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    Acordei com uma batida na porta.
     

    A luz do sol atravessava as persianas em faixas douradas, iluminando o quarto em linhas quentes. O silêncio dessa manhã tinha um peso diferente. Por um instante, eu não me lembrava dos compromissos do dia. Só o brilho do sol, o cheiro de lençóis limpos e o som distante de pássaros. Mas bastou um segundo para o estômago gelar.
     

    O casamento.
     

    Levantei num salto, o coração acelerando.
     

    — Já vou! — gritei, com a voz rouca.
     

    A ideia de estar atrasado para o próprio casamento me fez correr até a porta com metade do corpo ainda meio enfiado no pijama. Quando abri, encontrei Joaquim parado no corredor, sorrindo com aquele ar tranquilo de quem parecia se divertir às minhas custas.
     

    — Calma, rapaz — disse ele, rindo. — Não está atrasado. Vim antes pra não dar chance ao azar.

    Suspirei fundo, o coração ainda batendo rápido.
     

    — Vista qualquer coisa agora. Sua roupa mesmo você só vai vestir mais tarde, na mansão Umbrani.
     

    Assenti, respirando aliviado e ainda meio grogue. Joaquim era o tipo de amigo que parecia saber o que eu estava pensando antes mesmo de eu abrir a boca.
     

    Enquanto vestia uma camisa simples e calças limpas, flashes da noite anterior me voltaram à mente. O sonho com Selune. Pandora à porta, sua voz embargada, o olhar ferido. Engoli seco. Aquilo ainda pesava no peito. Entre ofender Pandora ou as minhas noivas, eu preferia ter ferido Pandora. Era uma escolha amarga, mas inevitável.
     

    — Vamos — disse Joaquim, batendo de leve no meu ombro. — Hoje é o dia.
     

    Descemos juntos e uma carruagem com o brasão dos Umbrani nos aguardava. O cocheiro, rígido e impecável, abriu a porta e nos conduziu pelas ruas ensolaradas. O caminho parecia mais longo que o normal, mesmo que eu conhecesse bem aquele trajeto. O estômago dava voltas; era ansiedade, ou talvez medo, não sabia bem.
     

    Quando chegamos, fui levado para uma ala residencial separada da mansão principal. Assim que entrei, duas vozes conhecidas me chamaram: Gus e André.
     

    — Não somos seus padrinhos, mas estamos aqui pra garantir que você não fuja — brincou Gus, me entregando uma taça de espumante.
     

    Ri, aliviado.
     

    — Como se eu tivesse coragem de fazer isso.

    — Coragem não falta, o problema é bom senso — completou André, brindando.
     

    O barbeiro já me esperava, com toalhas mornas e uma paciência que só profissionais muito pagos ou muito sábios têm. Sentei-me e deixei que ele fizesse o trabalho dele. A navalha raspando a barba, o som da tesoura, o cheiro de sabão e lavanda. Aos poucos, fui me sentindo outro homem, mais limpo, mais leve, mais consciente do momento.
     

    O banho veio em seguida, demorado, com águas aromáticas e ervas que deixavam a pele formigando. Quando saí, já havia mais taças esperando, e os rapazes começaram a zombar do meu nervosismo.
     

    Entre risadas, o tempo voou.
     

    Em determinado momento, trouxeram minhas vestes nupciais. A túnica escura, tecida em fios densos e brilhantes, com o brasão dos Aníbal bordado no peito. Era simples e majestosa ao mesmo tempo. Toquei o tecido e senti um frio percorrer a espinha, a realidade finalmente me alcançava.
     

    Vesti-me em silêncio. Joaquim ajeitou o colarinho, André endireitou a faixa da cintura, Gus me deu um leve tapa nas costas. E, antes que eu percebesse, já estávamos descendo as escadarias rumo ao grande pavilhão montado nos jardins.
     

    O som das cornetas ecoou quando Sybela fez sinal para que eu entrasse.

    Respirei fundo.
     

