Índice de Capítulo

    Eu estava começando a notar um padrão.
     
    Primeiro Selune. Eu não sabia bem o que estava fazendo quando me deixei envolver pelo miasma. O Avatar do Vazio me enganou, e, por minha imprudência, coloquei Selune e a vida do filho que ela carregava em risco. O peso do desconhecimento me corroía por dentro, muito mais do que eu demonstrava. Era um fardo invisível, apertando meu peito a cada batida do coração.
     
    Depois veio a invasão dos Necros. As pistas sempre estiveram lá, discretas, fragmentadas, esperando para serem conectadas. Mas eu falhei em enxergá-las a tempo. Fui lento, distraído, cego pela minha própria arrogância. Achei que poderia lidar com tudo sozinho, que bastava minha astúcia para manter o controle da situação. 
     
    Minha obsessão em esconder meus segredos me fez reter informações que poderiam ter feito a diferença. Não confiei nos outros. Não dividi o que sabia por medo de ser julgado. E, por causa disso, o preço foi alto. Incontáveis vidas ceifadas. Famílias destroçadas. A cidade arrasada. Eu queria acreditar que Annabela era a única culpada, mas a verdade me assombrava: sua crueldade abriu as portas para a tragédia, mas minha negligência as manteve escancaradas. E isso, por mais que eu tentasse negar, também estava em minhas mãos.
     
    E agora Claire. Aprisionada porque eu escolhi o caminho mais fácil com Dante, sem me preocupar com as consequências. Por mais que justificasse minhas ações, o fato era que ela pagava um preço que não era dela. Nunca soube o que fiz com ele, nunca teve escolha, e agora era julgada como se fosse culpada. Isso era minha responsabilidade. Minha e de mais ninguém.
     
    A angústia se espalhava pelo meu corpo como veneno. Eu poderia ter evitado tudo isso? Talvez. Mas não havia mais espaço para lamentação vazia. Precisava aprender com meus erros e evitar novos. Cada decisão errada que tomava tinha consequências para aqueles ao meu redor. Pessoas inocentes sofriam por minha causa. Pessoas como Selune, Claire… ou mesmo Pandora. Se eu não tivesse salvado Pandora, ela também teria sido mais uma vítima da minha insensatez.
     
    Meus amigos também sofreram.
     
    Gérard perdeu um braço.
     
    Joaquim perdeu Joana. Sua morte pesava fundo na minha consciência.
     
    Aiden perdeu Victor. Mais um que morreu apenas por me seguir.
     
    Era um padrão… quem me seguia sofria. E eu me perguntava, com medo da resposta: quantos mais iriam pagar pelo que eu fazia? Quantos mais teriam suas vidas despedaçadas pelo caminho que eu trilhava?
     
    Uma presença calorosa me puxou para fora desses pensamentos. Um par de braços delicados me envolveu com firmeza. Um perfume suave e adocicado me trouxe de volta ao presente. Nix.
     
    — Senti que você precisava de um abraço — disse ela, baixinho, como se temesse quebrar alguma coisa dentro de mim.
     
    A muralha que eu havia erguido desde o início da invasão desmoronou. Meus nervos cederam sob o peso da culpa e do cansaço, e as lágrimas vieram sem controle. Pesadas, silenciosas no início, depois violentas, acompanhadas de soluços que estremeciam meu corpo. Nix se assustou, mas não me soltou.
     
    — Calma, Lior… calma… — ela murmurou, alisando meus cabelos.
     
    — É tudo minha culpa, Nix. Joana, Victor… se não fosse por mim, todos estariam vivos. Selune também… A culpa é minha… tudo isso… — minha voz falhava a cada palavra. — Até você está em perigo por estar do meu lado. Saia enquanto é tempo.
     
    Ela me virou para encarar, segurando meu rosto com ambas as mãos. Seu toque era firme, mas ao mesmo tempo terno, como se quisesse me ancorar à realidade. Seus olhos dourados brilharam, cheios de determinação e calor, como chamas que jamais se apagariam. 
     
    — Eu não vou a lugar nenhum — disse ela, sua voz carregada de força, mas com a suavidade de quem compreende a dor do outro. — Começamos essa jornada juntos, e eu vou terminá-la ao seu lado. 
     
    — Você se lembra de quem me salvou? Eu praticamente morri na masmorra de Drael. Sem esperança, sem futuro. Mas você me trouxe de volta. Você me deu uma segunda chance. 
     
