Capítulo 20: As regras do torneio
— Isso, concentre-se na mana do seu núcleo… faça-a fluir pelos seus canais… isso… até a ponta do seu dedo… concentre-se… visualize a runa que lhe ensinei… transfira a mana para a visualização…
De olhos fechados, eu ouvia a voz aveludada de Selune, seguindo cada comando com atenção. Uma pequena chama tremeluziu acima do meu dedo indicador. Minha excitação foi tanta que, por um breve momento, perdi a concentração e a chama se apagou.
Dois meses haviam se passado rapidamente, e hoje seriam divulgadas as regras oficiais do torneio.
— Sabe — disse Selune, com um sorriso malicioso — fico contente que você tenha atingido seu segundo círculo de mana há alguns dias. E, mais ainda, que tenha me ouvido e decidido se especializar em magia.
— Pensei que, com as vantagens do meu corpo único, seria bobagem seguir o caminho do fortalecimento físico… meu corpo já é naturalmente mais forte, rápido e resistente que alguém do mesmo círculo que eu.
A elfa negra assentiu, seus olhos prateados fixos em mim, e me interrompeu:
— Sei que é sua primeira vez… — ela fez uma expressão provocante, um brilho de divertimento nos olhos — … e fico contente que tenha sido comigo. Mas Karlom tem razão em uma coisa: você perde a concentração muito fácil. Uma chama minúscula e já se desconcentra… Assim não dá.
— Depois de tanto estudo, foi maravilhoso ver aquela chama surgir no meu dedo. Foi… radiante. Por isso me desconcertei. Chama, radiante… entendeu?
Ela revirou os olhos, soltando um suspiro exagerado.
— Nossa, que piada sem graça…
— Nem tanto quanto a sua, da primeira vez. — Sorri, olhando-a de lado.
Selune pigarreou, tentando esconder o constrangimento, mas não perdeu o tom provocativo:
— Bem, agora que a primeira vez já foi, os caminhos de mana foram abertos. A partir de agora, tudo será mais fácil. O desafio será aprender a visualizar runas mais complexas. Mas chega de conversa… vamos praticar mais um pouco.
Balancei a cabeça em concordância, ajustando minha postura, e voltei a me concentrar. A pequena chama podia ter sido um começo tímido, mas era apenas um primeiro passo.
Desde minha especialização, a rotina de treinos mudou drasticamente. Antes, passava as manhãs e tardes treinando com Karlom, e as noites eram dedicadas à meditação e respiração de mana sob a orientação de Selune. Agora, passava o dia inteiro estudando magia com ela. O treino com a espada ficou restrito ao final da tarde e início da noite. Meditar e respirar mana deram lugar a intensas sessões de estudo teórico. Estudava runas, não apenas decorando seus símbolos, mas compreendendo os princípios por trás delas — por que uma runa funcionava e outra não. Era fascinante e, ao mesmo tempo, desafiador.
A genialidade de Selune se revelou nesse processo. Agora entendia por que seus antigos mestres a estimavam tanto: sua compreensão da teoria mágica era excepcional, e sua forma de explicar conceitos complexos tornava tudo mais claro. Ela havia recuperado parte de seus círculos de mana, estando atualmente no terceiro círculo incompleto, o que a deixava visivelmente feliz, e sempre que estava sozinha comigo, fazia brincadeiras e insinuações e duplo sentido.
Outro fator que facilitava nosso progresso era o acesso aos recursos de Jorjen. As pedras de mana disponíveis nos permitiam absorver energia e acelerar nosso desenvolvimento. Esse apoio constante era fundamental.
Enquanto praticávamos na varanda da minha residência, podia observar Nix e Karlom no gramado. Minha pequena raposa também mostrava avanços notáveis sob o rigoroso treinamento do guerreiro. Embora não tivesse evoluído seu círculo de mana, ela estava consolidando sua força e refinando suas habilidades. Eu tinha a dedicação dela como exemplo a ser seguido sempre que sentia minhas forças vacilaram.
Estávamos todos crescendo, cada um a seu modo. E o torneio se aproximava.
Jorjen entrou no gramado em passo acelerado, quase correndo, o que era uma visão incomum e, de certo modo, cômica. O mercador, normalmente tão composto e calculista, parecia ter perdido completamente a pose.
Eu não conseguia sequer imaginar o que Mahteal havia feito na mente dele e de Marcus, seu ajudante, para torná-los tão servis. Era como se a personalidade original deles tivesse sido suavemente apagada, substituída por uma obediência cega. Uma vez, movido pela curiosidade, tentei usar meus sentidos de mana para sondar a mente de Jorjen. Foi sutil, mas percebi algo estranho: uma pequena mancha de miasma alojada em seu cérebro, quase imperceptível, mas definitivamente presente.
Era como uma sombra, um resquício de algo muito mais profundo e complexo do que eu conseguia compreender. Aquela mancha não parecia natural, e sua presença me deixou inquieto. O que Mahteal havia feito? Até onde ia o alcance de seu poder? Essas perguntas me atormentavam, mas ainda não tinha respostas.
