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    Saí do Palácio ainda atordoado, como se tivesse atravessado uma tempestade sem perceber. O ar da tarde parecia mais denso, pesado, como se compartilhasse do meu torpor.

    Tudo caminhava bem, ou pelo menos dentro do caos controlado que eu pensava administrar. Mas bastou uma reunião, um conjunto de palavras bem colocadas, e agora, em três meses, eu estaria casado. Com Claire.
     
    Era difícil de absorver. A decisão tinha sido tomada com a frieza de um cálculo matemático, onde meu desejo parecia ser apenas uma variável descartável, sem a menor importância.

    Pensando com mais clareza, percebi esse movimento não era tão ruim: era um golpe direto contra as pretensões de Annabela e do Imperador Juliani.

    Querendo ou não, ao me unir a Claire, uma Umbrani legítima, eu me colocava perigosamente próximo da linha de sucessão ao trono. Isso me dava poder. Mas a que custo? Eu não queria brincar com os sentimentos de Claire ou de Nix.
     
    Mas era isso que eu queria? Poder? Uma chance de herdar o trono?

    A verdade é que não. Preferia mil vezes que Pandora assumisse esse fardo. Ela nascera para ele, e era a herdeira natural. Eu só queria poder decidir meu caminho com liberdade, com escolhas. Meu inimigo verdadeiro estava longe da corte, no meio da névoa,

    Selune e meu futuro filho também.

    Mas essa era uma preocupação para outro momento. Um problema para o Lior do futuro.
     
    Agora, caminhava de volta à mansão de Jorjen. Claire vinha atrás de mim, a cerca de um metro de distância, o som leve de seus passos ecoando atrás dos meus. Não dizia nada, e sequer ousava me olhar. Sua presença era como uma sombra silenciosa, carregada de expectativa e receio.
     
    Parei na entrada da alameda que levava ao portão principal e a chamei, sem me virar:
     
    — Claire.
     
    Ela parou também.
     
    — Venha aqui — pedi, suavizando a voz.
     
    Ela se aproximou devagar, hesitante, como se cada passo fosse uma aposta. Quando ficou ao meu lado, continuou de cabeça baixa, os olhos fixos nas próprias botas. Seu nervosismo era palpável.
     
    — Você está de acordo com isso? — perguntei, olhando para ela. — Com esse casamento? Quero que me responda com sinceridade. Preciso da sua verdade para decidir o que fazer.
     
    Ela levantou os olhos, devagar, como se aquele gesto exigisse uma coragem imensa. Seu rosto corou de imediato, mas ela manteve o olhar preso ao meu.
     
    — Você sabe como me sinto… — murmurou. — Gosto de você desde o dia em que nos conhecemos. Desde aquela primeira dança. Você foi gentil, paciente… e eu nunca esqueci.
     
    Eu fiquei em silêncio. Sabia que ela nutria carinho por mim, é claro. Mas não compreendia, até aquele momento, a profundidade daquilo. O que para mim fora um gesto cortês, para ela se tornara uma lembrança mágica. Um marco.
     
    — Então… — comecei, com cautela — você não é contra nos casarmos?
     
    Ela hesitou antes de responder, mas sua voz saiu firme, mesmo que baixa:
     
    — Eu não quero te forçar a nada, Lior. Nem quero ferir a Nix ou a Selune. Nix é como uma irmã pra mim… e Selune… — ela hesitou. — Onde está Selune?
     
    Suspirei e desviei o olhar.
     
    — Isso é um assunto para depois. Só posso te dizer que, por enquanto, não precisa se preocupar com Selune. E quanto a Nix… ela também te vê como uma irmã.
     
    Claire esboçou um sorriso nervoso, a tensão recuando um pouco. Riu de leve, como quem tenta aliviar o peso da situação. Seguimos o restante do caminho em silêncio.
     
    Quando chegamos à mansão, percebi que os serviçais ainda não haviam retornado. O ambiente estava mais calmo, íntimo. Entramos pela porta lateral, que dava acesso à cozinha, e ali encontramos Nix, Niana e Alana sentadas ao redor da grande mesa de madeira, conversando com Anne e a cozinheira. Um cheiro quente de carne de porco assada pairava no ar.
     
    Assim que entrei, Nix levantou-se num pulo e correu até mim, jogando os braços ao meu redor com a mesma intensidade de sempre. Depois, virou-se para Claire e a abraçou com força. Claire correspondeu, mas estava tensa, e Nix, talvez tomada pela empolgação, não percebeu.
     
