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    A dor era uma companhia constante em meu corpo. Cada passo ecoava em um latejar em minhas entranhas, lembrando-me de que eu deveria estar morto. A lâmina de Cass ainda parecia cravada em mim, mesmo depois de arrancada. Mas não havia tempo para morrer. Não ainda.
     

    Lembrei de Nix e Claire me esperando. Isso me dava forças. Iria voltar para elas. Milena ajuda, curando conforme andávamos.
     

    Minha percepção se expandia, mesmo quando minha mana vacilava, mostrando o caminho para onde os últimos companheiros estavam mantidos. A montanha inteira tremia sob nossos pés. Vibrações secas, como se o próprio coração da pedra soubesse que estávamos indo. Os antigos donos daquela terra cresceram sem nada os desafiar por muito tempo. Éramos os primeiros nesse sentido.
     

    Atrás de mim, ouvia as passadas cambaleantes dos outros. Pandora respirava pesado, o som metálico de sua armadura denunciando que ela também estava por um fio. Niana, com a cauda felpuda mal conseguindo manter o ritmo, escondia mal a dor dos cortes, a fraqueza pela perda de sangue. Milena, com o rosto pálido e olhos semicerrados, lutava para manter feitiços mínimos de cura, tentando ajudar a todos, mas já não havia energia suficiente. Estávamos em uma situação bem ruim, apenas a teimosia nos impulsionava.
     

    Alguns dos nossos, ainda estavam desacordados. Sendo carregados em macas improvisadas. Arrastados atrás de nós.
     

    Eu sentia o mesmo em todos nós: ossos estalando, músculos dilacerados, espíritos combalidos. E, ainda assim, ninguém recuava. Havia algo maior que a dor nos empurrando. A certeza de que, se parássemos agora, tudo teria sido em vão.
     

    — Falta muito? — Pandora perguntou, a voz rouca.
     

    Fechei os olhos, sondando novamente com minha percepção. O calor dissonante da mana concentrada queimava como uma tocha em minha mente, impossível de ignorar.
     

    — Não. — Minha voz saiu mais como um sopro. — Estamos quase lá.
     

    A cada passo, o ar ficava mais pesado. Esporos grudavam em nossas roupas, no cabelo, na pele. O cheiro azedo do fungo era tão forte que dava para sentir seu gosto amargo no fundo da língua. E então, ao virar o último túnel, vimos.
     

    A câmara final era imensa. O teto perdido na escuridão. O chão coberto de raízes pulsantes. E no centro, como um coração monstruoso, estava ele: um fungo colossal esbranquiçado. Um corpo pulsante, úmido, que latejava como se tivesse veias próprias. Da sua barriga translúcida, viam-se silhuetas contorcidas, Suspensas em um líquido esverdeado. Alissande. Marreta. Karel.
     

    E não apenas eles. Centenas de criaturas estavam presas dentro da coisa, sugadas até o limite, servindo como baterias de mana. O fungo se alimentava também das pedras incrustadas nas paredes da caverna, arrancando o brilho delas até restar apenas carcaças opacas.
     

    E ao redor… milhares. Criaturas de todas as formas, deformadas pelo mesmo parasita. Um exército que nos esperava.
     

    — Por todos os deuses… — sussurrou Milena, a voz quebrada.
     

    Assim que nos aproximamos, o fungo pulsou como se tivesse percebido nossa presença. E o inferno começou.
     

    As criaturas avançaram como uma maré viva.
     

    — PREPAREM-SE! — gritei, mesmo com o gosto de sangue na boca e fraco.
     

    A primeira onda caiu sobre nós, e fomos engolidos pelo caos.
     

    Pandora era uma muralha à frente, cortando e derrubando monstros com sua lâmina larga. Niana saltava entre eles, sua forma de batalha trazendo garras e presas que rasgavam como aço. Milena lançava explosões de fogo em leque, mantendo-os afastados quando podíamos.
     

    Cassiopeia, ainda trêmula da libertação, avançava com aço em punho, cortando e estocando sem cessar. Ao lado dela, Calmon e Gus, antes marionetes do fungo, agora combatiam confusos, mas com fúria, como se quisessem redimir cada instante sob domínio.
     

    Eu, cambaleando, erguia campos de força instáveis, sustentando-os por segundos preciosos antes de serem despedaçados. Cada conjuração era como arrancar pedaços da minha própria alma.
     

    Iriamos morrer todos se eu não tivesse uma ideia logo. O tempo estava contra nós.
     

    O chão logo se cobriu de corpos, deles e nossos. Cris recebeu um golpe que o atirou contra a parede, e Germano teve de arrastá-lo para trás, enquanto André o cobria com cortes desesperados.
     

