Capítulo 222: Nada é fácil
Quando puxei Cris, Milena e os demais para fora do buraco com a minha mente, o esforço me deixou ofegante. Minhas mãos tremiam e a cabeça latejava como se fosse explodir. Mas não tive tempo para descanso. A voz de Pandora ainda ecoava em minha mente, firme e urgente:
“Estamos precisando de você.”
Ergui os olhos, e o campo de batalha se abriu diante de mim como um pesadelo vívido. Estava iluminado pelo resto do fogo que queimava em focos distintos que se refletia nas lâminas ensanguentadas, nas carapaças quebradas, nos corpos exaustos que resistiam por pura teimosia.
O grande cupim fúngico que havia aberto o buraco agora era apenas uma carcaça retorcida, mas sua morte parecia ter mudado algo no enxame. As criaturas menores estavam diminuindo de número, era como se não viessem reforços atrás delas. Ainda assim, não havia trégua. Os maiores e mais fortes continuavam avançando. E eram eles que importavam.
Pandora estava à frente, lutando ombro a ombro com Cass. Os movimentos dela eram calculados, frios, cada golpe cravando-se com precisão letal. Cass, ao contrário, parecia movida por pura fúria, sua espada descrevia arcos devastadores, rachando carapaças como se fossem cascas frágeis. Mas até elas começavam a ceder terreno, obrigadas a recuar passo a passo.
Alissande sangrava de um corte no ombro, mas continuava firme, erguendo o escudo com uma tenacidade quase sobre-humana. André mal se mantinha de pé, sua respiração entrecortada, mas não deixava o lado de minha meia-irmã.
Germano, do outro lado, tinha caído de joelhos, se limitava a se defender, via-se no olhar dele que a sua energia havia se esgotado.
Meu coração disparou. Se continuássemos assim, em minutos não restaria ninguém.
Avancei alguns passos, ainda recuperando o fôlego, e deixei a mana correr pelo meu corpo. Minha lâmina brilhou com um tom incandescente, fogo e mana fundindo-se como uma só coisa.
Ao meu lado, Cris, saltou também para a batalha. Com uma mão, lançava raios de gelo, com a outra desferia cortes com a espada.
— Lior! — Cass gritou ao me ver. — Finalmente!
Pandora lançou-me um olhar rápido, e, mesmo sem palavras, soube exatamente o que ela queria dizer: Hora exata.
Corri. A primeira criatura veio em minha direção, uma aberração do tamanho de uma carroça, com garras cobertas de fungos pulsantes. Desviei para o lado, rolei no chão e, antes que ela pudesse girar o corpo, enfiei a espada em sua lateral. A lâmina atravessou carapaça e carne, e a energia flamejante explodiu de dentro para fora. A criatura urrava enquanto seu corpo ardia, espalhando cheiro de carne queimada misturado a mofo.
Não parei.
— Recuem! — berrei para todos. — Se protejam! Cuidem dos feridos! Agora é comigo!
Niana, teimosa, surgiu ao meu lado, como uma sombra veloz. Seus movimentos eram tão fluidos que mal conseguia acompanhar. As garras dela rasgavam tendões, olhos, juntas, abrindo brechas para que eu pudesse finalizar com golpes mais pesados.
Cris apareceu logo depois, girando sua espada em um golpe horizontal que lançou uma criatura contra uma pedra, esmigalhando seu crânio.
Senti uma chama reacender em meu peito.
E então, vi a maior das criaturas restantes: uma monstruosidade com seis patas, mandíbula gigante e fungos crescendo em sua coluna como chifres. Era a líder. Se caísse, seria fácil terminar com o restante.
— Aquela! — apontei, e Pandora assentiu sem hesitar.
O ataque foi coordenado sem que precisássemos de palavras. Pandora desviou para a esquerda, atraindo parte da atenção. Niana correu pelo flanco direito, rápida como vento. Eu avancei pelo centro, a lâmina brilhando como um cometa em chamas.
A criatura rugiu, avançando. Suas patas esmagaram o chão, abrindo crateras de terra e poeira. Senti o impacto reverberar pelo corpo, mas mantive o curso. Telecinésia. Energia pura. Lancei pedras e destroços contra sua face, forçando-a a se inclinar. Cass aproveitou a abertura e atingiu uma das patas, rachando a carapaça.