Meio sem fôlego, ele anunciou:
— Saiu o decreto… as regras do torneio…
O peso das suas palavras pairou sobre nós. Encerramos o treinamento imediatamente, a tensão preenchendo o ar, e seguimos em silêncio até o Palácio Imperial. Cada passo parecia ecoar a antecipação do que estava por vir.
Ao chegarmos, nos dirigimos ao imponente edifício onde funcionava a administração do Império. Era um local vasto, com corredores de pedra polida e tapeçarias que contavam a história do Império e das grandes Casas. Esse prédio era o coração burocrático do Império, onde demandas eram apresentadas e serviços, tanto administrativos quanto judiciais, eram oferecidos. Eu já estivera ali antes, durante o processo de apresentação dos meus documentos e da solicitação para inclusão no torneio. O pedido fora deferido sem grandes complicações, mas a lembrança daquele momento ainda estava fresca em minha mente — a sensação de pisar ali pela primeira vez, carregando o peso de uma nova identidade.
No salão principal, uma multidão já estava lá. As cores vibrantes das vestes e os brasões estampados nos tecidos denunciavam a presença de representantes de diversas Casas, tanto grandes quanto pequenas. Era uma verdadeira amostra da complexidade política do Império. Todos estavam ali pelo mesmo motivo: ver o documento com as regras do torneio em primeira mão e fazer suas cópias. Cada detalhe importava, e a tensão era quase palpável.
Quando finalmente tivemos acesso ao documento, o resumo das regras ficou claro: o torneio seria longo, com duração de quatro meses, e estruturado no formato de um battle royale. As batalhas aconteceriam em uma ilha remota, desabitada e selvagem, escolhida e preparada exclusivamente para o evento. Era um ambiente onde os participantes teriam que lutar não apenas uns contra os outros, mas também contra a própria natureza, sem nenhuma assistência externa além dos patrocínios permitidos.
Os competidores seriam divididos em cinco equipes: Cervo, Javali, Leão, Águia e Alce. Cada equipe teria um capitão designado pelo Império, e os participantes poderiam se candidatar às equipes de sua preferência. No entanto, aqueles que não se candidatassem seriam sorteados aleatoriamente para preencher as vagas restantes.
A estrutura do torneio era desenvolvida de maneira a fazer uma equipe sempre estar em conflito com as demais, cada equipe teria uma bandeira, símbolo de sua honra. No caso de uma equipe perder sua bandeira, ela teria dois dias para recuperá-la, senão, aconteceria sua desclassificação. Além disso, cada participante carregaria uma ficha individual, um pequeno objeto que o representava. Se perdesse sua ficha, o competidor seria considerado escravo de quem a tivesse conquistado. Caso a ficha fosse destruída, o participante seria eliminado.
As regras relativas à violência eram ambíguas e poderiam ser interpretadas de forma frouxa pelos juízes. As mortes que ocorressem não seriam punidas, desde que ocorressem em duelos formais, por acidentes não intencionais ou em casos de insubordinação. Era um sistema cruel, mas típico do Império.
Outro detalhe importante era a questão dos patrocínios. A cada quinze dias, as equipes receberiam presentes de seus patrocinadores — armas, poções, recursos e outros itens valiosos. Esses presentes poderiam determinar a diferença entre a vitória e a derrota, tornando a busca por patrocínio uma parte essencial da preparação.
Durante todo o período do torneio, representantes escolhidos pelas Casas iriam arbitrar as disputas, garantindo que as regras fossem seguidas e punindo eventuais infrações. Esses árbitros, posicionados fora da ilha, teriam acesso direto ao que acontecia no campo de batalha. Através de magia de vidência, cada movimento dos participantes seria transmitido em tempo real para os representantes e patrocinadores, como se um olho invisível pairasse sobre a ilha, captando tudo.
Essa vigilância mágica tornava o torneio não apenas um teste de sobrevivência, mas também um espetáculo. Cada vitória, cada derrota, cada traição ou aliança seria observada e analisada. Para os participantes, isso significava que cada ação seria julgada não apenas por suas consequências imediatas, mas pelo impacto que teria fora da arena — um jogo de poder, honra e reputação, onde as Casas e seus patrocinadores estavam de olho em cada detalhe.
Jorjen, que até então havia mantido um semblante sério, murmurou ao meu lado, a voz carregada de preocupação:
— Um battle royale… Esses torneios são sempre sangrentos e violentos. No último que presenciei, a quantidade de mortos foi assustadora. E os sobreviventes… alguns carregam cicatrizes, físicas e psicológicas, até hoje. Um grupo de garotas foi capturado e abusado repetidamente. Foi uma tragédia. Esse tipo de torneio estava proibido há anos…
As palavras dele bateram fundo, evocando imagens sombrias. Imediatamente, a figura de Cass invadiu minha mente. O pensamento de que ela poderia estar exposta a esse tipo de perigo era insuportável. Eu precisava encontrá-la. Precisava protegê-la no torneio que se aproximava. O tempo estava correndo, e o destino meu e dela dependia das escolhas que faríamos nos próximos meses.
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