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    Pandora engoliu em seco. Seus olhos estavam fixos em um ponto indefinido da sala, como se buscassem coragem entre as fibras do tecido da tapeçaria atrás de Lenora. A decisão já estava tomada, mas o peso dela parecia mais real agora, diante da mulher mais poderosa do Império. Ela estava pronta, mas também apavorada.

    Lenora, como boa estrategista, percebeu a hesitação. Inclinou-se um pouco para frente, suas mãos unidas sobre os joelhos, e repetiu, com firmeza:

    — E então?

    O silêncio de Pandora durou mais um instante, mas quando ela finalmente falou, sua voz era baixa, rouca de tensão, como se estivesse selando um pacto com o próprio destino.

    — Sim — murmurou. — Vamos fazer eles pagar. Todos eles.

    Foi uma frase curta, mas carregada de camadas. Era aceitação. Era coragem. Era vingança.

    Lenora assentiu, satisfeita, mas logo mudou o foco, voltando-se para mim com olhos afiados.

    — Falando em pagar… — disse, cruzando as pernas com elegância — ainda estou esperando as provas que disse ter, Lior. Se vamos chegar até Annabela, vou precisar de tudo. Documentos, registros, testemunhos. Qualquer coisa que fortaleça nossa linha de ataque.

    — Estarão em suas mãos até amanhã — garanti, mantendo o tom calmo. Eu já tinha separado o que era mais relevante entre as informações que Claire e eu reunimos. Não era pouca coisa.

    Ela nos lançou um olhar avaliador, depois esboçou um leve sorriso. Tinha gosto por esse tipo de jogo, e estava animada com as peças que tínhamos à disposição.

    — Muito bem. — Ela se recostou na poltrona, os dedos tamborilando discretamente sobre o braço da cadeira. — Com o que já possuo, posso traçar uma ligação entre Annabela e a invasão dos necros. É tênue, mas com as provas que prometeu, teremos uma teia mais consistente. Nosso maior desafio será convencer os outros anciãos… e, com sorte, constrangê-los a tomar partido. Nem todos estão do nosso lado. Na verdade, talvez jamais estejam.

    Lenora respirou fundo, bebeu um pequeno gole do chá já morno, e continuou, agora em um tom mais organizador, como se passasse de conselheira a arquiteta de uma conspiração formal.

    — Precisamos amarrar tudo. Nenhuma ponta solta. Nenhuma dúvida. Não podemos permitir escândalos ou brechas que possam ser usadas contra nós. Quero que a revelação da identidade de Pandora aconteça após o seu casamento — disse, voltando o olhar para mim. — Quero me certificar de que essa união se concretize. Ela será um pilar político. Um escudo e, ao mesmo tempo, uma lança.

    Seu olhar se firmou no meu, firme, direto. Eu entendi o que ela dizia, e o que ela deixava subentendido.

    — Prevejo uma instabilidade política considerável nos próximos meses. — Sua voz estava grave. — E Pandora vai precisar de você, Lior. Vai precisar do seu nome, da sua influência, das alianças que você vem construindo, e do apoio das grandes Casas.

    — Ela tem minha completa lealdade — afirmei, com mais do que sinceridade. Era uma promessa silenciosa entre amigos. Pandora não era apenas uma peça na engrenagem disso tudo. Era uma pessoa por quem eu nutria respeito profundo.

    Pandora corou. Um leve rubor tomou suas bochechas, mas ela não desviou o olhar. Apenas abaixou levemente a cabeça, como quem recebia algo precioso demais para ser tratado com palavras.

    Lenora esboçou um sorriso, satisfeita.

    — Então é isso. Você, Pandora, deve permanecer na casa de Lior. É o lugar mais seguro agora, fora dos radares dos olhos que nos espreitam. E você, Lior, continue a circular pelo Palácio. Cultive alianças, mostre força e esteja visível. Vamos adiantar o casamento em algumas semanas. Será corrido, sim, mas necessário. Precisamos dessa união reconhecida e celebrada o quanto antes.

    Engasguei com o chá, tossindo leve, pego totalmente desprevenido. Acelerar o casamento? Já parecia rápido demais antes. Endireitei a postura e pisquei algumas vezes, tentando não deixar transparecer o turbilhão de ansiedade que a ideia me causava.

    — Preciso pedir uma coisa… — continuei, reunindo a compostura. — Pode considerar um presente de casamento adiantado. Quero uma ilha, dentro do território imperial. Qualquer uma que seja ampla o suficiente para permitir um assentamento.

    Os olhos de Lenora se estreitaram. Ela não se moveu, mas senti sua atenção dobrar. Ficou em silêncio por um longo momento antes de responder.

