Capítulo 227: Luta na caverna
Retirei a proteção de cima de todos. O esporo parecia, à primeira vista, ser completamente inerte e inofensivo, apenas o resíduo liberado pela explosão dos estranhos cogumelos que tinham surgido como uma pequena e engraçada tropa. Mesmo assim, ninguém se moveu de imediato.
Os olhares estavam carregados de desconfiança. Cada passo dado soava incerto, indeciso. Era fácil entender a cautela: Até agora, tudo o que parecia inofensivo quase sempre se revelava um prenúncio de tragédia.
Os esporos, finos como pó de farinha, formavam um tapete branco que recobria toda a extensão do espaço onde estávamos. Bastava o toque de nossas botas para que se erguesse uma nuvem rala, dançando no ar até a altura de nossos joelhos. Pequenos redemoinhos se formavam, reagindo ao deslocamento de ar e ao som metálico das armas que carregávamos.
Imediatamente me concentrei, deixando a mana correr em meu corpo, atento a qualquer mudança. Queria ver o comportamento da substância com todos nós expostos, se alteraria ou reagiria à nossa presença. Nada. Apenas silêncio e aquela estranha calmaria. Respirei aliviado, ainda que parte de mim se recusasse a confiar naquela aparente tranquilidade.
— Bem… — exalei, soltando o ar devagar, para que todos me ouvissem. — Aparentemente não temos com o que nos preocupar.
Ninguém pareceu convencido. O alívio foi apenas momentâneo, mascarando a tensão. As expressões endurecidas e os músculos tensos denunciavam: estávamos todos com os nervos à flor da pele.
Continuamos descendo. Eram grandes salões irregulares, repletos de colunas naturais de pedra cobertas de líquen luminescente formando uma vastidão subterrânea. Nem bem andamos cem metros e o som de rosnados graves reverberou pela escuridão adiante. Era como se algo estivesse nos aguardando. Junto com aquele ruído animalesco, outro som se somava ao ambiente: o buzinado abafado dos cogumelos de chapéu vermelho, ecoando em intervalos regulares, quase como uma cadência militar.
Não demorou para que a origem do som se revelasse. Um grupo de umas trinta criaturas infectadas surgiu da sombra, emergindo do negrume com olhos fosforescentes e movimentos coordenados. Tinham a forma grotesca de lagostas bípedes, as carapaças cobertas de fungos parasitários, e pinças afiadas como lâminas metálicas que se fechavam em estalos secos e ameaçadores.
Assim que nos viram, partiram em nossa direção em um rosnado coletivo que arrepiava até a espinha.
— Preparar para o contato! — gritei, erguendo a espada.
A resposta foi imediata. Gus, Milena e Germano se posicionaram para cobrir nossas costas. Eu, Pandora e Niana formamos a linha de frente, prontos para segurar a primeira onda. O ar cheirava a umidade, metal e podridão.
O impacto foi violento. As criaturas avançaram em massa, as pinças se chocando contra nossas armas e armaduras com força descomunal. Gus disparava explosões controladas, cada estilhaço iluminando por instantes o breu da caverna. Milena, firme, liberava rajadas de fogo que carbonizavam as carapaças.
Esquivei de uma pinça que tentou arrancar minha cabeça e contra-ataquei com precisão. Minha lâmina atravessou o braço da criatura, partindo-o com um estalo. Uma gosma negra e fétida jorrou da ferida, fumegando ao tocar o chão. Marreta, aproveitando a abertura, esmagou a cabeça do monstro com seu martelo dourado, espalhando fragmentos do exoesqueleto em todas as direções.
Em poucos minutos, a primeira leva de monstros já estava reduzida a carcaças retorcidas. Porém, não havia tempo para descanso. Uma nova onda avançava. Desta vez, entre eles, vinham os cogumelos ambulantes de chapéus vermelhos, os mesmos que havíamos visto explodirem antes.
Eles não vinham à toa. Estavam planejando algo.
Olhei ao redor e percebi: a agitação do combate tinha levantado ainda mais esporos do solo. O tapete branco já não era apenas uma fina camada; agora era uma nuvem que se acumulava a cada golpe, e a cada deslocamento ficava mais densa.
