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    A pequena esfera de fogo saiu da minha palma aberta, cortando o ar em um traço incandescente. Em um instante, atingiu o centro da horda e explodiu com uma fúria avassaladora. O calor abrasador investiu contra meu rosto, arrancando lágrimas involuntárias dos meus olhos. 

    Por um instante, tentei imaginar o que minha mãe e os soldados pensariam ao ver aquilo. 

    O fogo cresceu sem barreiras, se expandindo como uma onda viva de destruição, mas parou no limite onde a luta ainda acontecia. Controlar tamanha potência me causou uma fisgada mental, como se algo dentro do meu núcleo de mana se esticasse além do que deveria. 

    Os errantes foram consumidos instantaneamente, reduzidos a cinzas num piscar de olhos. Os colossos, envoltos em suas pesadas armaduras, começaram a derreter como velas expostas a uma fornalha. Seus cavaleiros tentaram resistir, envolvendo-se em miasma, tentando sufocar as chamas com sua magia profana, mas foi inútil. O fogo era inclemente, alimentado por algo mais profundo do que mana comum. Até o chão, que antes era terra batida e úmida, agora brilhava em tons avermelhados, como se tivesse sido marcado para sempre pelo calor infernal. 

    E então, tudo terminou. 

    Apenas cinzas e corpos contorcidos permaneceram. 

    Cassiopeia me olhava com os olhos arregalados. 

    Ela já tinha visto meu fogo antes, mas, ocupada com sua própria luta, nunca o testemunhara em toda sua magnitude. Agora, sem distrações, ela percebia a verdade: aquilo não era normal. A força das chamas e o controle necessário para manipulá-las consumiam uma quantidade absurda de mana, algo que, teoricamente, eu não deveria ser capaz de suportar. 

    Eu mesmo não sabia dizer a que círculo pertencia esse poder. 

    Meu núcleo de mana não era o mesmo desde Mahteal. Algo nele havia sido alterado de forma irreversível, e nem eu conhecia os limites disso. Teria que dedicar tempo à meditação, buscar respostas nos fragmentos de conhecimento que Mahteal deixara em minha mente. 

    Cass deu um passo à frente, ainda me observando como se visse alguém completamente diferente. 

    — Isso foi… incrível — murmurou, a voz carregada de incredulidade. — Muito acima do seu nível… 

    Então, sua expressão mudou, e ela franziu o cenho. 

    — Espere aí… não sei dizer que nível você está! Não consigo sentir seus círculos! O que você fez? Até ontem, era um fracote… 

    Olhei para ela, sentindo uma pontada incômoda no peito. 

    Eu já sabia o que ela pensava de mim. 

    Para ela e os outros jovens prodígios da nossa geração, eu era apenas uma piada. 

    Sortudo, talvez. Mas ainda assim, uma piada. 

    Forçei um meio sorriso e menti com naturalidade. 

    — Aprendi a esconder meu poder. 

    Cassiopeia me lançou um olhar desconfiado. Ela não acreditou, mas antes que pudesse continuar, ouvimos passos se aproximando. 

    As Manaclastes sobreviventes e minha mãe avançaram até nós. 

    Lady Isolde caminhava à frente, a postura ereta, seu rosto carregando surpresa, perplexidade e fuligem. Ela havia visto. Havia sentido. 

    — Fi… — Ela parou por um segundo, reformulando sua frase. — Lior Aníbal, obrigado pela ajuda. 

    Seu tom era formal, mas eu percebia a nota subjacente de interesse. 

    — Lady Isolde, não foi nada. Precisava vir aqui, mas não imaginava que a situação estivesse tão perigosa. 

    Ela cruzou os braços, avaliando-me. 

    — Demonstração incrível de poder, rapaz. Evoluiu muito nesse tempo. 

    Cocei a cabeça, sentindo um raro momento de vergonha. 

    O elogio vindo dela significava algo. 

    Uma maga de sexto círculo não distribuía palavras vazias. 

    Cass, no entanto, não estava disposta a deixar o assunto morrer. 

    — Ele está escondendo alguma coisa — disse ela, voltando-se para nossa mãe. — É impossível ele ter tanto poder e mana disponível assim! 

    Isolde observou a filha por um instante, depois voltou-se para mim. 

    — Deixe-o com seus segredos, Cassiopeia. Ele nos ajudou muito, e isso é o que importa. 

    Havia um peso em sua voz, uma certeza inquestionável. 

    — Nunca senti animosidade nele, filha — continuou. — Já lhe disse que tenho meus motivos para confiar em Lior. 

