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    — Vou chamar os outros — disse Nix em voz baixa, com um olhar preocupado. — Eles querem te ver, principalmente Selune.

    Ela se retirou, a porta fechando-se suavemente atrás dela. O ambiente luxuoso contrastava com a tempestade de pensamentos que rugia em minha mente. Antes que pudesse organizar as ideias, uma voz familiar, sombria e carregada de uma inquietação crescente, invadiu minha mente.

    — Você quase morreu! Não pode ser tão impulsivo assim… — a voz começou, o tom quase frio, mas com uma nota de preocupação subjacente. — Já te disse que cada vez que intervenho, seu desenvolvimento fica comprometido. Você precisa formar seus círculos para aprender a dominar seu corpo novo e seus poderes. Não pode se deixar levar pela emoção…

    A voz fez uma pausa, como se hesitasse.

    — Além disso… dessa vez foi diferente. Quando você apagou, eu também apaguei… e Mahteal assumiu o controle.

    Houve um silêncio, uma pausa tão carregada que parecia pesar no ar.

    — Eu não sei o que ele fez enquanto estava no comando. Não vi… não senti… havia apenas um vazio. Um abismo escuro, frio… — A voz tremeu, algo raro, quase como se estivesse assustada. — Cada vez que assumo o controle, a influência dele sobre mim cresce, e agora… temo o quanto já estou me perdendo. Não sei mais o que é meu e o que é dele. Ele está se infiltrando em mim, sussurrando coisas que não sei o que são.

    Outra pausa, longa e pesada, cheia de um desespero contido.

    — Lembre-se, Lior… no fim, eu e você teremos que voltar a ser um só. Mas… e se, quando esse momento chegar, eu já não for mais eu? E se Mahteal estiver esperando apenas por isso?

    A voz desapareceu tão abruptamente quanto veio, deixando um vazio inquietante em minha mente. As palavras ecoaram, perturbadoras, e a sensação de que algo escapava ao meu controle era quase sufocante. Antes que pudesse formular uma resposta, a porta se abriu novamente.

    Nix voltou, seus olhos brilhando com uma mistura de alívio e preocupação. Ela guiava Selune, Karlom e, para minha surpresa, Jorjen, o mercador gordo. Cada um deles entrou em silêncio, como se temessem quebrar alguma regra invisível.

    Jorjen se ajoelhou assim que cruzou a porta, o peso de sua submissão visível em cada movimento. Era estranho vê-lo assim. Sua postura arrogante e altiva havia desaparecido, substituída por uma humildade quase fanática. Observei-o atentamente. Seus olhos estavam claros, lúcidos, sem o olhar desfocado que eu esperava. O que quer que eu tivesse feito à sua mente, parecia permanente.

    Fiz um gesto para Selune se aproximar. Ela caminhou até mim, o rosto firme, mas os olhos brilhando com emoções conflitantes. Levei minha mão até sua testa e, com um simples movimento, desfiz a marca de escrava que a prendia.

    — Me desculpe — murmurei, a voz mais suave do que pretendia. — Se não fosse por eu ter colocado essa marca em você, nada disso teria acontecido.

    Selune ficou visivelmente emocionada. Lágrimas brotaram de seus olhos enquanto ela me olhava, a expressão dividida entre alívio e culpa.

    — O erro foi meu — disse ela, a voz trêmula. — Como você nunca impôs sua vontade sobre mim, por um momento, esqueci da marca… E além disso, você não tinha escolha. Não sabia se podia confiar em mim. Na verdade, nem eu mesma sabia se poderia ser fiel a você. — Ela fez uma pausa, respirando fundo. — Mas depois do que fez… por me ajudar a recuperar minha conexão com a mana… serei sua mais fiel companheira. Meu poder não é o que foi um dia. No futuro, voltará a ser, e está à sua disposição. Tem certeza de que quer me libertar?

    Olhei-a nos olhos, sentindo a sinceridade em suas palavras.

