Capítulo 236: Finalmente em casa
Quase chorei de alegria ao ver os portões da mansão. Nunca pensei que um amontoado de pedra e madeira pudesse significar tanto. O vigia no posto quase não me reconheceu de imediato; tive que insistir para que ele abrisse. A verdade é que eu também teria dúvidas em deixar entrar aquele grupo imundo e coberto de sangue, sujeira e feridas. Imundos era pouco. Não havia uma parte sequer do corpo de ninguém que estivesse limpa. Parecíamos saídos de um inferno, e talvez tivesse sido isso mesmo.
Não deu tempo de anunciar nada. Tanto Claire quanto Nix atravessaram o jardim correndo, as saias levantadas, os pés descalços, ignorando qualquer etiqueta ou postura. Vieram direto em minha direção, sem se importar com o sangue ou o fedor. Me abraçaram ao mesmo tempo, se jogando contra mim, me esmagando como se quisessem ter certeza de que eu estava mesmo ali.
Fechei os olhos. O calor delas era melhor que qualquer magia de cura. Melhor que qualquer vitória. Eu podia morrer amanhã que teria valido a pena ser recebido assim.
— Você demorou demais — disse Nix, a voz embargada, mas tentando soar firme.
— Você precisa de um banho. — Claire respirou fundo, afastando-se um pouco para olhar o estado de todos. — Todos vocês. De banho e de cura.
Ninguém conseguiu se segurar. Rimos. Uma risada meio nervosa, meio aliviada, mas foi a primeira vez em dias que algo leve de verdade atravessou nossos peitos.
Claire não perdeu tempo. Prática, correu para dentro, já mandando ordens para os criados. Antes que desaparecesse, chamei:
— Claire!
Ela parou na soleira, seu sorriso era radiante.
— Peça para Anne preparar um belo jantar. E mande mensageiros: convide Lenora, a família Rumal e… minha mãe.
Ela assentiu e desapareceu mansão adentro.
Mas não precisávamos de mensageiros para Lenora. A voz dela ecoou da varanda antes mesmo da gente entrar.
— Estou esperando sua volta há dias. Temos alguns problemas — disse com a expressão seria. — Não vou a lugar nenhum antes de conversarmos.
Eu sabia que ela não era de fazer espetáculo. Se estava ali, me esperando, era porque realmente algo sério devia estar acontecendo. Mirando seus olhos, concordei com a cabeça.
Foi Nix quem percebeu primeiro meu vacilo ao andar. Segurou meu braço com força.
— Você está ferido!
— Depois conto tudo. — Suspirei. — Agora só quero ficar e relaxar perto de vocês. Estava morrendo de saudades.
Ela não respondeu de imediato. Olhou para o resto do grupo. André, que nunca perdia o bom humor, estava calado. Cass mantinha o rosto duro, mas os olhos dela não escondiam o peso do que passara. Até Pandora, que sempre parecia feita de aço, tinha os ombros arqueados. Nix entendeu sem precisar de mais nada: tinha sido pior do que qualquer um queria admitir.
— Venham todos. — Ela se recompôs rápido, puxando o comando para si. — Tenho certeza de que Claire já está preparando banhos.
Dentro da mansão, os criados já estavam organizando os quartos. Alissande e Cass dividiriam um aposento para descansar. André teria outro. Pandora já tinha seu próprio quarto (quando isso tinha acontecido?), então apenas desapareceu pelas escadas sem dizer palavra.
Subi para meus aposentos, com Nix me puxando de um lado e Claire do outro. Quando tirei a túnica rasgada e a cicatriz enorme na barriga ficou à mostra, as duas empalideceram.
— Lior… — Nix quase chorou.
Claire colocou a mão sobre minha pele, como se o toque pudesse colar a ferida de volta. Senti o calor suave de uma magia de cura.
— Já disse que depois conto tudo. — Precisei repetir, firme, mas com carinho. Entendia a preocupação dela, mas preferia contar tudo de uma única vez
— Então só mais tarde eu conto as novidades — resmungou Nix, bufando e fazendo um biquinho.
Claire riu, tampando o rosto com os dedos. Pela primeira vez desde que chegamos, vi nelas um pouco de normalidade. Isso me sustentou.
Os banhos foram preparados em duas salas. Uma só para as mulheres, outra para mim e André. Vi a frustração de Claire e Nix ao perceberem que não teríamos aquele momento a sós que tanto desejavam. Mas a noite seria longa. Eu também ansiava por isso.
Entrei na água quente e senti cada músculo protestar. André nem conseguiu conversar. Adormeceu de queixo encostado no ombro, o corpo relaxado de uma forma quase infantil. Eu fiquei quieto, apenas deixando o calor arrancar o frio que ainda me habitava.
Quando descemos, estávamos pelo menos apresentáveis. Para minha surpresa, as mulheres já estavam reunidas na sala de estar, limpas, trocadas, quase irreconhecíveis de tão belas. Alana dedilhava o alaúde, enchendo o ambiente de uma melodia calma.
Pandora, Niana, Cass e Alissande estavam no centro, narrando os acontecimentos. Lenora ouvia atenta, olhos semicerrados. Claire e Nix absorviam cada palavra, as mãos crispadas no colo. Até Anna, sempre tão discreta, estava de pé ao lado da porta, ouvindo.
Sorri. Pela primeira vez em muito tempo, sorri de verdade. Eu estava cercado de pessoas que se importavam comigo.
Quando entrei, todos me olharam. André completou alguns detalhes da narrativa, eu acrescentei outros. Cada lembrança era pesada, mas compartilhar aliviava.
— Vocês quase morreram — Nix disse, me dando um soco leve no ombro. — Mais de uma vez.
— Foi muito mais difícil do que imaginei — Lenora admitiu, coisa rara de ouvir dela. — Se fossem as tropas Vulkaris, talvez ninguém tivesse voltado.
— Só voltamos porque Lior percebeu a tempo — André completou. — Em qualquer outro caso, não haveria sobreviventes. Tivemos sorte.
Achei exagero, mas quando vi Pandora, Cass, Alissande e Niana assentirem, não insisti. E concordei com a cabeça.
O relato foi repetido mais duas vezes naquela noite: uma vez no jantar, outra no quarto, quando fiquei só com Claire e Nix. Mas isso pertence a outra memória.
Durante o banho, os mensageiros já haviam retornado: todos confirmaram presença no jantar. Anne organizava a cozinha como se fosse uma batalha pessoal dela.
Enquanto esperávamos, Lenora pigarreou. Olhou para mim, depois para Cass, Alissande e André.
— Posso falar abertamente?
Assenti. Confiava neles. Havíamos dividido vida e morte.
— Teremos que adiantar seu casamento. Está tudo quase pronto. Faltavam apenas os detalhes, mas não podemos mais esperar. A cerimônia será depois de amanhã.
Engasguei com o vinho. Claire e Nix sorriram feito duas crianças prestes a ganhar presentes. Pandora fez careta. Lenora leu meus pensamentos e completou antes que eu perguntasse:
— Juliani e Annabela começaram a se mover nas sombras. Não temos tempo a perder.
E, de repente, a guerra que achávamos ter vencido se mostrou apenas um prelúdio.
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