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    — Mas não se preocupem com ele. — Minha voz era firme, inabalável. — Ele é meu.

    Todos me olharam. Alguns me tomavam por louco ou arrogante. Como um fedelho de dezenove anos poderia fazer essa afirmação? Mas isso não me afetou. Eu não precisava da confirmação ou da aceitação deles. Isso era outra mudança na minha maneira de pensar.

    Senti a mudança antes de vê-la. Era como se a terra tivesse pulsado, respondendo a um chamado invisível. O ritual de Valis havia começado.

    Um sorriso surgiu em meu rosto ao olhar para os comandantes.

    — Está começando…

    Assim que as palavras deixaram meus lábios, uma luz azulada rasgou o céu sobre as tropas imperiais. O brilho intenso atravessava a noite como uma chama celestial, projetando sombras alongadas sobre os becos e muros do castelo.

    — Interessante… — murmurei, observando a energia pulsante. — Teria escolhido outra abordagem… mas é interessante.

    Cass me encarava de boca aberta. Para ela, seu irmão — tão diferente na aparência — era agora outra pessoa, uma entidade estranha que ela não reconhecia. Nix, por outro lado, apenas sorriu.

    Virei-me e caminhei para dentro do pátio, onde os soldados se reuniam, observando o céu com expressões carregadas de apreensão. Foi quando avistei Alana, ao lado de Joaquim e Pandora.

    Aproximei-me deles com passadas firmes.

    — Minha filha. — Minhas palavras saíram sem sarcasmo, carregadas de um significado que antes eu relutava em aceitar. — Venha cá.

    Alana me olhou, surpresa. As lágrimas brotaram no canto de seus olhos. Eu a reconhecia pelo que ela era. Nunca a vi como um experimento e sim como uma pessoa, mas agora, ela era uma parte de mim.

    Ela se levantou, ajeitou a roupa e caminhou na minha direção, hesitante, como se estivesse conhecendo-me pela primeira vez.

    — Papai…

    Ergui a mão e reuni um pouco da mana ambiente. Com o indicador, desenhei no ar sobre sua cabeça um símbolo de proteção. Enquanto isso, olhei para Pandora e Joaquim.

    — Preparem-se. A batalha vai começar. Eles vão reduzir a força dos Necros, mas será menos eficaz do que imaginam.

    Ambos me observaram, incrédulos, principalmente Pandora, que passara tanto tempo ao meu lado. Entre todos, exceto Selune e Nix, ela era quem mais me conhecia.

    O símbolo que desenhei no ar brilhou, ganhando tons de verde e azul antes de se fixar sobre Alana.

    — Essa marca vai te proteger da magia deles. — Apontei para o céu, onde o ritual de Valis continuava a crescer em intensidade. — Eles vão queimar o miasma no ambiente. Isso impedirá que os mortos recarreguem seus poderes. Mas para você… pode ser perigoso. Agora está protegida.

    Abaixei-me e beijei sua testa. Naquele momento, ela não era apenas um vínculo de conveniência. Ela era minha filha.

    — Preciso ajudar vocês. — Meu olhar varreu os soldados ao redor. — Ajudar de verdade.

    Ergui os braços e me lancei ao ar, voando acima das cabeças dos guerreiros. Concentrei-me na mana ao redor. Não poderia consumir meus próprios recursos. A luta contra o lich seria brutal.

    Juntei as mãos. A mana se condensou entre elas, um brilho primeiro azul, depois branco. Trinquei os dentes, puxando mais e mais energia. A força acumulada era superior às minhas próprias reservas.

    Infundi minha vontade na energia, alterando sua essência. O brilho adquiriu um tom esverdeado.

    Foi quando senti. O lich, antes indiferente à nossa posição, agora pairava no ar, os olhos mortos fixos em mim.

    Abri as mãos em um gesto espalhafatoso. Era hora de me mostrar, para ele e para todos que seriam testemunhas dos meus feitos.

    A energia explodiu para fora, espalhando-se como um manto sobre os guerreiros. Pandora, Alana, Nix, Cassiopeia, Joaquim e os outros me olhavam, surpresos, seus corpos agora cobertos por um brilho esverdeado discreto.

    — Não se exponham e lutem com seriedade. — Minha voz ecoou sobre os ventos da noite. — Será perigoso. Muito perigoso.

    Olhei para baixo, encontrando Nix.

    — Principalmente você, meu amor.

    Então, alcei voo ainda mais alto, pairando sobre a linha de frente dos Necros. Eram incontáveis. Somando meus guerreiros e o exército imperial, mal chegávamos a três mil. Do outro lado, cem mil mortos nos encaravam. A diferença era avassaladora.

    O lich acompanhava meu movimento, mas nada podia fazer. Não naquele momento. O ritual de Valis estava se aproximando de sua apoteose.