A fera urrou, a mandíbula tentando me alcançar. Segurei com ambas as mãos a espada e concentrei toda a mana que restava. A lâmina pegou fogo, um clarão que iluminou o campo de batalha. Avancei, gritando, e cravei a espada no ponto onde a carapaça se encontrava com o pescoço.
O fogo explodiu.
A criatura se contorceu em agonia, os fungos em sua coluna queimando como tochas. Pandora aproveitou a brecha e perfurou o coração do monstro com sua lâmina fina, certeira. Cass completou, esmigalhando a cabeça com um último golpe brutal.
Silêncio.
As demais criaturas, menores, hesitaram. A vontade de lutar delas parecia ter desaparecido. Foram alvos fáceis. Em pouco tempo, tinham sido derrotadas.
Ofegante, ajoelhei-me, apoiando a espada no solo. O suor escorria pelo rosto, a respiração curta.
— Terminou? — perguntei, olhando para Pandora.
Ela olhou em volta, avaliando o campo. Os corpos espalhados, os gemidos dos feridos, a poeira ainda suspensa no ar.
— Por enquanto. — A voz dela era calma, mas seus olhos mostravam o peso da batalha. — Mas não pense que acabou.
Cass riu, cuspindo sangue no chão. — Que venha o próximo enxame.
Olhei em volta, procurando Gus, Karel, Cris, os demais. Muitos estavam feridos, exaustos, mas vivos. Havíamos vencido… ao menos, essa luta.
Mas no fundo, uma sombra permanecia em minha mente. Se o cupim fúngico e essa líder eram apenas a vanguarda, o que mais ainda estaria à espreita, esperando pela hora certa de nos esmagar?
O silêncio que veio depois da última criatura tombar foi quase estranho. Por alguns segundos, ninguém moveu um músculo. Só o som de respirações pesadas, gemidos de dor e o farfalhar distante da floresta tentando se recompor depois da carnificina.
Minhas mãos tremiam enquanto limpava o sangue escuro da lâmina. Não sabia mais dizer se era dos monstros ou de algum companheiro que eu havia defendido às pressas. O cheiro de queimado ainda subia das carcaças, e parte da margem do lago estava tomada por fumaça e pedaços de carapaças quebradas.
— Acabou…? — Milena perguntou, voz rouca, o rosto suado e manchado de cinzas.
— Por enquanto — respondi, sem a coragem de afirmar mais do que isso.
Pandora cambaleava, apoiada em Cass, o braço esquerdo cortado até o ombro. Alissande ainda se mantinha firme, mas dava para ver que cada respiração era uma vitória contra a exaustão. André se sentou sobre um tronco caído, segurando a coxa ferida, o sangue escorrendo em linhas grossas.
— Se não fossem vocês… — Germano murmurou, a expressão marcada pela derrota, mesmo que ainda estivéssemos de pé.
Não respondi. A vitória parecia amarga demais para comemorar.
Reunimos os feridos, improvisando talas e bandagens com o que havia sobrado dos mantimentos. Marreta gemia baixo, apoiado por Calmon, mas ainda vivo. Gus começava a recobrar a consciência, e Karel respirava fundo, embora pálida como neve.
Quando enfim conseguimos nos organizar, Pandora ergueu o rosto e falou no nosso elo telepático, a voz clara em meio ao cansaço:
“Temos que voltar para o acampamento. Aqui não é seguro.”
Concordamos em silêncio. De uma única vez, os envolvi com minha magia e flutuamos de volta. As águas calmas refletiam a lua, em contraste cruel com o que tínhamos acabado de enfrentar. O acampamento, no centro da pequena ilha improvisada, parecia nos receber como um abrigo, mas também como uma armadilha.
Nos reunimos em círculo, alguns deitados, outros sentados, todos com os olhos pesados. Pandora se manteve em pé, apesar do ferimento, olhando para todos nós.
— Eles sabem onde estamos — disse Cass, quebrando o silêncio.
— Se ficarmos, eles vão voltar — completou André, a voz tensa. — E da próxima vez, talvez não tenhamos a mesma sorte.
Olhei para as águas ao redor. A ilha nos protegia, nos isolava, mas também nos prendia. Se partíssemos, estaríamos expostos em território desconhecido. Se ficássemos, seria questão de tempo até sermos encurralados.
— O que fazemos então? — perguntei, encarando cada um dos rostos cansados.
Ninguém respondeu de imediato. Apenas o barulho suave da água contra as margens do lago preencheu o espaço entre nós.
Uma escolha precisava ser feita.
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