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    Assim que me ajoelhei ao lado de Claire, senti.
     
    Seu sol de mana tremeluzia. Irregular, instável. Perigoso.
     
    Se aquela luz se apagasse, não sobraria mais nada.
     
    Ela morreria.
     
    Um fio de sangue escorria pela boca, outro pela narina. Seu corpo estava frio, mole, inerte em meus braços. Meu coração batia descompassado. Era veneno. Mas quando? Onde? Eu não sabia.
     
    Fechei os olhos e toquei seu peito, sentindo o fluxo interno. Estava fragmentado.
     
    A mana não fluía. Em certos pontos, era como se trombasse com algo invisível, denso. O veneno estava ali, acumulado, obstruindo os circuitos. Pior: ele se alimentava da mana dela, crescendo com ela. Um parasita mágico.
     
    Um assassino silencioso.
     
    As memórias de Mahteal me invadiram.
     
    Os venenos de Naksa. Magia feita para matar aos poucos. Não apenas destruir o corpo, mas quebrar o espírito. Desligar o mana célula por célula.
     
    Uma arte sádica, refinada com o único propósito de causar dor. A morte era apenas o fim. O caminho até ela era o que verdadeiramente importava para aquele tipo de magia.
     
    — Maldita… — murmurei entre os dentes. — Ela não seria capaz…
     
    Mas o pensamento não se sustentava nem por um segundo. Naksa era capaz.
     
    Conhecendo seu ciúme, sua possessividade, a maneira como olhava para Mahteal como se fosse dela por direito, sim, era mais do que capaz.
     
    Ela teria feito isso. Com requinte.
     
    E Claire estava pagando o preço. Porque fui provocá-la.
     
    Tinha também o ferimento do ombro. A espada de Zia tinha atravessado, rasgando carne e tendões. Enquanto mantinha o fluxo de mana em seu sol. Me concentrei em reparar o ferimento.
     
    Lenora chegou ao meu lado, o olhar atento. Claire já havia sido declarada vencedora, mas isso pouco importava agora. O público Acompanhava a comoção sem entender nada daquilo, e tudo parecia distante. Irreal.
     
    — O que houve? — perguntou.
     
    — Foi envenenada — respondi. — Um veneno mágico altamente especializado. Está matando ela por dentro. Agora mesmo, enquanto falamos.
     
    Lenora empalideceu. Seus olhos buscaram, sem disfarçar, os pais de Zia na arquibancada.
     
    — Não sei se foram eles — falei. — Talvez o alvo nem fosse Claire. Talvez quisessem me atingir. Ela foi um dano colateral. Não tenho como saber ainda.
     
    Ela apertou os punhos, os olhos duros.
     
    — Como salvamos ela?
     
    — Primeiro, precisamos estabilizá-la. E depois… — hesitei. — Preciso levá-la até o subsolo do Palácio. Existe um laboratório secreto ali. A única pessoa que pode ajudar está lá: Lockmead.
     
    Lenora estreitou os olhos, surpresa pela menção.
     
    — Lockmead? Quem é esse? Se fosse alguém relevante, eu já teria ouvido falar…
     
    — Ele está debaixo do Palácio. Num laboratório que Juliani mantém em segredo. Lock domina magia avançada, alquimia e tecnologia arcanomecânica. Se alguém pode salvá-la, é ele. Eu confio nisso.
     
    Lenora assentiu, entendendo o que estava implícito ali. A gravidade. O segredo. O risco.
     
    — O Imperador pode tentar nos impedir, se descobrir que vamos usar esse laboratório… — salientei, o receio atravessando minha voz.
     
    Ela me interrompeu, a voz firme como granito:
     
    — Se Juliani tentar impedir, eu passo por cima dele. Quando o Conselho souber desse laboratório, teremos outras questões para lidar, a menos que ele ajude.
     
    Houve algo no tom dela que me silenciou por dentro.
     
    Ali estava a Anciã, aquela que fazia das intrigas uma arte e da política, um jogo de poder.
     
    Ali estava alguém que rivalizava com o trono.
     
    — Vamos, Lior. Ela é minha bisneta. E não vou enterrá-la hoje.
     
    Me levantei com Claire nos braços. Nix surgiu atrás de mim, assustada, ofegante, os olhos arregalados. Pandora também estava ali.
     
    — Leve as garotas pra casa — pedi. — Cuida delas.
     
