Capítulo 17: Uma lembrança do início
Eu estava em um lugar escuro, onde o tempo se estendia infinitamente, e meu corpo parecia não existir. Aos poucos, comecei a perder a noção de quem eu era, até que luzes difusas surgiram, trazendo formas para minha visão turva.
Era um grupo de cerca de vinte pessoas caminhando em uma formação ordenada. Por um momento, me perguntei se eu as conhecia, mas logo percebi que estava revivendo uma lembrança que não era minha.
— Mahteal, o que foi? — uma voz feminina me arrancou da contemplação. Ao olhar para o lado, encontrei o sorriso mais belo que já vira. Malena. Seus olhos avermelhados me encaravam com preocupação, mas havia um calor em sua expressão que fez meu coração disparar.
À frente, a voz grave de Garton ecoou com firmeza:
— Preparem-se, estamos quase na sala do chefe da masmorra.
Desviei o olhar de Malena e murmurei:
— Estou com um mau pressentimento…
Mal terminei de falar quando um par de braços fortes me ergueu do chão. Um riso gutural soou atrás de mim enquanto eu balançava no ar.
— Sixxas, pare com isso! — ralhou Malena. — Não brinque com meu aprendiz.
O anão me colocou de volta no chão, rindo.
— É só uma brincadeira… precisamos relaxar antes da batalha.
Chegamos a uma imensa porta de metal adornada com imagens que pareciam vivas. Sempre que tentava focar em um detalhe, as formas mudavam, criando um mundo etéreo, quase onírico.
Senti a mão de Malena em meu ombro. O calor de seu toque era reconfortante, mas eu ainda tremia. Diante de nós estava o grupo de aventureiros mais poderoso que os reinos já haviam conhecido. Garton, o Rei da Espada, liderava; Malena, a maga dos ventos, era uma lenda viva; Sixxas, o Machado Anão, estava entre os guerreiros mais temidos. O resto da equipe não era menos impressionante. E eu, um aprendiz, muitas vezes me perguntava como havia acabado ali.
Garton colocou sua mão contra a porta e infundiu sua mana nela. Um gemido metálico ecoou enquanto a porta se abria lentamente. O cheiro acre de enxofre nos envolveu imediatamente.
A sala além era circular, adornada com tapeçarias detalhadas e quadros magníficos. No centro, uma joia do tamanho de uma cabeça repousava em um pedestal ornamentado. Sua superfície incolor refletia a luz de forma hipnotizante.
— Malena, o que acha disso? — perguntou Garton, sua voz ressoando na câmara.
Ela deu um passo à frente, estendendo a mão em direção à joia. Um círculo brilhante de mana se formou ao seu redor, projetando-se contra a superfície da pedra. Após alguns segundos, Malena se virou para o líder:
— Parece que podemos evocar o chefe da masmorra. — Ela hesitou, mas completou:
— Posso?
Garton acenou com a cabeça, e Malena começou a infundir sua mana na joia.
O brilho da pedra aumentou rapidamente, e dentro dela uma espiral de fumaça cinzenta começou a girar, ganhando vida. Mas algo estava errado. Vi Malena cair de joelhos, sua energia sendo sugada pela joia. Meu coração disparou. Meu mau pressentimento estava se confirmando.
Corri até ela e a empurrei com meu corpo, rompendo a ligação entre sua mana e a joia. Na confusão, caí com o rosto contra seus fartos seios. Um constrangimento inútil me atravessou, mas não havia tempo para distrações.
A fumaça escapou da joia, transformando-se em uma névoa densa que rapidamente preenchia a sala. De dentro dela, formas humanoides começaram a emergir, seus corpos feitos da própria névoa.
As criaturas avançaram contra nós, e, embora fossem facilmente dissipadas, seu número parecia infinito. Lutamos com todas as forças, mas logo o cansaço começou a tomar conta. Garton ergueu sua espada, seu tom severo:
— Retirada! Recuem imediatamente.
Nos movemos em formação, recuando pelo corredor que nos levara até a sala. A névoa nos perseguia, rastejando como uma fera viva.
Enquanto corríamos, olhei para trás. As figuras de névoa estavam mais densas, mais nítidas, e um frio insidioso começou a me invadir. A sensação era clara: aquilo não era algo que poderíamos vencer, pelo menos, não agora.
