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    Lock se levantou com esforço, endireitando as costas arqueadas num estalo seco, como se aquele gesto simples exigisse mais dele do que admitia. 

    — Muito do que você me contou são coisas que eu já conhecia — disse, ajeitando a gola do colete —, mas foram pontuadas por detalhes que me escapavam. Acho que teremos uma boa troca, Lior.

    Assenti, sentindo uma satisfação sutil. Eu também achava. Havia muito o que aprender com ele, especialmente no campo da magia dimensional, um território ainda nebuloso para mim, mas que era claramente o domínio dele. Além disso, ele era meu atalho mais seguro à torre de Malena, e isso era precioso.

    Lock me fez sinal para segui-lo até uma das bancadas compridas do laboratório. Ela estava coberta por pergaminhos, instrumentos mágicos em diversos estados de montagem, ferramentas delicadas e placas encantadas.

    — Estes são os projetos que o Império me incumbiu de desenvolver.
     
    Passei os olhos pela bagunça organizada, notando uma dúzia ou mais de criações em diferentes estágios. Algumas eram claramente protótipos, outras já estavam quase completas, emitindo fracos brilhos, ou pulsando com energia contida.

    Uma placa peitoral me chamou a atenção. Suas linhas lembravam os circuitos rúnicos de uma manaclaste. As gravações mágicas eram densas, sobrepostas em camadas, com símbolos de absorção e liberação.
     
    — A placa de absorção e dissipação de mana simultânea — ele observou, notando meu interesse. — O Império não quer ficar para trás na corrida armamentista contra os vulkaris. Se eles têm manaclastes, nós teremos isso.
     
    Sua mão pequena e enrugada passou por cima de outros objetos, indicando-os um a um com breves comentários:
     
    — Um sensor avançado de pedras de mana. Um direcionador de fluxo. Uma espada cantante, não me pergunte por quê. Um colar de aprisionamento de almas. Ah… e esta aqui é uma Pedra de Ancoragem conjunta, para sincronização de veículos em uma única rede.

    Segui seus gestos e palavras com atenção crescente. Alguns itens pareciam meras excentricidades, outros, como a Pedra de Ancoragem, acendiam meu interesse imediato. A capacidade de estabilizar e fixar múltiplos objetos para atravessar a névoa em sincronia… as possibilidades eram vastas.
     
    Então, ele me conduziu a uma segunda bancada, mais modesta, com menos itens visíveis, mas com um brilho especial no olhar de Lock.

    — E esses… são meus projetos pessoais. — Falou com orgulho palpável, quase emocionado. — Todos giram em torno de metamagia, conversão de mana em outros tipos de energia… e, claro, pesquisa direta sobre a névoa.
     
    Ele caminhou até a pequena porta vermelha no rodapé da parede e a tocou com o pé. Ao seu comando sutil, a porta cresceu com um movimento suave, expandindo-se até atingir minha altura. Lock retirou uma chave fina de dentro do casaco e sussurrou algo inaudível. Sua mana se manifestou, estranha, sinuosa, com uma frequência diferente da que eu conhecia, fluindo da palma para a chave, e desta para a porta. A madeira tremeluziu por um segundo, como se fosse líquida, depois se estabilizou.
     
    Quando ele abriu a porta, fui tomado de surpresa.
     
    Do outro lado não havia um armário ou depósito, mas sim um espaço vasto, era uma biblioteca oculta.

    Era uma sala arredondada, com cerca de cinco metros de raio e teto com pouco mais de três metros. As paredes seguiam um padrão octogonal, e cada uma delas era forrada de estantes recheadas. Livros de todos os tamanhos, pergaminhos enrolados, mapas mágicos suspensos, cristais de memória flutuantes… uma riqueza absurda de conhecimento acumulado.
     
    No centro da sala, uma mesa circular, ampla, de madeira escura, já marcada pelo tempo, aguardava como um altar de estudo.

