Capítulo 232: No oceano de Cass
O mergulho não foi suave. Não havia o acolhimento do vazio ou a neutralidade fria de um oceano de mana comum. Atravessar a mente de Cassiopeia foi como mergulhar em um mar de raízes cortantes, cheias de espinho, emaranhadas, que se fechavam sobre mim com intenção de estrangular. O ar não existia; apenas umidade fétida, densa, que queimava minha pele mesmo sendo apenas uma representação.
E então vi.
O sol de mana da minha irmã, que eu conhecia tão bem, brilhava ao longe, ou pelo menos deveria. Em vez disso, estava recoberto por grossas vinhas espirituais, cobertas de micélios que pulsavam de forma grotesca. O brilho dourado de Cass, que sempre fora firme e vigoroso, estava empalidecido, sugado pouco a pouco pelo parasita. A visão me revoltou. Ela não era apenas um boneco, era sua fonte de energia.
No centro desse oceano distorcido, erguia-se a manifestação do inimigo. Um fungo antropomórfico, sua forma grotescamente ereta, como um homem feito de caule e esporos, exalando vapor negro de cada um de seus poros. Ele me fitava sem olhos, mas eu sentia a malícia que escorria daquele vazio.
E na palma aberta de sua mão deformada, jazia uma Cassiopeia em miniatura, uma garotinha, frágil, cabelos negros escorrendo sobre os ombros, incapaz de reagir. Um retrato da inocência dela, talvez da infância que eu lembrava.
— Ela é minha — murmurou o fungo, sua voz grave, mas a voz não vinha da representação. Ressoou em cada fibra da mente dela, e eu a senti vibrar dentro de mim. Seu oceano reverberava aquela voz. O inimigo era claro.
Avancei sem pensar. Meus pés tocaram o “chão” líquido do oceano, criando ondas azuladas que se chocavam contra as vinhas. A resistência foi imediata: estacas de fungo se ergueram ao meu redor, tentando me perfurar. Minha aura de mana queimou algumas, mas dezenas continuavam a brotar. Cortei com lâminas de energia, desfiz raízes com golpes de fogo e gelo, mas cada vez que destruía uma, duas surgiam no lugar.
A luta não era apenas física. A pressão mental me esmagava, e eu sentia o peso da conexão: o fungo a drenada, e para manter sua energia, eu tinha que usar meu próprio núcleo para estabilizar nossa ligação. Ele revidava, sugando mais e mais.
“Se eu insistir desse jeito, vou matá-la.” A consciência caiu como uma lâmina fria.
O fungo riu, um som pegajoso, ecoando como se as paredes de todo aquele espaço zombassem de mim. Em seguida, ergueu a mão que segurava a pequena Cassiopeia. Os dedos de caule se fecharam devagar, apertando-a. A menina gritou, um grito puro, cristalino, mas que me atingiu como uma espada afiada. A dor em mim era tão grande quanto nela.
Ele fez um corte no braço da garotinha e um corte surgiu em meu braço, real, ainda que eu estivesse apenas em projeção. A dor me deixou atônito. Ele não apenas usava a imagem da minha irmã: transformava sua dor em minha dor.
— Você não pode me vencer sem destruí-la — sussurrou a criatura. — E você não tem coragem para tanto.
Avancei outra vez. O chão se retorceu, criando muralhas de micélio que se moviam como se tivessem vontade própria. Cada passo exigia romper uma prisão diferente: garras que se fechavam em torno dos tornozelos, raízes que se enfiavam por debaixo da pele tentando sugar minha mana. O oceano inteiro era um corpo hostil, vivo, faminto.
Cassiopeia gritava de novo, e cada grito abria feridas em mim. Sangue escorria de cortes invisíveis. Minha respiração era ofegante, e percebi o quão perto estava do colapso.
Por um instante, hesitei. Será que esse era o fim?
Não.
Não podia permitir.
Não podia perder minha irmã aqui.
Fechei os olhos e respirei fundo. Lembrei-me do sol que brilhava dentro de mim, tão vasto e implacável que já havia me salvo inúmeras vezes. Se o dela estava aprisionado, eu teria que arriscar o meu.
“Me escute, Cass.” Minha voz ecoou em direção à garotinha, que chorava na palma do fungo. “Você não está sozinha. Nunca esteve. Eu vou abrir caminho, mesmo que me queime inteiro para isso.”
Abri meu sol.
A explosão foi imediata. Uma luz incandescente jorrou de mim, dourada e branca, expandindo-se em todas as direções. As vinhas mais próximas queimaram como papel, reduzidas a cinzas que o vento inexistente carregou. A criatura rugiu, recuando, erguendo barreiras de micélio para se proteger. Mas a luz avançava, rompendo camadas e camadas, desintegrando raízes, rasgando a teia psíquica.
A dor foi insuportável. Senti minha mana ser drenada como se meu corpo real estivesse em combustão. Cada fagulha de luz que eu espalhava era um pedaço de mim que se partia. Mas não recuei.
O fungo tentou reagir. Usou a imagem da pequena Cass para me atacar, e por um instante ela correu até mim com uma adaga em mãos, olhos cheios de ódio. Hesitei, era ela, a criança que eu lembrava, mas a luz me envolveu e, quando a lâmina atravessou meu peito, apenas se desfez em pó.
— NÃO! — gritou o fungo. Sua voz rachou, e percebi que pela primeira vez havia medo ali.
Aumentei a chama. Meu sol de mana cresceu até ocupar metade do oceano dela, e então empurrei o brilho contra o parasita. As vinhas que envolviam o sol dela se desfizeram em cascatas de cinza e podridão. O dourado começou a reaparecer, tímido, mas vivo.
Cassiopeia garotinha desapareceu da palma da criatura e surgiu ao meu lado, olhando para mim com olhos marejados. Não era mais uma imagem manipulada: era a essência dela, frágil, mas livre por um instante.
— Irmão… — sussurrou.
Segurei sua mão e a puxei para trás. Em seguida, direcionei todo o restante da minha força contra o fungo. O corpo dele rachou, liberando esporos negros que tentaram se espalhar. Minha luz queimou cada partícula, e quando a criatura tombou, o oceano de mana tremeu.
O silêncio veio logo depois.
Tudo estava destruído, mas livre. O sol de Cass brilhava outra vez, embora menor, ainda ostentando cicatrizes pelas vinhas que sugaram sua energia por tanto tempo. Eu sabia que não a havia curado totalmente, apenas expulsado o intruso. Mas, por ora, era suficiente.
Caí de joelhos, exausto. O brilho em torno de mim vacilava, e minha consciência ameaçava se desfazer. Antes de ceder, ouvi a voz dela mais uma vez:
— Obrigada.
E a escuridão me levou de volta.
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