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    Entramos e conduzi todos até a sala de jantar. O ambiente estava arrumado com esmero, algo que Anna, mesmo com pouco tempo, tinha conseguido realizar com uma eficiência admirável. Os talheres e taças reluziam sob o brilho suave do candelabro de velas, refletindo a luz em pontos dourados e prateados pela mesa inteira. O cheiro que vinha da cozinha, como Pandora tinha alertado, realmente fazia qualquer um salivar. Uma mistura quente de especiarias, gordura e algum tipo de pão recém-saído do forno que se espalhava pelo ar.

    Por etiqueta, coloquei Lenora à minha direita, como era de se esperar. Em seguida, deixei Claire e Nix ocuparem os lugares ao lado. Os demais assentos foram tomados de forma menos cerimoniosa, quase por instinto de cada um, sem maiores deliberações.

    Assim que a entrada chegou, nossa atenção inevitavelmente se voltou para a comida. Era uma sopa cremosa de cogumelos, de sabor encorpado, com um fundo de caldo de ossos e um toque de noz-moscada e tomilho. O aroma era tão bom quanto o gosto, e mesmo quem estava mais contido acabou cedendo ao apetite.

    — Sei que já perguntei, mas como você  está Claire? — questionou Lenora, quebrando o silêncio que havia se instalado, típico das primeiras colheradas de uma refeição aguardada.

    Claire pousou os talheres com cuidado, como se a pergunta merecesse toda sua atenção.

    — Eu estou bem… — disse ela, com um sorriso. — Acordei um pouco confusa, mas as lembranças estão começando a voltar aos poucos. — Fez uma pausa, respirando fundo antes de continuar. — Segundo Lior, não devo ter nenhuma sequela. Por enquanto, só dói um pouco fazer minha mana circular.

    Lenora assentiu, com um gesto lento e ponderado.

    — Bom saber disso, minha querida. — Sua voz carregava uma preocupação genuína, o que era raro vindo dela de maneira tão aberta. — Pergunto porque quero antecipar o casamento. Quero saber se Sybela pode começar a organização amanhã mesmo. Tenho… motivos para ter pressa.

    Claire trocou um olhar com Nix antes de responder.

    — Não vejo porque não podemos. — Ela virou-se um pouco, encarando a outra com um sorriso maroto. — Algum problema com isso, Nix?

    Normalmente descontraída, Nix corou ao ser colocada tão de repente no centro da atenção. Engoliu em seco e ajeitou-se na cadeira.

    — Por mim, não há problema algum. Quanto antes resolvermos isso, melhor. — Disse ela, olhando diretamente para mim, e como se não bastasse, passou a mão de forma quase distraída, mas carregada de significado, sobre a própria barriga.

    Claire, Niana e Alana riram, como se todas soubessem de algo que eu, por algum motivo, não sabia. O sorriso travesso delas foi suficiente para me fazer arregalar levemente os olhos. Sybela, que até então mantinha um sorriso polido, também engasgou ao ouvir o comentário e ver o gesto de Nix. A insinuação que Nix casaria com a barriga saliente era o tipo de escândalo que nenhuma casamenteira gostaria.

    Meu estômago afundou por um instante. Não que fosse uma má notícia, longe disso… Mas, diante de toda a confusão política que estava por vir, aquilo adicionava uma camada extra de imprevisibilidade à situação.

    E, claro, agora eu entendia o motivo de Nix não me dar um minuto de sossego quando estávamos a sós nas últimas semanas. Ela queria igualar Selune, me dar um filho.

    — Já que não temos empecilhos, vamos começar os preparativos amanhã. — Anunciou Lenora, cortando o burburinho com a mesma firmeza de sempre.

    Sabendo o que viria pela frente, assenti com um suspiro contido. Lenora percebeu meu gesto e, como se esperasse por isso, sorriu de canto.

    — Espero do senhor apenas a lista de seus convidados. — Disse ela, com um ar de falsa inocência, o olhar carregado de um humor discreto. — Deixe as mulheres cuidarem do restante… Homens não servem para essas coisas.

    O comentário arrancou risos discretos, inclusive das serviçais que circulavam com discrição ao redor da sala, servindo ou recolhendo pratos. Fiquei ligeiramente sem graça, mas consegui rir de mim mesmo junto com os outros.