    Os dedos dela apertaram levemente minha pele, como se quisesse gravar aquelas palavras dentro de mim. 
     
    — Você salvou minha vida, Lior. E eu não vou abandoná-lo. Sou sua companheira para sempre. 
     
    Seus olhos estavam fixos nos meus, como se desafiassem qualquer argumento que eu tentasse usar. E ali, naquele instante, eu soube que ela falava a verdade.
     
    Os olhos dela eram como um porto seguro em meio à tempestade dentro de mim. Encontrei ali a força que precisava.
     
    Eu não podia mudar o passado, mas podia lutar pelo futuro.
     
    Respirei fundo, limpando o rosto.
     
    — Obrigado, Nix.
     
    Ela sorriu, passando os dedos de leve pelos fios do meu cabelo.
     
    — Você não precisa carregar o mundo sozinho.
     
    Antes que eu pudesse responder, uma voz ecoou em minha mente. Um chamado mental. O calor do momento se dissipou quando reconheci a origem.
     
    Era Lady Isolde.
     
    Minha mãe.
     
    “Filho, estamos saindo da propriedade. Onde vocês estão?” 
     
    A voz de minha mãe ecoou pela ligação mental, firme como sempre, mas carregada com um tom de urgência. 
     
    Respondi de imediato: “Estamos na torre de vigia, próxima à passagem para o Palácio. O caminho por trás do Bosque está limpo, livre de criaturas. Vocês podem atravessar sem resistência. Quantas pessoas conseguiu juntar mãe?”
     
    Havia um peso naquelas palavras, como sua resposta carregasse o peso da nossa próxima decisão. 
     
    “Além de mim e de sua irmã, tenho comigo doze Manaclastes, Viktor, Althéa, dois magos, uma quinzena de guerreiros e dois curandeiros.” 
     
    Senti uma descarga de adrenalina. Era uma força considerável, principalmente se conseguissem se unir de forma adequada aos gladiadores do Matadouro. Ainda era pouco diante da escala da ameaça que enfrentávamos, mas a maré começava a virar. Talvez nossa situação não fosse tão desesperadora quanto eu imaginara. 
     
    Nix notou meu sorriso e arqueou uma sobrancelha. 
     
    — O que foi? 
     
    — Minha mãe está a caminho com uma força respeitável. Nossa luta não é tão impossível quanto parecia. 
     
    Ela sorriu para mim, um brilho de esperança em seus olhos dourados. 
     
    “Estamos esperando vocês”, enviei a mensagem para minha mãe. 
     
    No meio do desespero, eu havia me esquecido de que tinha ido buscar a ajuda de minha verdadeira família, os Vulkaris. Sempre carreguei o fardo de meus segredos sozinho. Mas talvez fosse a hora de acabar com isso. Minha mãe e Cassiopeia mereciam saber tudo, Cass, principalmente.
     
    Antes que pudesse digerir a informação da chegada dos Vulkaris, outra conexão mental se abriu. Joaquim. 
     
    “Lior, estou com André e os pais dele. Estão bem, apesar de terem sido um alvo dos Necros. Foram atacados por uma horda de errantes e um colosso montado, acredita?” 
     
    Soltei um longo suspiro. O ataque a eles significava que o inimigo sabia quem deveria atacar para minar a força dos jovens nobres. 
     
    “Como eles escaparam?”, perguntei, já esperando pelo pior. 
     
    Joaquim respondeu sem hesitar: “Parte da equipe Javali estava lá, jantando na mansão. Alissande, Celina, James, Valéria, Yorg e Sabrina. Lutaram juntos para defender o local. Yorg e Celina se feriram, estão fora de combate, mas sem risco de morte. Os outros estão bem… e dispostos a ajudar. Principalmente depois que expliquei sobre os mausoléus. Eles entenderam a gravidade da situação.” 
     
    Fechei os olhos por um instante, absorvendo a informação. Um reforço inesperado, mas valioso. O grupo Javali não apenas acrescentaria força ao combate, mas também teria um peso enorme na guerra de reputação que viria depois. 
     
    E, no fundo, após a informação que Hass trouxe sobre Valis e Elizabeth, algo dentro de mim sussurrava que essa luta não seria tão desesperadora quanto parecia. Eu ainda não sabia os detalhes, mas era parte do plano de Naksa e Annabela que os Necros perdessem. Como, eu ainda não sabia.
     
    E eu pretendia tirar proveito disso.

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