    Toquei sua testa, estabelecendo uma conexão mágica.
     
    — Assim que tiver notícias, aviso.
     
    Ela assentiu, silenciosa, mas o olhar sombrio falava por si. Me deu um beijo rápido na bochecha.
     
    — Cuide da nossa garota — disse, antes de se afastar.
     
    Não precisávamos de mais palavras. Estava tudo ali: a preocupação, a tensão, e a confiança relutante.
     
    Selune. Agora Claire. Era esse o destino das mulheres que se aproximavam demais de mim? Meu coração se enchia de raiva, por elas.
     
    Levitei do chão, Claire nos braços. Lenora subiu logo atrás. Disparamos em direção ao Palácio.
     
    Chegando lá, as portas se abriram uma a uma diante de nós.
     
    Lenora ao meu lado era como uma coroa invisível, e uma espada.
     
    Guardas e atendentes apenas se curvavam ou desviavam. Íamos onde queríamos sem impedimento. A aura de autoridade dela era uma muralha que ninguém ousava questionar.
     
    Atravessamos os corredores ocultos até a escadaria secreta. Em minutos, estávamos no laboratório subterrâneo de Lock.
     
    — Ela foi envenenada — falei assim que entramos. — Veneno mágico. Altamente refinado. Está bloqueando a absorção de mana e se fortalece a cada fiapo que ela tenta usar. Estou mantendo ela viva infundindo mana diretamente no sol.
     
    Lock ergueu os olhos, absorveu tudo em segundos e, sem cerimônia, empurrou vidrarias e peças inacabadas para o chão com o braço.
     
    — Deita ela aqui — apontou para uma bancada metálica. — Rápido.
     
    Enquanto eu sustentava o fluxo vital de Claire, ele ativava instrumentos, runas, sondas. Lenora girava os olhos pelo laboratório, maravilhada e tensa. Aquilo estava claramente muito além do que esperava encontrar escondido sob o Palácio. Cada detalhe era uma afronta à ordem imperial conhecida.
     
    Então Lock parou, os olhos fixos nos dados.
     
    — Não temos cura. Mas… posso estabilizar. A resposta está na metamagia, Lior.
     
    A palavra se cravou em mim como um estalo de entendimento.
     
    Claro. O veneno reagia apenas ao tipo comum de mana. Se alterássemos o padrão…
     
    — Se usarmos uma frequência de mana levemente modificada, o veneno não vai reconhecer — falei. — Ela poderá se manter viva com isso. Temporariamente.
     
    — Exato. Eu monto o conversor — disse Lock, já correndo de um lado para o outro.
     
    O tempo passou. Duas horas, talvez mais. Claire se tornava quase translúcida de tão pálida. Lenora andava de um lado a outro como um animal enjaulado. Eu mantinha a infusão constante, forçando o sol dela a pulsar. Sentia o peso do esforço a cada minuto.
     
    A exaustão se acumulava. Cada novo fluxo que eu enviava era mais difícil que o anterior. Minha visão começava a embaçar.
     
    Então alguém entrou.
     
    Juliani.
     
    Parou na porta. Seus olhos pousaram no corpo imóvel da garota, depois em Lenora. Sua expressão se crispou, azedou. Fez menção de dizer algo, mas engoliu as palavras. Sua mente afiada compreendia bem o que estava em jogo ali.
     
    Ele apenas se virou e foi embora. Silencioso. Frio.
     
    Lock finalmente falou:
     
    — Pronto. Vou ligar.
     
    O aparelho sugava mana ambiente, convertia, e transmitia a nova frequência diretamente ao selo sobre o peito de Claire. A resposta foi quase imediata: o sol de mana dela oscilou, depois firmou. A circulação recomeçou. Sorri levemente.
     
    A cor voltou às suas bochechas. A respiração se estabilizou.
     
    Ainda estava longe de estar bem. Mas estava viva.
     
    Soltei o ar, sentindo o esforço pesar nos ossos. Depois de tudo que havia vivido desde minha ascensão, não me lembrava da última vez que me sentira tão esgotado. Física, emocional e mentalmente. Um peso quase absoluto.
     
    “Claire está fora de perigo imediato.”
     
    Enviei a mensagem para Nix. Eu sabia o quanto ela gostava de Claire. Era afeto de verdade, não apenas convivência.
     
    Antes que o cansaço me derrubasse de vez, me virei para Lenora.
     
    — Como faço pra falar com Annabela?

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