Capítulo 229: Levados
A raiva borbulhava. Eu sentia meus companheiros sendo levados cada vez mais para dentro da montanha numa velocidade absurda. Era como se mãos invisíveis os arrastassem por túneis que se formavam ao redor deles. O vínculo telepático latejava em mim, mas toda vez que eu tentava alcançá-los, recebia apenas um eco vazio. Estavam desacordados. Podia sentir que ainda viviam, mas não havia mais consciência para responder ao meu chamado.
Ao meu lado restavam apenas Pandora, Niana e Milena. As únicas que não tinham sido capturadas. O olhar de cada uma refletia o mesmo que eu sentia: fúria e impotência.
— O que vamos fazer, Lior? — Milena perguntou com a voz trêmula, mas firme.
— Vamos atrás deles. Isso é certo. — fechei os olhos, buscando os pontos de luz que se moviam no vazio da montanha. — Estão sendo levados cada um para um canto diferente.
Me concentrei, filtrando as sensações até reduzir tudo a linhas de energia que se afastavam de mim. Então, um aperto.
— Não! — exclamei, abrindo os olhos. — Eles foram divididos em três grupos. Não consigo distinguir quem é quem, mas consigo dizer a posição.
— Por onde começamos? — Pandora me encarou, a espada ainda manchada da gosma do caranguejo que havíamos derrotado.
Minha vontade era pedir que elas recuassem, que me deixassem seguir sozinho. Eu seria mais rápido, mais eficiente. Não teria que me preocupar com ninguém. Mas antes mesmo que abrisse a boca, Pandora me cortou com a frieza de quem sabia exatamente o que se passava na minha cabeça.
— Nem pense nisso. Eles são nossos amigos também.
Relutante, assenti. Era verdade. E, de certo modo, sabia que Pandora, Niana e Milena eram mais fortes do que elas próprias acreditavam.
— Combinado. Mas deixem a ação principal para mim. Vou lutar com tudo agora.
Elas trocaram olhares silenciosos. Pandora arqueou a sobrancelha com um meio sorriso, como se perguntasse se até aqui eu só estava brincando. Ignorei.
— Cheguem perto e se segurem.
Expandi meu campo telecinético ao redor de nós, envolvendo nossos corpos com a mesma pressão protetora de um casulo. Ajustei os cálculos mentais rapidamente, definindo a trajetória em direção ao ponto mais próximo. Então, com uma explosão de força, nos lancei para dentro da terra e da rocha.
O mundo se tornou uma torrente de pedras transmutadas, abrindo caminho como se a montanha fosse argila sob minhas mãos. Minha mente se dividia em várias tarefas ao mesmo tempo: transmutar a terra, sustentar o campo ao nosso redor, controlar a velocidade para não esmagar ninguém e manter o foco no rastro dos companheiros capturados. Cada segundo de atraso pesava como chumbo.
Reduzi a velocidade quando nos aproximamos do alvo. Não podia arriscar ferir quem estivesse lá dentro. Mesmo assim, sabíamos que já tínhamos perdido minutos preciosos.
Atravessamos a última camada de rocha e emergimos numa câmara imensa. Estalactites pendiam do teto como presas, e o chão era coberto por cogumelos finos e altos, lembrando hastes vibrantes que pulsavam com luz fraca. No centro, um dos cupins cavadores gigantes se agitava, suas mandíbulas chacoalhando com estridência. E então senti: nossos amigos estavam dentro dele.
A raiva me consumiu. Sem hesitar, concentrei energia no núcleo e liberei uma carga de mana pura. O feixe atingiu o abdômen do monstro e explodiu, abrindo um buraco grotesco. O cupim guinchou, mas continuava vivo.
Ao mesmo tempo, os cogumelos da câmara reagiram. Raios de energia azulada saltaram de suas hastes, zunindo pelo ar. Cada disparo era como o meu próprio ataque, concentrado em pura mana. O campo de força tremeu sob o impacto, faiscando com estalos. Tive que despejar ainda mais energia nele para manter a defesa.
— Cuidem do cupim! — gritei. — Eu seguro os cogumelos!
As três assentiram sem hesitar. Pandora avançou como uma sombra veloz, a espada descrevendo arcos dourados no ar. Niana rugiu e se lançou em sua forma de batalha, garras faiscando ao cortar o exoesqueleto do cupim. Milena ergueu as mãos e conjurou lanças de cristal, que se cravaram no corpo da criatura, estourando explosões internas.
