Capítulo 225: Retribuição
Antes do final do dia, resolvi realizar uma nova varredura pelo terreno ao nosso redor. Era fundamental manter o registro do movimento inimigo; cada detalhe poderia significar a diferença entre sobrevivência e desastre. O ataque daquela manhã ainda estava fresco em minha mente, o eco das explosões e o cheiro de queimado pareciam grudados na pele. Não tinha dúvidas de que uma retaliação viria, e, se não me antecipasse, seríamos pegos desprevenidos.
Assim que deixei o solo, não percorri nem quinhentos metros antes de avistar o primeiro batedor. Uma criatura disforme, lembrando um bode montanhês coberto por apêndices fúngicos que se agitavam como se respirassem. Havia algo de profundamente errado em sua presença, como se fosse apenas um casulo animado por uma força parasita. Não lhe dei tempo de reagir: um disparo energético certeiro atravessou seu crânio, reduzindo-o a uma sombra de carne e fungo.
Seguindo em frente, esquadrinhei os arredores com calma, atento a qualquer movimento suspeito. Interceptei outros cinco batedores espalhados pelas encostas, cada um farejando o vento como cães atrás de uma presa invisível. Procuravam por nós, mas não sabiam exatamente onde estávamos. Isso me deu uma vantagem preciosa.
Quando sobrevoei as planícies, vi que o inimigo se reunia novamente em pequenas formações dispersas. O coração acelerou com a visão, e um sorriso involuntário se abriu no rosto. Desci em rasante e desatei a disparar, incendiando o chão com rajadas que deixavam atrás de si labaredas persistentes. Foi quase catártico observar os inimigos se desordenarem, correndo sem rumo, incapazes de entender de onde vinha a fúria que os despedaçava.
Persegui os fugitivos de cima, como uma ave de rapina, frustrando qualquer tentativa de reorganização. Havia algo de primitivo naquela caçada que me fazia esquecer, por alguns instantes, o peso da guerra. Cada abate era uma pequena vingança. Haviam nos tomado três companheiros anteriormente, e talvez teriam levado todos nós se eu não tivesse percebido a tempo o perigo.
Depois de um bom tempo varrendo o céu, decidi retornar. Refiz o caminho de volta ao acampamento, atento a cada sombra, a cada pedra que pudesse esconder outro batedor. Não encontrei mais nenhum, e isso só reforçou minhas suspeitas.
Quando finalmente pousei, Alissande foi a primeira a notar meu semblante.
— Tá todo animadinho… que houve? — perguntou, arqueando a sobrancelha.
Ri, e antes que percebesse já estava contando o que havia feito. Os homens se aproximaram para ouvir, e, a cada detalhe, explodiam em gritos e vivas. O peso que pairava sobre o grupo parecia ter se dissipado por alguns minutos; até os feridos sorriam.
A noite caiu pesada. O frio veio com força, trazendo neve que se acumulava contra o campo de força do acampamento, pesando sobre ele e drenando mana em excesso. Não era algo que me preocupasse muito; mantive meu sol de mana absorvendo energia com regularidade. Mesmo assim, era um lembrete constante de que cada recurso ali era precioso.
Apesar da temperatura, o humor havia mudado. Havia vida nos olhos do grupo. Até Karel, Marreta, Gus e Calmon, todos ainda debilitados, riam ao redor da fogueira. Milena, por sua vez, revelara um talento inesperado para magia de cura. Passara a tarde inteira testando suas habilidades, concentrada em cada feitiço, e o resultado já se fazia notar: os ferimentos cicatrizavam mais rápido, e os semblantes de dor davam lugar a expressões aliviadas. Pela manhã, estariam quase recuperados.
Sentado diante das chamas, vi André e Calmon se aproximarem.
— Qual o plano agora? — perguntou Calmon, com a voz baixa, quase reverente.
— Amanhã pretendo realizar uma nova incursão aérea nas planícies. Tenho uma teoria — respondi, sem rodeios.
