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    Naquela manhã, minhas pedras de ancoragem para Thallanor finalmente chegaram. O estalajadeiro as recebeu de um entregador mais cedo. Quando as mostrei, Selune murmurou:

    — Que bom que eu tenho as minhas…

    Após o desjejum, Nix e Karlom saíram para treinar. Eu os seguia, mas Selune me chamou ao quarto. Parecia ter algo a dizer sobre tudo o que lhe confessei.

    — Em primeiro lugar, preciso dizer que você me enganou, jovem mestre — falou, tocando levemente a marca de escrava na testa. Um sorriso gelado atravessou seu rosto. — Então, pelo que entendi, o fato de você poder usar tanto mana quanto miasma é um “acidente” que nem você consegue explicar? É isso mesmo?

    Minha mente congelou com a acusação, e comecei a balbuciar sons desconexos. Eu não imaginava que essa seria a nossa conversa. Então minha sombra se manifestou: “Responda que não é bem assim. Diga que herdou alguns conhecimentos, mas que ainda não se sente seguro para revelar tudo. Tente isso.”

    Repeti as palavras de forma automática, como se ele estivesse falando por mim. Selune me observava com um olhar intrigado, ciente de que algo estava fora do normal.

    — Então prove que não me enganou.

    Minha mente girava com dúvidas. Minha sombra matraqueava sem parar, me confundindo ainda mais. Fechei os olhos, tentando organizar os pensamentos. Senti que ela acharia que eu buscava recuperar alguma memória. No meio do desespero, minha sombra sugeriu que tinha um plano, e, sem opções melhores, deixei que ele me guiasse. Quando abri os olhos, Selune estava a milímetros de mim, seu olhar fixo no meu. Eu podia sentir a doçura de sua respiração.

    — Caramba, você vai me matar assim — falei sorrindo, tentando me recompor.

    — Não posso matar você, jovem mestre. Sou sua escrava…

    Engoli em seco. Mesmo sem poder me ferir fisicamente, eu sabia que Selune tinha em sua cabeça, naquele momento, centenas de maneiras de tornar minha vida um inferno se eu não a convencesse.

    Guiado pela minha sombra, posicionei-me atrás da elfa, pedi que ela desnudasse as costas e apoiei minhas mãos ali. Respirei fundo, tentando sentir seu núcleo de mana. Pedi permissão para entrar.

    De repente, me vi num lugar escuro, imerso em uma água fétida e viscosa até os joelhos. Acima de mim, flutuava uma projeção de Selune, me observando com curiosidade.

    — Pois bem, me convença de que você pode me ajudar a recuperar minha mana.

    Minha sombra, falando por mim, respondeu:

    — Vou fazer algo ainda melhor, mas é perigoso. Tem certeza de que deseja tentar? Pode não dar em nada.

    — Vou tentar. Já vivo uma meia-vida sem minha magia.

    — Então ouça com atenção. Conceda-me autoridade sobre seu oceano de mana, sem restrições — confiando em mim, ela assentiu. — Prepare-se. Pode ser doloroso.

    Minha sombra, usando minha forma, começou a esculpir no éter ao redor com uma espada de mana, cortando linhas invisíveis no ar. Selune crispou os lábios, empalidecendo. Depois do que pareceram longos minutos, um grande círculo mágico brilhava ao nosso redor. Meu corpo foi atraído ao centro, absorvendo o miasma no oceano de Selune como uma esponja. Em resposta, comecei a exalar mana, pura e cristalina, que se condensava até formar uma joia azulada, do tamanho de uma carruagem.

    — Agora vem a parte difícil… — murmurou minha sombra. — Ainda há tempo de desistir; isso pode deixá-la aleijada.

    Selune parecia em choque, mas ao mesmo tempo fascinada. Toda habilidade mágica e conhecimento que minha sombra demonstrara até aquele momento era mais do que eu poderia sonhar. Sentia que ela, como eu, estava deslumbrada e tinha muitas perguntas a fazer. Mas Selune apenas gargalhou:

    — Com o nível de conhecimento que você me mostrou, tenho pouco a temer.

    — Não é bem assim… na primeira vez foi sem querer, se você quer saber. Mas se está realmente disposta, encoste a mão na joia ao centro, feche os olhos e siga minha voz. Obedeça a cada comando.

    Selune flutuou até a joia, fechou os olhos e assentiu.

    — Lembre-se da elfa que você era antes da corrupção da sua mana. Visualize essa garota — instruí. — Veja-a em sua mente. Veja-a ao seu lado. Circule sua mana e infunda essa imagem com poder… isso, mais um pouco…

    Dentro da joia, comecei a ver a figura de uma elfa jovem, com pele clara e cabelos azulados. Vestia-se como uma princesa, com babados e fru-frus, mas a semelhança com Selune era inconfundível. O oceano negro abaixo borbulhava furiosamente; gotas de miasma batiam nas paredes da joia, que o absorvia e transformava em mana puro, preenchendo-se lentamente. A figura da jovem elfa tornou-se mais sólida.

    — Pare — disse minha sombra. — Pode abrir os olhos agora.

    Selune se engasgou ao ver a sua própria figura presa dentro da joia. Ela balbuciou, em choque:

    — Como?… O que é isso?

    Senti minha sombra envolver meu corpo, e metade de mim tornou-se negra e sombria. Ela encarava sua projeção aprisionada na joia enquanto olhava para mim, estarrecida.

    Minha sombra falou:

    — É uma solução temporária, e perigosa. Dividir sua consciência pode provocar sérios problemas… incluindo a loucura. Mas, já que eu também estou usando uma solução semelhante, acho que não tenho muito do que reclamar, não é?

    Voltamos à realidade. Selune se recostava em mim, sentindo o peso da experiência. Seu corpo estava molhado de suor e tremia, instintivamente a abracei forte. Ela circulou o mana dentro de si e percebeu algo novo: uma gota de mana puro em seu núcleo, a projeção da jovem elfa lutando para purificar o miasma. Era cansativo e ineficiente, mas era mana puro.

    Grossas lágrimas rolaram pelos olhos de Selune. Ela se voltou para mim, encostou sua testa na minha e murmurou:

    — Obrigada… Serei para sempre sua, você tem minha eterna gratidão.

    Pela primeira vez, Selune me olhou com um afeto genuíno, o que me pegou completamente desprevenido. Então, com um sorriso cansado, acrescentou:

    — Você ainda tem respostas a me dar, rapazinho… mas não agora. Preciso de um tempo para assimilar tudo isso. — Ela respirou fundo, recuperando o controle. — Agora vá. Antes que sua raposinha comece a se perguntar onde você se meteu. Eu… preciso me recuperar.

    Assenti, ainda processando a intensidade da experiência. Enquanto eu deixava o quarto, tive a sensação de que algo havia mudado entre nós. Mesmo que Selune continuasse sendo a figura perspicaz e sagaz de sempre, talvez agora ela também tivesse encontrado, em meio à escuridão, uma fagulha de esperança.

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