    — Sabe o que está me pedindo, Lior? — murmurou, com uma nota de desafio na voz. — Isso equivale a reconhecer sua autonomia sobre um território. É, na prática, autorizar a fundação de uma nova Casa. Você tem consciência disso?

    — Tenho — respondi, firme. — E mesmo assim, é o que preciso.

    Ela cruzou os braços e avaliou minha expressão. Não encontrou hesitação. Por fim, soltou um leve suspiro e assentiu.

    — Vou ver o que consigo. Você tem servido bem ao Império, sua contribuição é notável… mas ainda insuficiente para algo dessa magnitude. Talvez precise realizar algumas missões para o Conselho. Algo público, incontestável.

    — Estou disposto — falei. — Mas preciso de pressa. Há mais coisas em jogo do que posso explicar agora.

    Lenora apertou os lábios, pensativa.

    — Muito bem, Lior. Venha falar comigo novamente depois de amanhã. Até lá, terei uma resposta. Com ou sem ilha, encontraremos um caminho.

    Assenti com gratidão contida. Antes de me levantar, acrescentei:

    — A propósito… Claire acordou. Está bem. Sem sequelas.

    Foi a primeira vez que Lenora sorriu com verdadeira doçura naquela reunião. O peso político pareceu se dissipar brevemente.

    — Fico feliz em saber disso. Irei visitá-la esta noite, se não se importar.

    — Será um prazer recebê-la em nossa casa — respondi.

    E pela primeira vez naquele dia, senti que, apesar de toda a tensão, talvez estivéssemos um pouco mais perto de virar o jogo.

    Despedi-me de Lenora e Pandora na antessala do gabinete. Elas ainda tinham assuntos para tratar, alinhamentos finos, estratégias que não me cabiam no momento. Decidi aproveitar o tempo e seguir até o laboratório de Lock.

    Não esperava, porém, o que encontrei ao abrir a pesada porta encantada do laboratório.

    Um burburinho preencheu o espaço. Havia mais de uma dúzia de pessoas ali dentro, todos vestindo os mantos cinzentos e azulados que distinguiam os engenheiros de mana do Império. Suas mãos estavam ocupadas com pranchetas, em registros e anotações. Pareciam formigas em volta de algo que não compreendiam totalmente.

    No centro da confusão, como uma peça fora do tabuleiro que mesmo assim comandava todos os outros, estava Juliani, o Imperador. Observava com uma intensidade impaciente as estruturas montadas por Lock, como se esperasse que elas revelassem um milagre a qualquer momento.

    — Lior! Que bom que chegou — exclamou Lock, com aquele seu sorriso que mesclava ironia e genialidade. — Me ajude a calibrar esses instrumentos, sim? Nossos amigos aqui parecem ter feito uma descoberta e agora precisam de ajuda para explorar “um certo lugar”.

    O tom casual com que falou me alertou. Aquilo não era apenas ciência. Era política, era segredo, era uma dança de máscaras.

    Imediatamente, compreendi o que estava acontecendo. Deviam ter conseguido acesso à entrada principal da Torre de Malena. A que resistira a todo tipo de tentativa até agora. Sorte, muita sorte, termos realizado nossa própria incursão na véspera. Tínhamos atravessado as proteções, coletado dados, recolhido instrumentos e equipamentos, além de ter estudado cristais de memória, voltando ilesos. Eles estavam apenas começando.

    Olhei para Lock, e o brilho malicioso em seus olhos confirmou que ele pensava o mesmo. Tínhamos uma vantagem que ninguém ali suspeitava.

    — Claro — respondi, caminhando até ele com um leve sorriso no canto da boca. — Onde começamos?

    Peguei um dos calibradores e me posicionei ao lado de Lock. As máquinas emitiam pulsos sutis, vibrando ao toque da mana. Enquanto ajustava as frequências e ressonâncias, percebi os olhares curiosos e desconfiados dos engenheiros ao redor. Eu não era um deles, não oficialmente, mas estava ali, manipulando equipamentos imperiais com uma autoridade própria.

    Não pude evitar o sorriso. Era perigoso, claro. Estávamos lidando com o próprio Imperador. Mas havia um gosto agridoce naquela sensação de ter passado à frente, de estar um passo além até mesmo de Juliani.

    Continuei ajustando os parâmetros de mana, como se fosse apenas mais um dia comum no laboratório. Mas por dentro, sentia um prazer quase infantil. Jogávamos um jogo perigoso, mas naquele momento, as peças estavam em nossas mãos.

    E o Império, mesmo sem saber, dançava conforme nossa música.

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