    Era impossível. A cada criatura que caía, dez surgiam em seu lugar.
     

    — Não vamos aguentar! — gritou Calmon, com o braço sangrando.
     

    Eu sabia que ele tinha razão. A massa inimiga era interminável. O fungo central apenas pulsava, indiferente, certo de que cedo ou tarde nós seríamos engolidos como os outros.
     

    Ver Cris se levantar que me deu o verdadeiro insight. Era isso, pensei. Nossa única oportunidade.
     

    Senti o coração acelerar. Se ficasse, morreríamos todos. Se arriscasse… talvez houvesse uma chance.
     

    Não contei para ninguém. Não havia tempo para explicações. Apenas olhei para eles, meus companheiros, minha família improvisada, e disse:
     

    — Se eu não voltar… fujam.
     

    — O quê?! — Pandora girou para mim, em choque. — Você não vai—
     

    Não esperei resposta.
     

    Expandi minha telecinese e disparei pelo ar. Senti o vento rasgar meu rosto, o sangue escorrer pelo canto da boca. O fungo era colossal à minha frente, uma parede viva impossível de queimar de uma vez.
     

    Então mergulhei.
     

    Atravessei a carne pulsante, a membrana viscosa. O cheiro de podridão me envolveu, o calor sufocante da digestão viva me esmagou. Eu estava dentro do monstro.
     

    Lá, fechei os olhos e fiz o impensável. Me entreguei a ele.
     

    Transmutei minha mana. Não em fogo. Não em luz. Mas em gelo. O mais frio que minha mente podia conceber. O vazio absoluto, a ausência total de calor. Minha própria essência se contorceu, gritando contra a transformação. Mas eu forcei, expandi, dilatei meu sol de mana até o limite.
     

    E deixei que ele produzisse uma torrente absurda de mana gélida.
     

    O fungo vibrou de prazer primeiro, na ânsia de devorar aquela energia. Engoliu-a inteira, faminto.
     

    E então caiu na armadilha.
     

    Por fora, a luta continuava. Eu sabia que eles me amaldiçoavam por desaparecer. Pandora devia estar gritando meu nome, tentando me seguir. Niana talvez estivesse em lágrimas. Outros pedindo para confiar.
     

    Enquanto isso, o inimigo avançava cada vez mais, esmagando a linha de frente.
     

    Mas então… eles viram.
     

    As raízes mais finas da caverna começaram a embranquecer. Os caules engrossados tremeram. Uma fumaça fria escapava. O gelo nascia de dentro.
     

    — Está… congelando! — ouvi Milena, distante, sua voz misturada ao choque.
     

    Sim. O fungo, na ânsia de me devorar, devorou sua própria derrota. Absorveu a mana gélida que corroía tudo por dentro.
     

    Primeiro as extremidades, depois os troncos. Tudo foi ficando quebradiço, enrijecido. Criaturas caíram, congeladas em movimento, estilhaçando-se em pedaços.
     

    O coração colossal gemeu, tentando resistir, mas já era tarde. Pedaços de sua carne congelada se despedaçaram, caindo sobre seus próprios soldados. Quanto mais lutava, mas energia precisava, e mais energia gélida absorvia, era um ciclo.
     

    A caverna inteira entrou em colapso.
     

    Eu sabia que não podia ficar ali. Empurrei com o que restava de minha força, conjurando um campo de força ao redor de mim. E não estava sozinho. Puxei para dentro dele as três silhuetas que ainda pulsavam vida: Alissande, Marreta, Karel. Todos inconscientes, mas vivos.
     

    Forcei meu corpo a mover-se. As paredes ruíam, mas eu abri caminho, o gelo rachando atrás de mim.
     

    E então, lá fora, quando a poeira começou a desabar, viram-me emergir.
     

    Eu caminhava, mancando, envolto no campo de força que protegia os três prisioneiros.
     

    — Lior! — Pandora correu, o rosto sujo de sangue e lágrimas.
     

    Niana também, arfando, mas com um sorriso de alívio que fez meu peito doer mais que qualquer ferida.
     

    Não disse nada. Apenas estendi o campo, envolvendo todos.
     

    — Vamos sair daqui. — minha voz era um sussurro, mas carregava uma ordem que ninguém ousou questionar.
     

    Unidos, escapamos enquanto a caverna ruía em cascatas de gelo e pedra. O fungo gritou pela última vez, um som que parecia uma montanha se partindo. E então… silêncio.
     

    Quando finalmente emergimos da escuridão para o ar frio da noite, caímos de joelhos. Feridos. Exaustos. Mas vivos.
     

    Ainda havia dor, e sabíamos que possivelmente haveria outros núcleos.
     

    Mas, por um instante, apenas por um instante, respiramos.
     

    E sentimos que havíamos vencido.

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