Capítulo 143: Novamente enrolado em intrigas
Esperamos por cerca de uma hora. Claire, sentada ao meu lado, permanecia em silêncio, os olhos fixos em nada. O peso dos últimos acontecimentos ainda pairava sobre nós como uma névoa densa. Eu já estava me acostumando com o silêncio incômodo dessas salas de espera luxuosas, mas impregnadas de tensão. Quando finalmente a porta se abriu, ergui o olhar.
Era a anciã que presidira a sessão do conselho, a mesma cuja voz suave ocultava um poder indiscutível, acompanhada do ancião que representava a Casa Aníbal. Ambos tinham expressão grave, mas serena, como se tudo aquilo fosse apenas mais um dia de trabalho.
Fiz menção de me levantar, por cortesia, mas a anciã levantou levemente a mão, sinalizando que permanecêssemos como estávamos. Caminhou devagar até a poltrona diante de nós e se acomodou com um suspiro contido. Um serviçal que os acompanhava, atento, se adiantou e lhes serviu uma taça do vinho que repousava na jarra sobre a mesa de centro. O ancião da Casa Aníbal sentou-se logo depois, mas não disse uma palavra. Observava, em silêncio, com a postura de quem sabia seu lugar na hierarquia, e ali, quem falava primeiro era ela.
A anciã estalou os lábios após o primeiro gole do vinho, como quem saboreava tanto a bebida quanto o momento.
— Estou impressionada, Lorde Lior — começou, a voz baixa e ritmada —. Reverteu acusações extremamente perigosas com uma compostura admirável. Mas estou me adiantando. Sou Lenora Umbrani — disse, pousando sua mão enrugada sobre o joelho com naturalidade —, bisavó dessa linda garota aqui — completou, estendendo a mão em direção a Claire.
Claire arregalou os olhos, visivelmente surpresa. Pelo visto, ela própria não sabia dessa ascendência.
Lenora tomou mais um gole de vinho, dessa vez com um sorriso quase imperceptível nos lábios.
— Estou aqui, acima de tudo, para deixar claro que, apesar de suas respostas precisas ao conselho, há muitas lacunas em seu relato. Muitos segredos não ditos, não vou forçá-lo, Lior, mas não pense, nem por um instante, que esqueceremos disso. Apesar da idade, eu nunca me esqueço de nada.
Ela pousou o cálice com leveza na mesa. O som foi quase inaudível, mas carregado de intenção.
— Você sabia dos selos. Sabia da névoa. E, ao que tudo indica, de várias outras coisas que poucos ousam sequer mencionar. Isso, Lior, é altamente suspeito.
Ela me fitava com olhos antigos, olhos que tinham visto gerações se destruírem por menos do que eu sabia.
— Saiba que, no momento certo, o conselho exigirá todas as respostas. Inclusive sobre Pandora. E Hass.
Minha expressão me traiu. Não consegui disfarçar a surpresa. Ela percebia mais do que deixava transparecer. Suspeitava da herança da garota.
A anciã sorriu, satisfeita.
— Desde ontem à noite, temos ouvido todos. Sua amiga Pandora, a administradora da Arena, Rosa, soldados, oficiais, lordes, ladies, serviçais e plebeus. Cada depoimento é uma peça no quebra-cabeças. Somos velhos, mas não tolos, Lorde Lior. Vamos descobrir de onde veio a ameaça do miasma, como se infiltrou, quem a trouxe. E quando tivermos as peças certas… ah, teremos formas de fazê-los falar.
Engoli em seco, mantendo a expressão serena. Eu ainda não sabia exatamente onde ela queria chegar.
— Mas, por ora, quero lhe agradecer por cuidar de minha bisneta, eu não sabia o que ela passava. — Ela olhou para Claire com um afeto contido, mas real. — Nossos Jovens Lordes precisam de espaço para crescer, experimentar, até errar… caso contrário, nossa linhagem se tornará cada vez mais fraca. E esse não é o futuro que desejo.
Ela se calou por alguns instantes, como se organizasse pensamentos mais complexos do que cabiam em palavras simples.
— O conhecimento que você carrega é perigoso, Lior. Valioso demais para não despertar ressentimentos. E pessoas poderosas odeiam mudanças. Você é uma mudança, uma ruptura. Que pode e vai se alastrar.
Concordei, devagar.
— A senhora nem imagina… — murmurei, deixando escapar um leve sorriso de canto. — É por isso que quero preparar Claire. Para ajudar a próxima geração a lidar com a magia de uma nova maneira, livre das amarras dos dogmas antigos. Já a ensinei algumas técnicas que ninguém mais conhece. Pelo menos, ninguém vivo. Desejo fortalecer a humanidade como um todo, porque, no fundo, é a única forma de sobrevivermos ao que se aproxima.