    Assim que pisei no grande tapete, senti os olhares. Centenas deles. O murmúrio suave de conversas cessou, e de repente tudo pareceu distante, abafado. O coração batia alto demais nos meus ouvidos.
     

    O lugar estava magnífico. O pavilhão erguido com arcos de madeira clara, cortinas translúcidas e velas suspensas que flutuavam com magia sutil. As flores, orquídeas brancas e ramos prateados, cobriam as colunas e caíam como cascatas pelas bordas.
     

    Os convidados estavam impecáveis, um mar de tecidos caros e joias cintilantes. Vi meus pais, minha mãe, Lady Isolde, com um sorriso emocionado, e meu pai, firme, o rosto impassível, parecia não se importar de estar ali. O velho ancião da casa Aníbal estava ali também, com um sorriso sereno, o olhar cheio de expectativa. Ao lado deles estavam Cassiopeia, Alissande e outros meios irmãos meus.
     

    Mais à frente, avistei figuras que me fizeram endireitar a postura: o Imperador Juliani e Annabela, em pé, lado a lado, com expressões onde pareciam analisar tudo, como predadores na espreita, mas assim que entrei, Juliani me olhava com curiosidade, não hostilidade. Annabela, por outro lado, parecia uma estátua, o rosto belo e inexpressivo, mas com olhos que viam demais.
     

    Também estavam ali o ancião Viras e Calmon dos Argos, e, ao lado de Lenora, vi Pandora. Pálida. O sorriso dela tremia um pouco quando me viu, e eu senti um aperto no peito.
     

    Desviei o olhar.
     

    No altar, o sacerdote me esperava. Um homem robusto, de barba branca e olhos claros, que transmitia paz. Indicou meu lugar com um gesto silencioso, e Joaquim tomou posição atrás de mim.
     

    O som mudou.
     

    A música que antes era suave agora se transformava em uma marcha lenta, carregada de cordas. O ar pareceu se condensar, e uma brisa leve percorreu o pavilhão, fazendo as velas dançarem.

    Meu coração deu um salto.

    E então, Claire entrou.
     

    Por um instante, o mundo inteiro desapareceu.
     

    Ela vinha acompanhada por duas crianças que lançavam pétalas no chão. Seu vestido reluzia, um tecido tão translúcido e brilhante que parecia feito de cristal líquido. A luz do sol, filtrada pelas cortinas, transformava tudo ao redor em ouro pálido.
     

    Claire caminhava com graça, cada passo leve como se flutuasse. O rosto sereno, os olhos úmidos, o sorriso contido. Era a mulher que tinha me acolhido, me compreendido, me amado. E ali estava, caminhando em minha direção, pronta para se unir a mim.
     

    Senti algo travar na garganta.
     

    Ela chegou até o altar, e estendi a mão. Seus dedos estavam frios e trêmulos.
     

    — Está linda demais — sussurrei.
     

    Ela sorriu, e aquele sorriso me desarmou completamente.
     

    A música mudou novamente, mais vibrante agora, e então Nix apareceu.
     

    Por um instante, eu esqueci de respirar. Claire percebeu, e, com uma risadinha, fechou minha boca com a ponta dos dedos.
     

    Nix vinha radiante. O cabelo laranja reluzia, suas orelhas felpudas se mexiam com o ritmo da música, e sua cauda balançava com elegância. O vestido dela era branco também, mas diferente, mais ousado, mais vivo. Enquanto crianças carregavam a longa cauda do vestido, não pude deixar de notar a coincidência divertida dela e do vestido terem caudas.
     

    Ela sorria, e o sorriso de Nix tinha luz própria. Uma alegria que vinha de dentro.
     

    Quando chegou perto do altar, parou a poucos passos, seguindo o protocolo. Mas não havia sombra de ciúme em seu olhar. Apenas orgulho e amor.
     

    E naquele instante, eu soube, entre o brilho das velas e o murmúrio das respirações contidas, que não importava o que viesse depois.
    Aquele era o meu lugar.

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