.

    Sua espada, formada a partir das sombras, brilhou com um brilho sinistro ao rasgar o ar em direção a uma das Manaclastes.

    O legionário reagiu instintivamente, erguendo sua lâmina imensa para bloquear o golpe. Mas, por mais rápido que fosse, a criatura era mais. A lâmina negra desviou a trajetória no último instante e perfurou sua armadura encantada.

    Metal e magia se partiram como vidro.

    As runas protetivas piscaram e se apagaram em um estalo abafado. A Manaclaste caiu sem emitir som, seu corpo inerte antes mesmo de tocar o chão.

    Um calafrio percorreu minha espinha.

    Se aquilo acontecesse comigo ou com Cass, não haveria chance de sobrevivência.

    Reforcei a mana circulando em meu corpo, enviando impulsos diretos ao sistema nervoso para aumentar minha velocidade de reação. Não bastava ser forte, precisava ser rápido.

    Ergui a mão e invoquei minhas esferas protetoras. Quatro delas giraram ao meu redor, desenhando trajetórias imprevisíveis no ar. Vi Cass ao meu lado, avançando sem hesitação, confiando apenas em sua armadura e controle de mana.

    Pensei nela. As runas da minha magia responderam.
    Uma das esferas abandonou minha órbita e se posicionou ao redor dela.

    Cass rangeu os dentes, percebendo a alteração.

    — Obrigada. — Sua voz saiu áspera, mas sincera.
    O mago dos Vulkaris ergueu as mãos e conjurou um feitiço de restrição, tentando paralisar a criatura temporariamente. Símbolos de energia luminosa se acenderam no ar, formando um círculo ao redor da Sombra.

    A criatura nem hesitou.

    Com um gesto displicente, os selos místicos se desfizeram como tinta diluída em água.

    Mas o tempo que o mago nos deu foi o suficiente. Eu e Cass nos aproximamos, assumindo uma posição de flanco.

    Cass avançou primeiro.

    Ela estocou com precisão cirúrgica, mas a lâmina atravessou o corpo da Sombra sem qualquer efeito.

    A criatura era parcialmente incorpórea.

    Se não cobríssemos nossas armas com mana, não conseguiríamos feri-la.

    A Sombra reagiu instantaneamente, desferindo outro ataque. Cass bloqueou, crispando os dentes, sentindo o impacto reverberar por toda a lâmina. Quando tentou contra-atacar, a criatura já havia se afastado, transformando sua investida em um golpe vazio.

    Eu precisava de outra abordagem.

    Lembrei-me do meu raio disruptivo de miasma.

    Continuei atacando e me defendendo, enquanto minha mente dividida trabalhava nos cálculos rúnicos necessários para conjurar a magia. As runas dançavam em minha cabeça, reescrevendo-se, adaptando-se, procurando a melhor combinação possível.

    Então, a Sombra desapareceu diante de nós.
    Apareceu atrás do mago, que ainda tentava conjurar outro feitiço.

    Um golpe.

    A lâmina negra desceu em um arco rápido e limpo.

    O mago nem teve tempo de gritar antes de seu corpo se dividir em dois.

    Sangue e vísceras se espalharam pelo chão de pedra.

    Engoli em seco.

    Conjurei meu raio. A energia explodiu de minha palma em uma descarga violenta.

    A Sombra girou no último segundo, estendendo uma mão esquelética. Uma runa brilhante se formou diante dela, conjurando um escudo arcano.

    Meu ataque colidiu com a barreira, que tremeluziu, mas resistiu ao impacto.

    Cass aproveitou a abertura.

    Ela já estava em posição e desferiu um corte violento pelas costas da criatura. Dessa vez, sua lâmina brilhava, envolta em uma aura azulada. Ela havia coberto sua espada com mana.

    A lâmina rasgou a Sombra.

    A criatura gritou. O som não era humano. Era uma cacofonia distorcida, algo que não deveria existir neste mundo.

    — Tive uma ideia! — gritei para Cass.

    — Ande logo com isso, não vamos aguentar muito tempo!

    — Estou trabalhando nisso! Ataque no momento certo!

    Cass assentiu sem questionar.

    A luta continuou. Cada golpe da Sombra era interceptado por minhas esferas protetoras, mas cada impacto drenava ainda mais da minha mana. Eu estava chegando no limite.

    Minha mente trabalhava freneticamente, criando e reescrevendo runas em alta velocidade, ajustando a estrutura do feitiço.

    Cass continuava se movendo, atraindo os ataques da criatura. Mas eu sabia…

    Ela queria me atingir.

    A Sombra entendia que minha magia era o maior perigo.

    Parei abruptamente e disparei outro raio.

    A criatura reagiu no mesmo instante, conjurando um novo escudo, maior desta vez.

    Ele sabia.

    Sabia que meu ataque poderia matá-lo.

    — Agora, Cass!

    Ela disparou para frente.

    Segurava sua espada com ambas as mãos, e a lâmina agora brilhava intensamente — não apenas com a mana dela, mas com minha magia de disrupção de miasma, que eu havia transferido para ela.

    A Sombra não percebeu a armadilha.

    Seu escudo bloqueava meu ataque frontal, mas deixava as costas expostas.