A segunda leva avançou. Gus e Milena agiram rápido, lançando explosões certeiras. O impacto fez com que os cogumelos explodissem em cascata, liberando volumes massivos de esporos. Em segundos, a caverna se encheu de um nevoeiro branco, sufocante.
Senti o coração apertar. Entendi a tática deles. Não se tratava apenas de números: era um jogo de terreno. Queriam nos privar dos sentidos. Os esporos não bloqueavam apenas a visão, mas abafavam sons e distorciam as percepções mágicas.
O primeiro ataque havia sido apenas uma distração, uma isca para nos fazer baixar a guarda. O segundo era para nos dispersar. E funcionara: estávamos separados. A luta contra as lagostas havia nos espalhado.
— Cuidado! Vamos nos reunir novamente! — gritei. Mas minha voz soou abafada, como se falasse debaixo d’água. Apenas Pandora e Niana, próximas o bastante, ouviram.
Logo depois, uma explosão ressoou nas linhas de trás. A onda de calor fez a nuvem de esporos subir ainda mais, até que a visão se apagou completamente. Era como estar submerso em um mar branco e silencioso. Nenhum contorno, nenhuma cor, nenhum som.
Senti uma mão segurar meu braço. Era firme, humana. Pandora. Estendi a outra mão às cegas, procurando Niana. Por pouco não levei um golpe, mas ela reconheceu meu toque antes de reagir.
— Vamos tentar chegar em Gus e Milena! — gritei, puxando ambas. — Recuar é nossa única chance!
Meus sentidos estavam comprometidos. Cada passo parecia nos levar para lugar nenhum. Algo estranho roçou em meu ombro, tentando me agarrar, mas a força combinada minha, de Pandora e Niana afastou a ameaça. Ainda assim, temi pelos demais.
Esbarrei em outra figura. Um grito agudo escapou.
— Calma! Sou eu! — gritei para poder ser ouvido.
A voz de Milena respondeu, trêmula, soava próxima do desespero.
Ela chorava. Deixei que Pandora a segurasse, mas não havia tempo para consolo. Estávamos sem visão, sem audição, sem magia. Presos em uma prisão branca.
A voz de Niana, baixa como um sussurro, rompeu o vazio:
— Faça alguma coisa, Lior. Os outros estão sozinhos.
Trinquei os dentes. Tentei me conectar à mana ambiente, mas os esporos a bloqueavam. O tempo corria contra nós. Cada segundo poderia ser fatal.
Sem outra saída, mergulhei em meu próprio sol de mana. Deixei seu calor irradiar do meu núcleo para cada extremidade, queimando a pressão que os fungos tentavam impor. Concentrei-me em uma runa de vento. Alterei-a, moldando-a para girar em torno de nós, criando um vórtice.
— Segurem-se! — gritei, forçando a energia a expandir.
O ar começou a rodopiar, levantando as partículas em espiral. A nuvem se deslocava, lentamente abrindo clareiras. Direcionei o vento para a saída da caverna, empurrando os esporos para longe. O branco se dissolveu. As sombras voltaram.
Nem bem recuperamos os sentidos, um rugido profundo e vibrante preencheu o ambiente. O som parecia vibrar nos ossos, como se o próprio chão tremesse.
Das trevas, surgiu a verdadeira ameaça. Um monstro colossal avançava lentamente, cada passo retumbando como uma batida de tambor. Parecia um caranguejo deformado, com cinco metros de diâmetro e três de altura. As pinças, maiores que um homem, batiam umas contra as outras em um estalo metálico. Por todo seu corpo, apêndices fúngicos pulsavam, como se respirassem. Suas juntas estalavam de maneira grotesca, liberando fiapos de micélio no ar.
— Droga… — murmurei, erguendo a espada.
Pandora já havia se colocado ao meu lado, lâmina em punho, olhos faiscando determinação. Niana arqueava o corpo, expondo as garras afiadas, enquanto Milena enxugava as lágrimas rapidamente, recuperando a compostura.
Não havia espaço para hesitação.
Ergui minha espada, sentindo o peso da responsabilidade e da vida de cada um ali.
— Vamos!
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