    — Como foi lá? — perguntou, ainda nos envolvendo com os olhos.
     
    — Exaustivo — respondi. — Me questionaram sobre tudo, usaram magia para me investigar… e Dante se deu mal. Tentou nos acusar, mas o feitiço virou contra ele.
     
    Nix riu, uma gargalhada genuína.
     
    — Bem feito pra ele! Já passou da hora de alguém derrubar aquele nariz empinado dele.
     
    Assenti com um sorriso cansado, então olhei para Claire, depois para Nix.
     
    — Vou tomar um banho. Claire… tem algo muito importante pra te contar, ela vai passar a morar conosco.
     
    Virando-me para Anne, completei.
     
    — Preciso que os serviçais voltem ao trabalho. Preciso que alguém pegue uma carroça e vá buscar as coisas dela na propriedade dos Umbrani.
     
    Anne assentiu.
     
    Beijei Nix na testa e saí para a sala de banhos.
     
    Depois do banho, vesti uma camisa leve e calças de tecido macio. O vapor ainda grudava na pele, como se o calor do dia não tivesse se dissipado. Cruzei o corredor com passos lentos, sentindo o peso das últimas horas ainda repousado sobre meus ombros. Quando empurrei a porta do quarto, a luz do abajur revelou Nix sentada na beirada da cama, os olhos baixos e o rabo enrolado ao redor das pernas. Ao lado dela, de pé e com as mãos entrelaçadas diante do corpo, estava Claire.
     
    Ela pareceu pequena naquela penumbra suave. Os olhos baixaram assim que me viu, como se minha presença fosse algo que ainda não soubesse como lidar.
     
    — Vocês conversaram? — perguntei, me aproximando.
     
    Nix me olhou com ternura e assentiu, depois se ergueu num gesto suave e veio até mim. Encostou o rosto em meu peito por um instante, como fazia sempre que queria me dizer que tudo estava bem, mesmo que estivesse confusa por dentro.
     
    — Conversamos — disse ela. — Está tudo certo… por enquanto. Ela precisa de tempo. E merece isso.
     
    Claire ergueu os olhos e forçou um sorriso pequeno. Havia algo no jeito que me olhava — não era medo, nem arrependimento. Era um anseio mudo, como se quisesse dar um passo e não soubesse se o chão adiante era firme.
     
    — Eu… — começou, com a voz mais baixa que um sussurro. — Eu não vou dormir aqui hoje. Ainda… é muita coisa pra mim. Mas… eu queria dizer obrigada. Por não me deixar de fora. Por me considerar. Por me ver.
     
    Dei um passo na direção dela e parei, respeitando a distância que ainda parecia necessária.
     
    — Claire, Sempre vou te ver, isso não é caridade, nem conveniência. É escolha. E você pode levar o tempo que quiser pra acreditar nisso. Selune nunca dormiu no mesmo quarto que eu e Nix.
     
    Ela riu, nervosa, e desviou o olhar. Fez menção de se virar, mas então hesitou. Seus olhos voltaram para os meus, vacilando entre coragem e vergonha. Deu um passo, depois outro, e quando ficou perto o bastante, levantou as mãos devagar, como quem tem medo de espantar um sonho.
     
    — Posso…? — murmurou, quase sem voz.
     
    Assenti, e ela se inclinou num gesto tímido, encostando os lábios nos meus com suavidade trêmula. Foi um toque breve, incerto. Um beijo sem urgência ou paixão, mas cheio de vontade, vontade de pertencer, de ser aceita, de não estar só. 
     
    Quando se afastou, estava vermelha até a ponta das orelhas. Nix a abraçou por trás, rindo da falta de jeito de Claire.
     
    — Boa noite, Lior — disse, quase fugindo pelas palavras.
     
    — Boa noite, Claire — respondi, com um leve sorriso.
     
    Ela se virou e saiu do quarto com passos apressados, sem olhar para trás. Nix voltou para a cama e me puxou com ela, encostando a cabeça em meu peito.
     
    — Foi bonito — murmurou.
     
    — Foi. 
     
    Mas eu também sabia o quanto aquilo era frágil. Era só o começo, um primeiro gesto. Ainda havia insegurança, receio, dúvida. Mas naquele beijo desajeitado, havia também a semente de algo real.
     
    E eu queria ver até onde poderia crescer. Não acreditava em um casamento somente por conveniência.

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