    Cass mergulhou a lâmina no corpo da criatura.

    A Sombra tremeu.

    E, desta vez, não se reformou.

    O efeito foi catastrófico.

    A magia disruptiva se espalhou como um incêndio voraz, consumindo a essência sombria da criatura. O efeito em cadeia foi imediato, partes de seu corpo começaram a se dissolver, fragmentos de sombra se desintegrando no ar, como cinzas levadas pelo vento. A Sombra se contorceu, seus membros se desmanchando em trevas evanescentes, sua forma distorcida pela destruição inevitável. 

    Ela soltou um grito agudo e inumano, um som que reverberou pelo campo de batalha. 

    — Nããão… 

    E então, deixou de existir. 

    O silêncio caiu sobre nós. 

    Por um momento, o mundo pareceu imóvel. O cheiro metálico de sangue misturava-se ao odor enjoativo de mana dissipada. O ar estava denso, pesado, carregado da energia residual daquele combate desesperado. 

    Minhas pernas cederam, e eu caí de joelhos. 

    A mana em meu corpo havia se esgotado. Cada músculo pulsava com o esforço, minha visão turvava levemente. Senti o suor frio escorrendo pela têmpora. 

    Cassiopeia se aproximou, ainda ofegante. Seus olhos se moveram entre a lâmina dela, agora inerte, e eu. 

    — Muito bom, Lior — disse ela, a voz carregada de cansaço, mas também de algo mais… curiosidade, talvez? 

    Então, franziu a testa, cruzando os braços sobre a armadura suja de poeira e fuligem. 

    — Como fez isso? Seu nível não permitiria algo assim… 

    O olhar dela era afiado. Cass sabia que eu tinha feito algo além das minhas capacidades, que havia manipulado a mana de um jeito que não devia ser possível para mim. 

    Respirei fundo, tentando recuperar um pouco do fôlego. 

    — É porque trabalhamos bem em equipe — respondi, forçando um sorriso despreocupado. 

    Cass estreitou os olhos. 

    Ela não acreditou nem por um segundo. 

    Sem dizer nada, enfiou a mão em uma saliência da armadura e retirou um pequeno frasco de vidro azul. 

    — É de mana. Beba. 

    Não hesitei. Peguei a poção e engoli o líquido em um único gole. O calor familiar da mana se espalhou por meu corpo, restaurando parte de minha energia. 

    Cass observava, ainda com aquela expressão indecifrável, mas não questionou mais nada. 

    — Vamos. Temos que ajudar… Lady Isolde. Defender o mausoléu é muito mais importante do que você pensa. 

    Ela me lançou um olhar avaliativo, como se esperasse alguma reação minha ao nome. 

    Eu já sabia. Sempre soube. 

    Minha mãe estava ali. 

    Segurei firmemente minha espada e assenti. 

    Cass não perdeu tempo. 

    — Me siga. 

    Ela disparou pelo jardim destruído, saltando sobre entulhos e destroços, seguindo pelo caminho lateral da casa. Corri atrás dela, sentindo a pressão do combate recente pesar em meus músculos. O vento cortava minha pele, carregando o cheiro de morte e magia. 
     
    Descemos um pequeno declive e adentramos outra parte do bosque. As árvores projetavam sombras longas, balançando com a brisa inquieta da noite. Os galhos quebravam sob nossos pés, abafados pelo som distante de batalha. 

    Então, quando estávamos prestes a sair das árvores, ouvimos. 

    O clangor de espadas. 

    Os urros guturais de mortos-vivos. 

    A luta estava acontecendo bem à frente. 

    Saímos da mata correndo, e a visão que nos recebeu era um verdadeiro campo de massacre. 

    Uma horda de mortos-vivos avançava pelo terreno devastado. Errantes e outras  criaturas deformadas, que nunca tinha visto, seus corpos retorcidos pela necromancia, se lançavam contra a linha de defesa. 

    Dois colossos montados, esses cobertos de placas metálicas negras e macas gigantes, esmagavam guerreiros com golpes brutais, suas armas pesadas despedaçando armaduras e carne sem esforço. 

    E então, no centro da defesa, vi minha mãe. Dois Oficiais Manaclastes a defendiam.

    Lady Isolde estava de pé diante do mausoléu, seu rosto impassível, a roupa impecável manchada apenas com o sangue inimigo. Ela se movia como uma força inevitável, sua magia atingindo os errantes como se fossem meros insetos. 

    Três outros oficiais da Legião Manaclaste lutavam a frente dela, suas armaduras brilhando sob o luar, as lâminas encantadas traçando arcos letais contra os mortos. Basicamente eram o último bastião de defesa.

    No chão, o caos reinava. 

    Corpos estavam espalhados por toda parte, errantes, colossos abatidos, soldados dos Vulkaris e Manaclastes feridos ou mortos. 

    Observei rapidamente o campo de batalha. 

    Não vi um chefe. 

    A Sombra que enfrentamos anteriormente deveria ter sido o líder dessa investida. 

    Um sorriso se formou em meus lábios. 

    — Hora de limpar a bagunça. 

    Concentrei minha mana restante e comecei a conjurar minha explosão de fogo.

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