    Cass olhou para o chão e bufou, murmurando: 

    — Mas ele me humilhou no jantar, mamãe… 

    Isolde suspirou, como se aquele fosse o menor de seus problemas no momento.

    — Tenho certeza de que ele se arrependeu disso, não é, Lior?

    Endireitei-me e assenti. 

    — Sim, com certeza, Lady Cassiopeia. Saiba que tive meus motivos, e eram para ajudar você. 

    Cass ergueu uma sobrancelha. 

    — Me ajudar…? 

    Antes que ela pudesse continuar, Isolde ergueu a mão, interrompendo a conversa. 

    — Isso não vai se resolver agora. Temos coisas mais importantes para discutir. 

    Ela se virou para mim, sua expressão séria. 

    — Você disse que já pretendia nos visitar. O que sabe sobre o que está acontecendo? 

    Respirei fundo e olhei para as duas. 

    Não era o momento para mais segredos. 

    — Certo. O que posso dizer é que nossa situação é muito mais precária do que parece. Isso não é uma simples invasão. 

    Os olhos de Isolde estreitaram-se levemente. 

    — Explique. 
     
    Aproximei-me do mausoléu, passando a mão pela superfície da pedra antiga. Sua estrutura ainda estava intacta, mas eu sentia as camadas de magia correndo sob minha pele. Proteções poderosas, vestígios de um tempo esquecido. 

    Então, encontrei o que procurava. 

    A runa oculta.

    Ela brilhava fracamente sob meu toque, pulsando com a energia que mantinha a névoa afastada. 

    — Esses mausoléus estão espalhados pela capital — expliquei, voltando-me para elas. — São eles que impedem a névoa de avançar terra adentro, como acontece com as ilhas mais distantes. 

    Toquei a runa novamente, sentindo sua resposta. 

    — Os mortos não estão atacando ao acaso. Eles estão se reunindo para destruir um ponto específico. 

    Encarei minha mãe e minha irmã. 

    — Se conseguirem, estamos todos condenados. 

    O silêncio que se seguiu foi denso. 

    Isolde manteve sua expressão neutra por alguns segundos, absorvendo a informação. Então, assentiu. 

    — Vou reunir os guerreiros restantes na propriedade e vamos ajudar, Lior. Conte com os Vulkaris. 

    Cassiopeia arregalou os olhos. 

    — Mas mãe… 

    — Está decidido, Cassiopeia. Vamos ajudar. 

    Cass bufou e cruzou os braços, mas não discutiu. 

    Eu sabia que ainda haveria perguntas. 

    Mas, por agora, tínhamos uma guerra para lutar.

    Olhei para ambas, sentindo o peso da urgência no ar. Não podíamos perder tempo. 

    — Se me permitem, irei conjurar uma magia para ligar nossas mentes. — Minha voz soou firme, sem espaço para hesitação. — Não terei acesso aos seus pensamentos, nem vocês aos meus, mas poderemos nos comunicar instantaneamente. 

    As duas me encararam. 

    Vi dúvidas e perguntas não ditas no olhar de Cassiopeia, e um resquício de cautela no de minha mãe. No entanto, ambas assentiram. 

    Fechei os olhos por um instante, canalizando a energia necessária. Era uma magia sutil, sem explosões ou sinais visíveis, mas senti a conexão se formando no instante em que terminei. 

    “Estão me ouvindo?”

    A resposta veio imediatamente. 

    Cassiopeia abriu os olhos, assustada, levando a mão à cabeça como se sentisse algo físico. 

    Minha mãe, mais composta, apenas respondeu com a mente, a voz soando clara e inabalável: 

    “Alto e claro, Lior.” 

    Em seguida, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. 

    — Ótimo. — Assenti, satisfeito. — Vou voltar para o front. Espero vocês ansioso. Tenho que acompanhar os movimentos deles. 

    Minha mãe hesitou por um instante antes de murmurar: 

    — Boa sorte, fi… Lior. 

    Por um segundo, senti um aperto no peito. 

    Eu queria abraçá-la. 

    Queria dizer a ela que tinha sentido sua falta, que me arrependia do tempo perdido. 

    Mas havia muitos olhos sobre nós, e Cassiopeia estava ao nosso lado, observando tudo com uma expressão indecifrável. 

    Então, simplesmente me virei e saí. 

    Ainda havia muito a ser feito. 

    E antes que pudesse me concentrar completamente na batalha, havia outra pessoa com quem eu precisava falar. 

    Alana.

    Ela tinha muitas coisas para me responder. 

    Principalmente sobre essa história absurda de eu ser o pai dela.

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