Eles se entreolharam, atentos. Pandora chegou logo depois, apoiando a mão em meu ombro, silenciosa, mas presente.
— Desde que chegamos, não vi outras criaturas além daquela ave gorda… — comentei.
— E os peixes… — completou André.
— É, e os peixes… — concordei. — Mas fora isso, nada. O que quer que tenha tomado essas terras já o fez há muito tempo. Essas criaturas infectadas não são fauna comum, são extensões de um exército, peças de um mecanismo maior. Lembro bem: não possuem núcleo de mana próprio. O que significa que, cada vez que eliminamos uma, estamos enfraquecendo quem se sustenta deles. Estamos cortando o suprimento que alimenta essa raça.
Olhei ao redor e percebi que Milena, Gus, Cris, Cassiopeia e Alissande também tinham se aproximado, formando um círculo atento.
— Diria até que estão ficando desesperados. Os próximos ataques não serão abertos, como antes. Aposto que vão começar a vir eles mesmos, sem gastar suas tropas de forma inútil. E cada criatura perdida é um núcleo a menos, uma fagulha a menos na fogueira que os mantém de pé.
— A incursão de amanhã então…? — perguntou Gus.
— Continua — respondi. — Vamos eliminar tudo que encontrarmos. Cada inimigo abatido é uma vitória que não pode ser revertida. Eles estão presos nesta ilha conosco, sem reforços. Não há mais criaturas aqui que não tenham sido tomadas. Essa é a nossa vantagem.
O silêncio que se seguiu foi denso, mas não pesado. Todos pareciam absorver as palavras. Por fim, Calmon murmurou:
— Faz sentido… muito sentido.
— Então vamos descansar — concluí. — Amanhã teremos respostas.
Um a um, eles se retiraram para suas barracas. Quando me levantei para fazer o mesmo, Pandora interceptou meu passo com a mão em meu peito.
— Você me salvou de novo… — disse, os olhos firmes nos meus.
— Nada mais que minha obrigação.
Niana observava de longe, orelhas em pé, e não pude deixar de engolir seco, preocupado com o que ela diria a sua irmã quando voltássemos.
— Quando voltarmos… você vai se casar, não é? — perguntou Pandora, sem rodeios.
— Você sabe tão bem quanto eu — desconversei, tentando encerrar o assunto. Ela tinha ajudado a Claire escolher as cores das flores.
Ela sorriu de canto, provocante.
— Então me procure antes do casamento. Preciso te agradecer como deve ser. Mas só antes. Não me envolvo com homens casados.
Virou-se e caminhou até a própria tenda, jogando um beijo no ar para Niana, que apenas balançou a cabeça, como quem diz: “humanos…”
Fiquei parado, suspirei fundo e murmurei para mim mesmo:
— Por que isso sempre acontece comigo? A fama de mulherengo depois vai me acompanhar. Elas se jogam e o culpado sou eu…
Sem esperar nenhum tipo de resposta, segui para meu saco de dormir.
Na manhã seguinte, deixamos o acampamento ao primeiro sinal de luz. Não queria dar ao inimigo tempo para respirar. No caminho, desviei, expliquei que procurávamos batedores, mas não encontramos nenhum. Isso só reforçava minha teoria. Não queriam perder mais nenhuma criatura a toa.
Seguimos até as planícies. O cenário era desolador, marcado por cicatrizes das batalhas anteriores. Entre as marcas, encontramos uma trilha funda, arrastada no solo, sinal de que uma tropa inteira havia se movido sem qualquer esforço em esconder a passagem.
As pegadas nos levaram ao norte, em direção à cordilheira. E ali, nos pés da montanha, a resposta se escancarou diante de nós: uma caverna colossal, sua entrada escura como uma boca aberta, engolindo o que restava das tropas inimigas.
Olhei para os companheiros.
— Vamos voltar. A partir daqui, só conseguiremos continuar a pé. Precisamos reunir os outros e decidir juntos como avançar.
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