    Fiquei parado, boquiaberto.
     
    Lock riu.
     
    — Feche a boca, Lior.

    Ele se dirigiu às prateleiras com passos ágeis e certeiros, como quem já sabia exatamente o que procurava. Em poucos minutos, separou meia dúzia de volumes e os empilhou sobre a mesa. Eram tomos pesados, alguns encadernados em couro grosso, outros em materiais que eu sequer reconhecia.

    Então, encostou um anel nos livros. Um brilho discreto percorreu a superfície das capas e, num piscar de olhos, todos desapareceram.

    Ele se virou e atirou o anel em minha direção.
     
    — Estude esses livros. São os fundamentos da metamagia e da manipulação dimensional. Vai precisar disso se quiser acompanhar o que estamos fazendo. — Já se afastava da biblioteca, voltando para o laboratório. Antes de sair, virou-se por sobre o ombro e completou: — Te espero aqui de novo amanhã. Agora vá. Está na hora de você ir para o pátio.

    E com essas palavras, me dispensou.
     
    Fiz o caminho reverso pelos corredores do complexo, me informando com servos e guardas sobre a localização exata do pátio de treinamento. Era ali que os jovens promissores do Império se reuniam, não apenas Elizabeth, Valis e eu, mas também os vencedores dos torneios imperiais dos anos anteriores. Jovens prodígios que, até completarem vinte e cinco anos, serviriam diretamente ao Império, em missões oficiais ou como recrutas de elite do exército. Após isso, assumiriam postos estratégicos nas ilhas ou em guarnições imperiais.

    O local era um campo extenso, ladeado por colunas de pedra entalhadas com símbolos do Império. Cheguei por um dos lados e logo percebi que era o último a chegar. Um grupo de anciãos observava a movimentação de uma sacada superior, entre eles, reconheci Lenora, imóvel como uma estátua. Os jovens estavam espalhados em pequenos grupos, conversando ou testando seus dons em demonstrações breves.

    Logo que cruzei os primeiros passos no campo, um dos instrutores se aproximou. Era um homem de presença marcante: alto, musculoso, de cabelos e barba loiros, cortados rente. Seu nariz torto deixava claro que já estivera em batalhas reais, e não apenas em treinamentos.

    Ele me avaliou rapidamente com os olhos, conferiu algo em uma prancheta de madeira escura e disse:
     
    — Lorde Lior, certo? — Sua voz era grave e direta. — Está alguns dias atrasado.

    — Eu não fui informado de nada antes. Assim que recebi o aviso, vim direto.
     
    — Hm. — Ele deu de ombros. — Estou com seus resultados aqui. Impressionante, para alguém sem formação imperial.

    Ele apontou com a cabeça para uma área mais adiante, onde vi Elizabeth, uma outra jovem de cabelos azulados presos em tranças elegantes, e dois outros rapazes.
     
    — Se apresente ali, junto dos magos. Depois quero ver sua competência com a espada. — Seu tom foi neutro, mas senti o peso da expectativa.

    Cruzei o campo sob dezenas de olhares. Os outros jovens me observaram com curiosidade, alguns com desdém. Até os instrutores e anciãos voltaram a atenção para minha travessia silenciosa. Era como se avaliassem cada passo, como se esperassem que eu falhasse antes mesmo de começar.

    Assim que ultrapassei os limites da área reservada aos magos, as conversas cessaram. O ambiente ficou carregado de atenção, como se minha presença tivesse desequilibrado algo. Elizabeth me viu e, para minha surpresa, caminhou em minha direção imediatamente.
     
    Me preparei para uma provocação, algo sobre meu atraso, sobre minha origem, sobre minha suposta sorte na batalha. Mas, em vez disso, fui pego de surpresa.

    — Lior — disse ela, parando a poucos passos de mim, sua expressão serena, mas firme. — Não tive a oportunidade de lhe agradecer por salvar Valis. Obrigada.

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