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    Ao retornar, percebi os olhares se voltando para mim. Havia espanto em suas faces, como se não tivessem notado minha breve ausência. Bom sinal. Niana e Pandora já se recolheram, e eu mesmo estava pronto para deitar quando a voz de André me chamou de volta.
     

    — Por que você está brilhando, Lior?
     

    — Hein?
     

    Baixei os olhos e o choque veio. Um leve fulgor azulado, quase como fósforo em brasa, emanava da minha pele. Não era apenas meu corpo. As roupas, os cabelos, até o chão que eu havia pisado, tudo deixava rastros luminosos. Segui com os olhos o arco que havia desenhado pelo céu noturno, e lá estava: um fio prateado, como uma estrela cadente suspensa, denunciando cada passo, cada movimento meu.
     

    O coração afundou no peito.
     

    — Os esporos… — murmurei, lembrando daquelas hastes fúngicas sendo agitadas de forma febril pelas criaturas, espalhando poeira viva no ar. Não era um ataque qualquer. Estavam me marcando.
     

    — Rápido, preparem-se! — exclamei, o tom mais alto que o pretendido. A sensação de segurança que o congelamento dos esporos me dera havia evaporado num sopro. — Chamem Pandora e Niana também!
     

    A questão já não era se seríamos atacados, mas quando.
     

    A tensão se espalhou pelo grupo como veneno. O ar parecia engrossar, pesado como uma corda de cânhamo esticada ao limite. Ninguém falava, mas os olhos se cruzavam em silêncio, confirmando aquilo que todos já sabiam.
     

    O ataque não tardou. Quinze minutos após meu regresso, ouvimos primeiro o trote. Um ritmo irregular, metálico, ecoando na margem. Então surgiu: uma criatura de forma equina, mas deformada pelo fungo que lhe devorava a carne. Cogumelos brotavam do dorso, e os olhos vazios, cheios de micélio, nos fixaram como se nos conhecessem. Quando ergueu a cabeça e soltou um guincho agudo, que dilacerou o silêncio da noite, senti o estômago revirar.
     

    O som não era apenas um brado. Era um chamado.
     

    E o chamado foi atendido.
     

    Em menos de meia hora, a margem do lago se coalhava de formas. Primeiro dezenas, depois centenas. Silhuetas cambaleantes, humanoides consumidos pelo fungo. Animais com espinhas arqueadas, membros multiplicados, costelas expostas e cobertas por crostas esbranquiçadas. Cada um carregava a mesma assinatura: a infecção fúngica transformando vida em carniça viva.
     

    Olhei para meus companheiros. Pensar em uma incursão agora era impossível. Era uma onda. Um mar de podridão prestes a se chocar contra nós. A única vantagem era que hesitavam em entrar no lago. Ainda.
     

    Até que um rugido rouco fez a água tremer.
     

    Do meio da turba, surgiu algo maior, uma forma grotesca lembrando um besouro de carapaça rachada. Ele empinou o abdômen e disparou um jato que vibrou contra o nosso campo protetor. O ar tremeluziu. A barreira resistiu, mas senti a drenagem da mana. Pouca energia a cada impacto, mas o suficiente para nos desgastar com o tempo.
     

    Pandora e Niana trocaram um olhar rápido e balançaram a cabeça. Ao redor, Marreta, André, Alissande, Cassiopeia, Karel, Germano, Cris, Calmon, Gus e Milena também assentiram em silêncio.
     

    Eu respirei fundo e concordei. Não podíamos apenas esperar, presos em defesa, como ratos no fundo de um buraco.
     

    — O que tiver de ser, será — murmurei, e envolvi a todos com minha telecinese. Em segundos, levantamos voo, atravessando o lago como um único corpo, até alcançar a margem oposta. O impacto da aterrissagem reverberou no solo úmido. À frente, um espaço mais amplo nos dava alguma mobilidade. Ali, poderíamos lutar.
     

    — Lembrem-se — avisei, erguendo a espada. — Eles são fracos contra fogo.
     

    O odor nos atingiu primeiro. Uma mistura pesada de terra úmida, podridão e um doce azedo que se agarrava ao paladar, como fruta apodrecida. O estômago se contraía involuntariamente. Então vieram os sons: guinchos, estalos de carapaças, respirações roucas. Uma orquestra dissonante de horrores se aproximando, coordenados por uma mão invisível.
     

    Eles não vinham apenas para matar. Vinham para nos enterrar sob a quantidade.
     

    — Atenção! — ergui a lâmina, sentindo-a pulsar com minha mana. — Gus, Milena, vocês ficam atrás. Quero fogo caindo neles sem cessar. Protejam nossos guerreiros e reforcem quem precisar. Guerreiros, não se deixem isolar. Unidos somos fortes. Se nos separarem, estaremos mortos.
     

    Um instante de silêncio, como a inspiração antes do grito.
     

    E então, num rugido uníssono, eles responderam:
     

    — LUTA!
     

    O som reverberou dentro de mim. Não éramos apenas um grupo improvisado, éramos um exército pequeno, mas decidido. E diante da maré fúngica que se movia, isso teria que bastar.

    A primeira onda veio correndo. E nós fomos ao encontro dela.
     

    O chão tremeu quando a primeira onda investiu contra nós. Eram rápidos, mas não disciplinados. Seres de corpos retorcidos, fungos brotando em veios verdes e alaranjados, dentes manchados de bile.
     

    — Avançar! — gritei.
     

    Alissande foi a primeira a se lançar, sua lâmina riscando um arco prateado que partiu uma criatura ao meio. Germano ergueu sua estranha arma e disparou, impedindo a carga de um humanoide corrompido, empurrando-o para trás com a força da explosão, abrindo espaço para que Karel atravessasse o peito de outra criatura com sua lança.
     

    À nossa retaguarda, o céu se acendeu quando Gus e Milena começaram a lançar colunas de fogo. As chamas se espalharam pelo campo, iluminando as formas retorcidas e arrancando gritos agudos. O cheiro de carne queimada misturou-se ao fedor de mofo.
     

    André golpeava com a precisão de um açougueiro experiente, cada movimento calculado, sem desperdiçar energia. Já Marreta esmagava inimigos em uma cadência brutal, ossos quebrando a cada impacto.
     

    Por alguns instantes, funcionamos como uma máquina de guerra. Cada ataque, cada defesa, se encaixava. O campo virou uma sinfonia de aço, fogo e gritos.
     

    Mas a harmonia começou a rachar.
     

    Calmon se adiantou demais, sua respiração pesada denunciando que o fôlego já falhava. Dois inimigos o cercaram, e seu grito foi mais de desespero do que de guerra.
     

    — Protejam o flanco! — bradei, enquanto Pandora saltava à frente para afastar os atacantes.
     

    Germano também vacilava; seus tiros eram certeiros, mas cada impacto parecia abalar mais a ele do que ao inimigo. A resistência não era a mesma dos que tinham seus sois de mana. Logo, percebi que a confiança de que todos poderiam aguentar não era real.
     

    Niana se aproximou de mim, o olhar sério.
     

    — Eles não vão resistir muito tempo. Alguns são fortes… outros serão apenas alvos em algum tempo.
     

    Antes que eu pudesse responder, um guincho mais profundo e vibrante atravessou o campo. O chão tremeu. Das trevas, novas silhuetas começaram a surgir. Criaturas maiores, carapaças brilhantes cobertas de fungos pulsantes.
     

    O primeiro embate mal havia começado, e já estava claro: a noite ainda ia se alongar, e muito.

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