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    Deixamos o salão do jantar em silêncio. Lenora nos conduziu pelos corredores até um dos estúdios mais reservados da mansão, uma sala de música que raramente era usada, exceto por Alana. A lareira já estava acesa, lançando sombras dançantes sobre as estantes de partituras e os instrumentos antigos pendurados nas paredes.
     

    Sentamos ao redor de uma mesa baixa, e Lenora demorou alguns segundos antes de falar. Havia um peso em seus olhos que eu não costumava ver.
     

    — Preciso que escutem com atenção — começou. Sua voz firme, mas carregada de cansaço. — O que vou dizer agora não deve sair desta sala.
     

    Claire e Nix se entreolharam em silêncio. Pandora ajeitou-se na cadeira, os punhos cerrados sobre o colo. Eu apenas assenti.
     

    — O Imperador Juliani e sua consorte, Annabela, estão se movendo — disse Lenora, cada palavra marcada como um golpe de martelo. — Estávamos contendo o poder deles com o Conselho dos Anciãos. Éramos nós que de fato estávamos governando, mantendo Juliani sob rédeas curtas. Mas agora… muitos voltaram para suas ilhas, retirando-se da corte. E se demorarmos mais, mais irão embora.
     

    A notícia fez meu estômago pesar.
     

    — Isso é realmente preocupante — murmurei.
     

    Lenora concordou.
     

    — Estranho e preocupante. Ao mesmo tempo, houve uma troca repentina no comando do exército. Os Vulkaris, que até pouco tempo mantinham uma rixa aberta com Juliani, parecem ter feito as pazes. O que antes era uma divisão… agora se tornou um bloco unido em torno do trono. Muitos anciãos, que estavam cheios de suspeita, passaram a dar espaço para Juliani. O poder do Conselho, foi diminuído de fato.
     

    — Droga — exclamei, minha espinha gelando. — Não pensei em ficar de lado oposto a meu pai. Ou minha mãe e irmãos.
     

    Pandora respirou fundo, o maxilar tenso. Claire me olhava, tentando ler meus pensamentos. A Casa dela é de Lenora, também eram da base de sustentação de Juliani.
     

    — Ele vai esmagar a oposição — disse ela, com a certeza de quem conhece o inimigo. — Deve estar esperando algum movimento nosso.
     

    — Exatamente — respondeu Lenora. — E é por isso que não podemos perder tempo. Seu casamento, Lior, precisa acontecer imediatamente. Não é apenas uma questão de família. É político. Precisamos apresentar Pandora como herdeira legítima do Império enquanto o Conselho ainda conserva alguma força. Se esperarmos, Juliani terá consolidado demais o poder.
     

    O silêncio caiu sobre a sala. Eu sentia o peso das palavras nos ombros de todos.
     

    Como se lesse os pensamentos de todos, Lenora continuou.
     

    — Seu casamento é importante Lior, porque você demonstrou enorme poder na batalha contra os Necros. Os nobres só valorizam força. Sem querer, você se colocou como uma peça a ser usada nesse xadrez. Ao se casar com Claire, se coloca sob a proteção dos Umbrani, e de mim. Sem o casamento, você pode ser forçado a fazer coisas em nome de sua casa, os Aníbal.
     

    Concordei, e todos ali pareciam entender a importância do meu casamento. Eu tinha me tornado alguém importante.
     

    Pandora se levantou.
     

    — Não vou mais me esconder — declarou, erguendo os olhos flamejantes para nós. — Passei tempo demais vivendo nas sombras, como uma arma que podia ser descartada. Está na hora de assumir quem eu sou, de olhar para esse trono e dizer que ele também é meu por direito.
     

    Meu coração acelerou. Aquele era o momento que eu já sabia que chegaria, mas ouvir de sua própria boca mudava tudo.
     

    — Pandora… — falei devagar, escolhendo bem. — Se esse é o caminho que você decidiu, então não estará sozinha. Eu estou ao seu lado. Para o que der e vier.
     

    Ela me olhou. Havia algo profundo e triste em seu olhar, mas também uma determinação inabalável.
     

    Lenora respirou fundo, relaxando pela primeira vez naquela noite.
     

    — Era isso que eu precisava ouvir. — Levantou-se devagar. — Vou descansar. Amanhã teremos muito a preparar.
     

    Ela se retirou, deixando atrás de si apenas o crepitar da lareira.
     

    Pouco depois, Niana se aproximou de Nix, encostando-se em seu ouvido para cochichar algo que não consegui ouvir. Vi apenas o leve rubor no rosto de Nix e o sorriso malicioso da irmã antes de se despedir e sumir pelos corredores.
     

    Fomos subindo. O cansaço pesava sobre meus músculos como correntes, mas havia um calor diferente quando entrei em meus aposentos. Claire e Nix estavam lá, rindo baixo entre si. Eu comecei a me despir, trocando as roupas por algo mais confortável, mas não pude deixar de ouvir os cochichos delas.
     

    — Ele não vai escapar dessa — sussurrou Nix.
     

    — Não mesmo — respondeu Claire, divertida.
     

    — O que foi agora? — perguntei, desconfiado.
     

    Nix se virou para mim, braços cruzados, sobrancelhas arqueadas.
     

    — Você salvou a vida da Pandora, não foi?
     

    — Salvei. E daí? — respondi, tentando manter a calma.
     

    — “E daí?” — repetiu ela, como se fosse óbvio. — Pois saiba que ela disse que você devia visitá-la, antes do casamento, para agradecer… “adequadamente”.
     

    Quase engasguei.
     

    — Isso não foi… ela não quis dizer…
     

    — Não se faça de inocente, Lior. Eu conheço aquele jeito dela. — Nix se aproximou, apontando o dedo para o meu peito. — Não vai inventar de querer casar com ela também. Ainda mais agora, com esse papo de herdeira legítima e tudo mais.
     

    Claire tapou a boca para não rir, mas os olhos dela brilhavam de pura diversão.
     

    — Eu não estou inventando nada! — protestei, levantando as mãos. — Vocês estão distorcendo.
     

    Nix estreitou os olhos, mas então sua expressão mudou. Um sorriso largo surgiu em seu rosto, e por um instante pensei que ela fosse apenas continuar a provocação.
     

    Mas as palavras seguintes me atingiram como um raio.
     

    — Lembra quando eu disse que estava atrasada? — começou, colocando as mãos sobre a barriga. — Pois bem… não é mais atraso. Estamos esperando.
     

    Meu mundo parou.
     

    Claire sorriu também, os olhos marejados, confirmando o que Nix dissera sem precisar de palavras.
     

    — Esperando…? — consegui murmurar, a voz embargada.
     

    — Raposinhas — completou Nix, rindo com lágrimas nos olhos. — Nossas raposinhas.
     

    Senti um nó na garganta e um calor subindo ao peito, tão intenso quanto qualquer chama que eu já tivesse invocado. Pela primeira vez em muito tempo, não consegui dizer nada. Apenas as abracei, segurando as duas contra mim como se jamais fosse soltá-las.
     

    E naquele instante, todos os jogos de poder, os tronos e guerras, pareceram distantes. Tudo o que importava estava ali, em meus braços.

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