    Ele ergueu as mãos, e do chão ergueram-se dois espigões retorcidos de terra, cada um com cerca de vinte metros de altura, encimados por pedras negras de mana bruta corrompida.

    O miasma negro desprendia-se delas, girando sob seu comando. Em segundos, formou-se uma barreira cristalizada ao redor do núcleo de seu exército. Os mais fracos e mais numerosos, os errantes, ficaram de fora. Mas dentro da cúpula protegida estavam os Colossos, seus condutores e outras abominações.

    De repente, sobre os soldados imperiais, o céu se iluminou em um azul intenso. O dia pareceu ter chegado antes do amanhecer.

    A luz explodiu.

    O ar, impregnado de miasma, incendiou-se como uma esteira de pólvora. O fogo correu pelo campo de batalha, consumindo as criaturas espectrais.

    Eu, na borda do exército de mortos, senti o calor escaldante. Minha barreira tremeluziu, absorvendo as chamas.

    Sorri.

    Era exatamente como eu havia previsto.
     
    As chamas se espalharam por becos e ruas da cidade, queimando onde o miasma se acumulava. Por sorte, a maior concentração estava de frente ao palácio, reduzindo o estrago nas áreas civis.

    Tão rápido quanto surgira, o fogo se extinguiu.
     
    A barreira mágica dos soldados caiu. O som de gritos de guerra explodiu pelo ar.

    O exército humano avançava. Os errantes estavam dizimados.

    Apenas os que estavam sob a cúpula negra cristalizada permaneciam, eram poucos em relação aos números anteriores, mas poderosos, e mesmo em desvantagem, causariam muitas baixas.

    E eu sabia que, agora, a verdadeira batalha começava.

    A proteção cristalizada rachou com um estalo agudo, como vidro se partindo sob pressão. Fragmentos começaram a cair, mas o lich gesticulou com um movimento preciso, e os estilhaços se desfizeram em miasma antes de tocarem o chão.

    Ele girou no ar, ameaçando avançar diretamente sobre as tropas imperiais. Imediatamente, lancei-me em seu caminho, voando com toda velocidade.

    — Sua luta é comigo! — gritei, a voz cortando o vento.

    O lich ergueu seu cajado. Uma dúzia de esferas brilhantes, densas de energia necromântica, surgiu ao seu redor. Com um gesto seco, ele as lançou contra mim como um enxame.

    Ao mesmo tempo, ele disparou em direção aos soldados.

    Transmutei rapidamente as esferas que vinham na minha direção. A vontade do lich era poderosa, sua essência impregnava cada ataque, mas consegui devolver a maior parte delas à forma de mana pura. Algumas escaparam, ziguezagueando para o solo, onde explodiram em clarões sombrios. Felizmente, caíram em áreas já devastadas pelo ritual de Valis.

    Absorvi parte da mana transmutada e disparei um raio direto contra o lich, tentando interceptá-lo antes que chegasse às linhas de frente.

    Ele desviou com agilidade sobrenatural e se voltou para mim, os olhos brilhando de ódio.

    — Você! De novo! — rugiu ele, voando direto na minha direção.

    Enquanto eu o mantinha afastado da linha de frente, via os soldados imperiais enfileirados, escudos erguidos, formando uma muralha ordenada. Os Colossos montados colidiam contra eles com força brutal. Os que estavam no centro, maiores, envoltos em armaduras de metal negro e brandindo clavas imensas, rompiam a formação humana como moedores de carne. Engoli em seco. A luta seria cruel.

    Atrás de mim, vi meus guerreiros avançando. Atacavam num ângulo oblíquo, cortando as fileiras dos mortos. À frente, as Manaclastes lideravam o ataque, lado a lado com nossos combatentes mais poderosos. Magos e atiradores forneciam cobertura, feitiços e disparos rompendo a coesão do inimigo.

    Nosso avanço aliviava a pressão sobre os imperiais. A linha deles começava a se recompor.

    Eu e o lich flutuávamos acima do caos. Ele me fitava com atenção, as órbitas vazias brilhando num vermelho sinistro.

    Então, seus dedos esqueléticos se esticaram em minha direção. Antes que me atingisse, senti seu miasma — os circuitos mentais, as runas que se formavam. Ele tentava dominar minha mente.

    Soltei uma risada involuntária.

    Desativei cada runa à medida que surgia. Quando me cansei de brincar, transmutei seu miasma em mana pura. Necros não podem manipulá-la — e o resultado foi uma retroalimentação explosiva.

    Um brilho azul irrompeu de dentro de seu crânio e detonou com violência.

    O lich despencou alguns metros, antes de recuperar o equilíbrio no ar.

    — Você… — sua voz reverberou. — Antes, eu tinha dúvidas. Agora tenho certeza.

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