Capítulo 230: Na caçada
O chão tremeu.
O abalo percorreu a caverna, um tremor forte no subterrâneo, fazendo poeira cair das paredes e rachaduras se abrirem sob nossos pés. Era diferente dos tremores normais da montanha. Esse carregava uma pulsação ritmada, como se fosse o batimento de um coração gigante. Senti imediatamente o que significava: as criaturas dali deviam ter detectado que um de seus irmãos havia caído.
Voltei às pressas pelo túnel que levava de volta até onde estava Pandora, Niana e Milena. O campo de proteção que deixara ao redor delas ainda estava firme, cintilando com uma luz azulada. Dentro dele, vi os corpos inconscientes de Germano, Cris e André, deitados lado a lado. Os micélios se contorciam em volta deles de forma grotesca.
Me ajoelhei ao lado de Germano e deixei a mana percorrer os filamentos fúngicos. Queria entender o que eram, como funcionavam. O que vi me deixou em alerta: não eram apenas parasitas. Eram condutores. Ligavam o corpo do hospedeiro ao núcleo fúngico central, drenando mana e impondo controle mental. Minha sorte que pareciam estar inertes agora, procuravam algo que não encontravam. O mestre que eu tinha destruído.
— Podem ser retirados. — falei baixo, para acalmar as garotas.
O olhar de Pandora se manteve fixo em mim. Niana rosnou de leve, ainda desconfiada. Milena respirou fundo.
Me aproximei de Cris. Os micélios em volta dele estavam diferentes: quebradiços, escurecidos, quase mortos. Ao tocar, percebi a razão. A mana de gelo de Cris havia congelado o fluxo vital do fungo, cortando a conexão. Um lampejo de pensamento me atravessou: aquela fraqueza era útil, ainda funcionava, não era apenas contra os esporos. Guardei a informação, não sabia, mas iria salvar minha vida mais tarde.
Ergui as mãos e invoquei a mana de aspecto gelado. Runa após runa se formou em minha mente, até que o ar ao redor se tornou frio como neve. Com um movimento controlado, solidifiquei os micélios, congelando-os até que se partiram como vidro. Fiz o mesmo com Germano e André, cuidando para não ferir seus corpos. Em minutos, estavam livres.
— Pronto. — murmurei, limpando o suor da testa. Pensei na ironia. Um calor abrasador, agora uma onda gélida.
Eles permaneciam inconscientes, mas respiravam. O vínculo que tinha colocado neles me mostrava que estavam saudáveis. Em breve estariam de pé, e lutando.
Olhei para as garotas. Suas expressões fechadas. Eu mesmo não sabia como seguir em frente.
— Vocês querem seguir comigo, ou ficar para protegê-los? — perguntei, indicando os desacordados com o queixo.
Pandora cruzou os braços, sem hesitar.
— Vamos juntos. Se ficarmos, poderemos ser novamente alvo de emboscadas.
Concordei.
Niana mostrou os dentes em um sorriso selvagem.
— Prefiro morrer lutando do que esperando.
Milena apenas assentiu, apertando as mãos com força.
— Está decidido. — respirei fundo. — Mas fiquem preparadas. O inimigo sabe que estamos nos movendo. Demos sorte dessa vez.
Elas concordaram com a cabeça.
— não sei o que nos espera, mas deixem a luta comigo, protejam eles.
— pode deixar — Milena disse, por todas.
Fechei os olhos, me concentrando novamente na posição de meus outros companheiros. As pequenas runas que havia deixado nos corpos deles se acenderam em minha mente como estrelas num céu negro. Foquei nos pontos mais próximos de nós.
— estão mais a norte, um companheiros abaixo. — murmurei. — A energia deles está vacilando um pouco, esses malditos estão fazendo alguma coisa. Estão quase reescrevendo a magia de localização.
Olhei para elas e franzi o cenho. Tínhamos perdido tempo demais.
— Segurem-se.
Expandindo novamente o campo telecinético, envolvi o grupo inteiro. Runas dançaram na minha mente. A rocha diante de nós se partiu como argila sob a força da minha transmutação. Avançamos como um projétil pelo subsolo, cavando um corredor que se regenerava atrás de nós.
Cada metro parecia mais pesado. A resistência da própria montanha aumentava, como se estivesse viva. O campo rangia, chiando como metal sob pressão. Mas não recuei, não podia.
Quando finalmente emergimos, estávamos diante de uma câmara colossal. O espaço se abria em uma abóbada gigantesca, iluminada por cristais de mana azulados cravados nas paredes. Raízes grossas, do tamanho de troncos de árvores, pendiam do teto e mergulhavam no chão, pulsando como veias cheias de sangue.
No centro, um cogumelo monstruoso se erguia, tão alto quanto uma torre. Seu chapéu era largo, irregular, coberto de filamentos luminescentes que escorriam como baba. O ar ali era denso, carregado de um cheiro pútrido.
E então os vi. Milhares de criaturas, suspensas, absorvendo a mana e nutrindo o monstro. Era uma cena grotesca e macabra. Entre eles, ainda não totalmente envolvidos, eu pude notar.
Cassiopeia. Gus. Calmon.
Estavam suspensos pelas raízes, seus corpos envoltos por cabos fúngicos grossos que se enroscavam em seus braços, pernas e pescoços. A energia pulsava por eles, drenando de seus núcleos e devolvida ao cogumelo central. Seus olhos estavam abertos, mas vidrados, fixos em nada.
Um nó de fúria me tomou.
— Cass… — sussurrei. — Minha querida irmã.
O cogumelo pareceu reagir ao som da minha voz. As raízes se agitaram, e um rugido psíquico percorreu a câmara, abalando meu campo de defesa. Senti a mente dele se estender até mim, sondando, cutucando, tentando invadir. Reforcei as barreiras mentais, mas o peso da presença era sufocante. Uma força psíquica densa e poderosa, como um antigo Deus esquecido.
Com um estalo, as raízes se contraíram.
Cassiopeia, Gus e Calmon foram soltos no chão diante de nós. Por um instante, pensei que estavam livres. Mas quando ergueram a cabeça, vi a verdade: seus olhos ardiam com a mesma luz verde do cogumelo. Seus corpos estavam rígidos, as veias pulsando em sincronia com o monstro no centro.
Eles não eram mais apenas eles.
O cogumelo usava seus corpos como marionetes.
Pandora deu um passo à frente, surpresa. — Não…
Cassiopeia avançou em nossa direção, a espada em sua mão já se revestindo de mana. Gus ergueu as mãos, e runas se formaram na frente de seus olhos. Calmon sacou sua espada. O poder a sua volta algumas dezenas de vezes maior que o dele próprio.
O rugido psíquico ecoou de novo.
E compreendi o jogo.
O cogumelo não iria nos enfrentar sozinho. Ele queria que nós lutássemos contra nossos próprios amigos. Contra minha irmã.
Trinquei os dentes, erguendo a espada.
— Droga…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.