Enquanto isso, mirei nos cogumelos. Não havia mente atrás daqueles disparos, apenas repetição. Mas havia algo estranho: percebi que seus ataques estavam copiando o padrão da minha própria mana. Observavam e aprendiam.
— Malditos! — rosnei, infundindo mana na espada e correndo em direção a eles.
O combate foi brutal. Cada cogumelo erguia campos de proteção semelhantes aos meus, refletindo feixes de energia que tentavam me cortar em pedaços. Para superá-los, precisei improvisar. Alterei a forma das runas na mente, variando os elementos. Chamas, gelo, rajadas de vento, cada golpe era um teste, até que consegui despedaçá-los um a um.
Atrás de mim, o som da espada de Pandora rachando quitina, os rugidos de Niana e as explosões de Milena diziam que o cupim estava prestes a cair.
Por fim, quando os últimos cogumelos tombaram partidos, voltei a tempo de ver Pandora e Niana rasgando o abdômen do cupim e puxando de dentro dele Germano, Cris e André. Os três estavam inconscientes, envoltos em micélios que cobriam boca e nariz.
Milena se aproximou, a mão já erguida para retirar os fungos, mas ergui a palma, impedindo.
— Espere. Deixe-me analisar primeiro.
Ela recuou, mordendo o lábio.
Niana, metade do corpo coberta pela gosma preta do inimigo, bufou.
— Lá dentro havia daquelas lagostas também. Estavam protegendo eles.
Nem bem ela terminou, o chão tremeu. A vibração percorreu meus pés como se a montanha respirasse. Sem pensar, ergui outro campo ao redor das garotas e dos inconscientes.
Do teto da caverna, um cogumelo verde colossal formou-se, abrindo-se como uma flor venenosa. Uma onda psíquica atingiu minha mente, tentando penetrar, obrigando-me a cravar os pés no chão para não me ajoelhar.
Senti a conexão imediata: aquele ser estava ligado aos cogumelos que eu havia destruído. Era a consciência central.
Avancei. Mas um campo translúcido bloqueou meu caminho.
Explodi meu sol de mana, liberando energia num volume insano. O campo oscilou, tremendo como vidro prestes a se quebrar. O cogumelo urrou sem boca, e disparou um raio de pura energia em minha direção.
O feixe cruzou o ar em um segundo. Rolei para o lado, sentindo os pelos do braço chamuscando. Conjurei então uma explosão de fogo controlada, como as que usava contra hordas de mortos vivos, mas desta vez fiz as chamas nascerem dentro da carne do inimigo.
O cogumelo berrou. Tentou se enterrar na rocha, fugindo. Usei a telecinese para agarrá-lo, puxando-o de volta. O esforço quase me partiu ao meio. A criatura era absurdamente forte. No fim, quem foi arrastado fui eu.
Caí no túnel que ela cavara e fui puxado dezenas de metros até uma câmara subterrânea. O ar ali era podre, espesso. Centenas de criaturas infectadas me rodeavam: animais, humanos, feras irreconhecíveis. Todos ligados por raízes fúngicas que convergiam para um corpo bulboso verde, pulsante como um coração canceroso.
Senti a verdade: o poder do cogumelo vinha dali. As criaturas sugavam mana das pedras incrustadas nas paredes e o transferiam para a massa central.
O urro da criatura reverberou. Mas, ao me puxar até sua fonte, havia cometido um erro fatal.
— Agora você está perdido. — murmurei.
Fechei os olhos, concentrei meu núcleo e liberei tudo. O fogo branco emergiu de mim como uma aurora incandescente, mais quente do que qualquer chama que eu ousara conjurar perto dos meus amigos.
As criaturas guincharam quando o calor as atingiu. As raízes secaram e se partiram. A cada corpo que tombava, a massa fúngica enfraquecia. O bulbo se contorcia, emitindo ondas de energia para tentar conter as chamas, mas eu apenas alimentava o fogo, empurrando mais mana, até que a própria carne verde começou a arder.
Os gritos psíquicos atravessaram minha mente, mas não vacilei. Permaneci no centro do inferno que criara, permitindo que o fogo me lambesse, que a pele borbulhasse, que o ar queimasse em meus pulmões.
E então, finalmente, o silêncio.
A câmara estava carbonizada. Restos negros se desmanchavam em cinzas. Meu corpo tremia, minha pele borbulhava, mas não sentia dor. Apenas um prazer mórbido, uma satisfação cruel. Minha magia de cura funcionava em velocidade absurda, minha mana se esgotava, mas eu havia destruído algo que importava. Um cérebro. Um dos verdadeiros responsáveis por tudo aquilo.
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