E, no fundo, sabia que aquela névoa não ficaria confinada à masmorra.
Abri os olhos, mas uma sensação de fraqueza tomou conta de mim. Meu corpo estava pesado, e cada movimento parecia impossível. Percebi que estava deitado em uma cama desconhecida. Nix estava sentada no pé da cama, as pernas cruzadas, cochilando em uma posição desconfortável.
Tentei me mexer, mas meu corpo não respondeu como eu queria. O leve movimento foi suficiente para acordar Nix, que deu um salto e caiu sobre mim, me arrancando um gemido de dor.
— Calma, pequena… estou bem. — Minha voz saiu fraca, mas tentei tranquilizá-la.
Ela me olhou, parecendo aliviada, mas com os olhos ainda úmidos. Só então percebi onde estava. O quarto era luxuoso, muito bem mobiliado. A cama em que estava deitado era macia e de excelente qualidade. Os móveis ao redor eram imponentes, feitos de madeira maciça e detalhadamente trabalhados. Os lençóis que me cobriam eram macios, perfumados com um aroma suave.
— O que aconteceu? — Perguntei, tentando organizar os pensamentos.
Nix enxugou os olhos com o dorso da mão, ajeitou-se para sentar-se ao meu lado e começou a falar. Sua voz estava tensa, carregada de emoções:
— Depois que subi, entrei no escritório onde estavam Selune e Karlom…, mas o mago gordo, Jorjen, já estava me esperando. Assim que passei pela porta, ele lançou um raio contra mim. Não tive nem tempo de reagir. Fiquei paralisada.
Ela fez uma pausa, como se precisasse de força para continuar.
— Karlom estava pendurado pelos braços, desmaiado. Mesmo se eu o libertasse, ele não teria como ajudar. Tentei me levantar e alcançar Selune, mas outro raio me derrubou. Senti minha consciência vacilar, mas me forcei a não desmaiar. Selune estava presa com correntes abafadoras de mana, incapaz de fazer qualquer coisa. Só podia assistir.
O olhar de Nix ficou distante, como se revivesse o momento.
— Foi quando o homem das cicatrizes, Marcus, entrou no escritório. Por um momento, pensei que você estivesse morto. — A voz dela tremeu, e lágrimas ameaçaram cair. — Mas havia algo estranho nele… o olhar vazio, como se não estivesse acordado. Então, você apareceu.
Ela me encarou, a intensidade de sua expressão me desarmando.
— Você estava completamente ensanguentado, da cabeça aos pés. Seu ferimento na barriga parecia fechado, mas… sua expressão… — Ela parou, tremendo levemente. — Era algo assustador. Uma aura negra envolvia você, sufocante e poderosa. Quando você nos olhou, senti medo. Um medo real. Achei que você não reconhecesse mais ninguém. Nem a mim, nem a Selune.
Nix respirou fundo antes de continuar:
— Jorjen tentou te atingir com raios, mas eles simplesmente desapareceram no ar. Ele começou a entrar em pânico. Então, desesperado, puxou Selune, usando-a como escudo.
Minha mente estava em branco enquanto ouvia. Era como se estivesse ouvindo sobre outra pessoa.
— Você apontou para ele, e Jorjen caiu, espumando pela boca, então, você foi até Selune e as correntes que a prendiam simplesmente se soltaram. Depois disso, você desabou, inconsciente.
Nix fazia pausas curtas, mas seu rosto ainda refletia as emoções intensas do momento.
— Depois disso, Selune e eu conseguimos acordar Karlom. Estávamos tentando sair dali quando Jorjen se levantou de repente. Antes que pudéssemos reagir, ele… se ajoelhou. Disse algo sobre cuidar do mestre e foi até você. Ele te pegou nos braços como se estivesse em transe. Os olhos dele estavam sem foco, como os de Marcus.
Ela abaixou o olhar, as mãos inquietas sobre o lençol.
— No final, eles nos trouxeram para cá e têm cuidado de nós… como se a gente fosse os mestres deles.
Fiquei em silêncio por um longo momento, tentando processar tudo. A sensação de vazio que me preenchia era desconcertante, como se eu tivesse perdido uma parte de mim no processo.
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