    — Sim, tenho certeza. Preciso de você livre, Selune. Preciso que tenha autonomia para me ajudar e me representar. O que aconteceu agora me mostrou que uma escrava pouco me vale. Preciso que volte a ser uma cidadã, que pense e aja por si mesma, principalmente quando eu não estiver por perto.

    Ela assentiu, os olhos marejados, mas a determinação brilhando por trás das lágrimas. Ao seu lado, Karlom assistia a cena, o rosto tenso, mas os olhos cheios de alívio e felicidade ao ver sua mestra liberta. A história que os unia eu ainda desconhecia.

    Voltei minha atenção para Jorjen, ainda ajoelhado.

    — Levante-se e me olhe — ordenei.

    — Sim, mestre! — Ele obedeceu imediatamente, a voz firme, mas reverente.

    — Fale-me sobre você.

    — Sou Jorjen Aníbal, da Casa Aníbal — começou ele, a voz neutra, como se estivesse recitando um texto. — Represento minha casa aqui em Thallanor. Cuido do comércio de bens produzidos por nós e, às vezes, represento a Casa no Conselho Menor. Também atuo no submundo, com negócios paralelos… prostituição, contrabando. Selune e eu tínhamos transações esporádicas.

    — E sobre sua Casa? — continuei observando-o com atenção.

    — A Casa Aníbal é uma casa menor, servindo à Casa Nymeris. Nossa base fica em, Skulor, uma das ilhas periféricas próximas à Selvatora. Somos responsáveis por parte da agricultura que sustenta a Casa Nymeris e pela produção de artigos alquímicos.

    Nymeris… O nome ecoou em minha mente, trazendo memórias. Minha mãe, Isolde, a terceira filha de Lyra Nymeris. A Casa Nymeris era parte de meu legado, embora eu jamais tivesse feito parte dele.

    Apesar de minha mãe ser uma Nymeris, sabia pouco sobre sua Casa. Conheço apenas o que me foi dito, quando criança, ela é uma Casa exclusivamente matriarcal. Os filhos homens são geralmente entregues às casas menores associadas, enquanto apenas as filhas são criadas dentro da Casa principal, como verdadeiras herdeiras. São detentoras de vasto conhecimento mágico, elas costumam se especializar em áreas magicas específicas, aprofundando-se em segredos arcanos que poucas outras Casas ousam explorar.

    Lembro-me vagamente de um evento na ilha de Vesúvia, meu antigo lar. Eu era apenas uma criança quando fui apresentado, junto de Cassiopeia, minha irmã, à minha avó, Lyra, e à minha bisavó, Amara. Embora não disseram nada, ambas traziam na expressão o lamento do fato de eu ter nascido homem, ao contrário de Cass, minha irmã gêmea. Me lembro claramente do desprezo em seus olhos.

    — Muito bem — falei, voltando-me para Jorjen. — Talvez você possa me ajudar ainda mais.

    — Meus recursos estão à sua disposição, mestre — respondeu ele, com uma reverência discreta.

    Olhei ao redor, avaliando cada rosto. Nix, Selune, Karlom… Sentia-me satisfeito com a lealdade deles. Não havia mais dúvidas, pelo menos por ora.

    — Preciso participar do torneio de fim de ano junto com os jovens que foram apresentados. Para isso, vou precisar de sua ajuda para forjar uma nova identidade. A partir de agora, sou Lior Aníbal, um jovem promissor da Casa Aníbal. Quanto à minha ausência na apresentação oficial dos jovens, deixo isso com você. Me apresente como um sobrinho distante, talvez. De agora em diante, sua residência será minha base de operações.

    Jorjen me olhou, submisso e respondeu:

    — Farei o meu melhor, meu senhor.

    Fiz um gesto de despedida, e ele se retirou, deixando-me sozinho com meus pensamentos.

    Com isso, os problemas imediatos pareciam resolvidos. Restava apenas treinar o suficiente para estar preparado para o torneio.

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