Houve um silêncio denso. Ambos os anciãos me fitaram por um instante, como se minhas palavras tivessem deixado um rastro de fumaça no ar. Eles não estavam apenas ouvindo; estavam decifrando. Cada frase minha era uma ameaça velada ao sistema que eles ajudaram a manter de pé por séculos.
Lenora foi a primeira a se pronunciar, com a voz baixa, quase maternal, mas impregnada de gravidade.
— Suas palavras são perigosas, Lior. Mais do que você pode compreender neste momento.
Ela pousou o cálice com delicadeza, o som seco do vidro contra a mesa contrastando com a tensão no ar.
— Eu entendo a necessidade que você acredita possuir. E respeito sua intenção. Mas muitos não verão como nobre sua vontade de ensinar, de iluminar. Muitos verão apenas um risco. A maioria dos que detêm poder o conseguiram através de segredos. Do controle do saber. Eles não vão aceitar que você simplesmente… compartilhe o que foi escondido a duras penas, ou espalhe um novo conhecimento. Eles te esmagariam, Lior. Não por maldade, mas por medo de perder o que conquistaram.
A atmosfera no salão ficou mais fria, como se uma brisa invisível tivesse passado entre nós. O ancião de minha Casa continuava calado, mas atento, avaliando tudo.
O que veio a seguir, porém, me pegou completamente desprevenido.
— Serei franca com você, Lior — disse Lenora, como quem comenta sobre o tempo. — Só poderei usar minha influência para protegê-lo… se você se casar com Claire.
Por um instante, as palavras pareceram ecoar no salão vazio. Precisei de alguns segundos para ter certeza de que havia escutado corretamente.
Claire engasgou com o vinho. Tossiu e levou o guardanapo à boca, tentando conter o vexame. O rubor em seu rosto era tão intenso que parecia irradiar calor.
— Sei que ela nutre sentimentos por você — continuou Lenora, impassível, como se tivesse previsto a reação da neta. — E acredito que o sentimento é recíproco, ainda que você o esconda atrás de amizade. O ancião Carlos, representante da Casa Aníbal, já deu sua anuência. Iremos casá-los em três meses.
Carlos apenas assentiu com a cabeça, com a postura ereta e a expressão de quem acabara de concluir um tratado vantajoso.
— Será uma oportunidade singular para nossa Casa — declarou ele, com voz firme. — Uma aliança estratégica que consolidará nossa posição na hierarquia. Com laços diretos à Casa Imperial.
Tentei recuperar o controle da respiração.
— Mas eu… já tenho outras noivas…
Minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria. Era como se tudo estivesse escapando por entre meus dedos, uma realidade que eu não havia escolhido sendo moldada diante de mim, palavra por palavra.
— Sabemos disso, e não é relevante — retrucou Lenora com a frieza cortês de quem está acostumada a definir destinos. — Ambas são plebeias. E, queira ou não, você precisaria se casar com alguém de sangue nobre. Esta decisão já foi tomada. Por nós.
Claire não disse nada. Continuava olhando para o chão, como se tivesse medo do que poderia encontrar nos meus olhos. Suas mãos tremiam ao redor do cálice vazio, e sua expressão oscilava entre surpresa, vergonha e algo que poderia, ou não, ser esperança.
E eu? Eu estava tentando entender se aquilo era um ultimato político ou uma armadilha disfarçada de oportunidade.
— Mas… mas…
As palavras se embaralhavam na minha boca, e antes que eu conseguisse organizá-las, Lenora me interrompeu com precisão cirúrgica:
— Não pense em casar-se com suas noivas plebeias antes de Claire.
A frase caiu como um decreto. Rígida. Irrefutável.
— Claire precisa ser a primeira esposa. É o mínimo.
Então, como se tivesse tido uma epifania brilhante, ela bateu palmas uma única vez, satisfeita com a própria ideia.
— O casamento será no mesmo dia. Primeiro Claire, depois as outras. Uma cerimônia unificada. Majestosa. A Casa Umbrani fará questão de custear toda a festividade.
Não era uma proposta. Era uma imposição coberta com laços dourados.
Fiquei em silêncio.
A política, como sempre, se movia com antecedência. Ela moldava o futuro com dedos invisíveis, se alimentando da vontade dos indivíduos e os transformando em peças num tabuleiro que raramente podiam enxergar por completo.
Meus próximos passos já estavam decididos, e não eram por mim.
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