    Logo em seguida, o prato principal foi servido. Aves assadas, douradas à perfeição, cobertas com um molho rico, acompanhado de um purê de maçã com especiarias. O cheiro da gordura quente misturada ao perfume das frutas fazia qualquer um perder o resto de compostura que tinha. Anna surgiu trazendo o prato em um carrinho de madeira, com as mãos habilidosas e a expressão carregada de satisfação. Fatiava as porções com precisão, posicionando cada pedaço cuidadosamente nos pratos. Niana foi a única que pediu uma porção maior, contrariando todas as regras de etiqueta, mas sendo plenamente ela mesma. Vulpina como Nix, não fazia muita questão de se adequar às normas de uma mesa imperial.

    Lenora, com um ar de quem estava apenas esperando a deixa, pousou a mão em meu braço, num gesto que me fez endireitar a postura por reflexo.

    — Conversei com algumas pessoas sobre seu pedido, Lior.

    — Já? — Minha surpresa foi genuína.

    — Sou eficiente. — Ela disse, com uma sobrancelha arqueada, como se fosse óbvio. — Não tenho muito tempo a perder, meu caro.

    — E o que pode me dizer? — Perguntei, tentando manter a voz neutra.

    — Bem… Tenho duas coisas para dizer. — Ela fez uma pausa curta, calculada. — A primeira é que alguns anciãos já concordaram em lhe transferir uma ilha dentro do território imperial. Mas… — Sua entonação carregou um peso especial na palavra. — A Casa Argos descobriu uma nova ilha e está tendo problemas com os habitantes de lá. Pelo que me informaram, é um lugar rico em pedras de mana, mas eles não estão conseguindo estabelecer uma base por conta própria.

    — E eles querem a minha ajuda?

    — Eles querem ajuda de quem for capaz. A primeira vontade deles era chamar uma legião dos Vulkaris, mas pedi que segurassem essa decisão… por enquanto.

    — Só eu? Sozinho?

    — Pode reunir um grupo de assalto, se quiser. Ninguém vai te impedir. Mas saiba que a recompensa será exclusivamente sua. Então, se for contratar gente… vai sair do seu bolso. — Explicou ela, com um tom prático, quase comercial. — Caso os ajude com sucesso, eles darão apoio formal ao seu pedido. Já até separei uma ilha vazia que pode ser sua.

    — É certeza isso? — Perguntei, mais por hábito do que por desconfiança.

    — Certeza. Posso intermediar um encontro com eles para que expliquem tudo em detalhes.

    — Faça isso, Lady Lenora. Se estiver ao meu alcance, eu irei ajudar. Essa ilha é importante para mim.

    — Ótimo. — Ela sorriu, satisfeita. — Falarei com eles amanhã mesmo. Esteja atento ao meu aviso. Eles têm uma certa pressa.

    — Pode deixar… Eu estarei a postos.

    Era uma boa oportunidade. Daquelas que vinham com riscos, claro, mas ainda assim… uma chance que eu não podia ignorar. A pergunta agora era: quem eu iria chamar para me ajudar? Alguns nomes começaram a saltar na minha cabeça, quase como se desfilassem em fila, cada um com seus talentos… e seus problemas.

    Fiquei ali, mastigando devagar, mais focado nos próprios pensamentos do que no sabor da carne. A conversa ao meu redor virou um pano de fundo difuso, com palavras chegando até mim como ecos distantes. Ainda assim, alguns trechos atravessaram minha distração.

    As garotas já estavam palpitando sobre o casamento. Risadinhas abafadas, sussurros, trocas de olhares cúmplices… aquele tipo de conversa que começava com um comentário inocente e, quando menos se percebia, virava um complô inteiro para decidir cor de vestido, flores e outras coisas que eu provavelmente só descobriria no dia.

    Peguei a expressão de Nix, animada e corada, falando algo com Claire sobre véus e caudas longas. Niana ria da cara das duas, enquanto Alana, com aquele sorriso que ela fazia quando queria provocar, sugeria músicas que ela mesma podia tocar na cerimônia.

    Suspirei, voltando a atenção para o prato à minha frente. Por ora, deixaria que elas tivessem aquele momento. Eu… eu tinha outras preocupações me esperando.

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