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    A música suavizou quando Nix parou diante do altar. O vento brincou com as cortinas, espalhando o perfume das flores. O sacerdote ergueu as mãos, pedindo silêncio.

    O som dos instrumentos cessou, e o murmúrio dos convidados sumiu em um instante.
     

    — Estamos aqui reunidos — começou ele, com voz grave e calma —, sob o olhar dos deuses e das antigas casas, para unir em laço sagrado não apenas dois, mas três destinos. Que a mana que permeia todas as coisas testemunhe esta união e os abençoe.
     

    Aquelas palavras ecoaram em mim como uma batida de tambor. “Três destinos.”

    Era mais do que simbólico, era o reconhecimento de que o que tínhamos não nascia de protocolo, mas de dor, de lealdade e de escolhas que poucos ousariam fazer.
     

    O sacerdote fez um gesto, e Joaquim deu um passo à frente, trazendo nas mãos duas fitas: uma vermelha e uma dourada, ambas bordadas com fios de prata.

    — As fitas que unem destinos — disse ele, com um meio sorriso, olhando para mim. — Que amarram, mas não prendem.
     

    O sacerdote acenou, e Claire se voltou para mim.
    Os olhos dela brilhavam com emoção contida.
     

    — Lior Aníbal — começou ela, com a voz trêmula mas firme —, quando te conheci, eu não era nada além de uma sombra dentro da minha própria casa. Passei a vida acreditando que devia me calar, que devia ser menor, para que os outros brilhassem. Ela respirou fundo.

    — Mas você me viu. De verdade.

    — Foi você quem me fez acreditar que havia algo em mim que valia ser amado.
     

    Claire estendeu as mãos, e Joaquim passou a fita dourada entre nós.

    — Hoje, diante dos deuses e dos nossos, prometo ser tua parceira em cada queda e em cada recomeço. Prometo te lembrar de quem você é quando o peso for grande demais, e te amar não por dever, mas porque a vida é mais leve ao teu lado.
     

    Senti a garganta apertar.
     

    — Claire — comecei, e o nome dela já bastou para o resto do mundo desaparecer. — Quando te encontrei, vi uma mulher tímida com o coração ferido e a alma acorrentada por vozes que nunca deveriam ter te julgado.

    Respirei fundo.

    — Eu não te ensinei a ser forte, só te mostrei o espelho. A força sempre foi tua.

    Apertei suas mãos.

    — Prometo ser o abrigo quando o mundo se voltar contra ti, e a lembrança de que és suficiente, mesmo quando ninguém mais disser isso.
     

    O sacerdote sorriu e fez um gesto de bênção.

    — Que o dourado os mantenha em harmonia, como a luz do amanhecer que renova o dia.
     

    A música voltou a fluir, suave, enquanto Claire se virava para o corredor onde Nix nos esperava com um grande sorriso.
     
    Claire se virou para ela, e, num gesto inesperado, desceu um degrau. Depois outro.

    O público murmurou.
     

    Ela foi até Nix e a recebeu de mãos dadas, com um sorriso tranquilo.

    — Agora é a tua vez, irmã — disse, em voz baixa, mas todos ouviram.
     

    Nix riu, o som leve, quebrando a tensão do salão.

    — Eu deveria odiar você, sabia? — brincou, e todos sorriram. — Mas não dá. Você o faz sorrir de um jeito diferente, complementa o que não posso dar a ele. Somos irmãs de alma.
     

    As duas subiram juntas, lado a lado, e o sacerdote olhou para Joaquim, que entregou a fita vermelha.
    Nix segurou a ponta e olhou para mim.
     

    — Lior, eu nunca planejei te amar. — Ela sorriu de leve. — Você era só mais um humano teimoso e quebrado, preso numa cela, insistindo em sobreviver quando tudo dizia o contrário.

    O salão inteiro ficou em silêncio.

    — Eu te vi sangrar, te vi perder, e mesmo assim, você ainda achou espaço pra cuidar de mim. — Sua voz se tornou um sussurro. — Então, quando digo que te amo, não é pelo que você faz, mas por quem você é.

    Ela passou a fita ao redor do meu pulso.

    — Prometo te proteger do que você não vê, provocar o teu orgulho quando ele tentar te dominar e te seguir até o inferno, se for preciso, só pra te trazer de volta.
     

    O sacerdote olhou para mim, e eu segurei a mão dela, firme.

    — Nix, quando o mundo me quebrou, você foi quem me manteve inteiro. Quando eu não via mais propósito, você acreditou por mim.

    As palavras me rasgavam por dentro.

    — Eu prometo nunca te deixar sozinha nas sombras. Prometo honrar o que construímos, mesmo quando o tempo tentar nos apagar. E te amar com o mesmo instinto com que você me salvou.
     
    O sacerdote assentiu.

    — Que o vermelho mantenha viva a chama que os guiou até aqui.
     

    Joaquim deu um passo à frente, unindo as duas fitas sobre nossas mãos, a dourada e a vermelha, e as amarrou com um nó cerimonial.

    — O laço está feito — disse ele, com um brilho emocionado nos olhos. — Que ele nunca se quebre por medo, apenas se desfaça por amor, se um dia o destino assim quiser.
     
    O sacerdote ergueu a voz:

    — Que a mana testemunhe! Que os laços feitos na chama e na luz permaneçam enquanto houver fôlego em seus corpos!
     
    As servas trouxeram as tigelas com o fogo azul. O sacerdote aproximou-as, e nós três estendemos as mãos.

    O fogo cintilou, depois se transformou em dourado e carmesim, entrelaçado.
     

    Os convidados suspiraram. O sinal da aceitação divina.
     

    O velho sorriu.

    — Declaro, diante dos deuses e das casas aqui presentes, que vossos destinos agora são um só. Claire Umbrani, a primeira esposa, e Nix de Sylvanus, a segunda esposa de Lorde Lior Aníbal.
     

    A música recomeçou. Claire foi a primeira a me beijar, um beijo terno, cheio de calma e de promessa. Depois, Nix me puxou pela gola, com a cauda balançando. O beijo dela foi calor e vida, e o público riu, aplaudindo o contraste.
     

    As velas acenderam sozinhas, até o salão inteiro brilhar como uma constelação viva.
     

    Por um instante, senti o mundo se aquietar dentro de mim.

    Como se, finalmente, tudo fizesse sentido.
     

    A recepção aconteceu no pavilhão ao lado, sob um céu que já se tornava violeta. As mesas se estendiam sob os lustres, e o ar tinha o perfume das flores da noite.
     

    Os nobres falavam entre si; as taças tilintavam.
    Claire, com seu riso sereno, conversava com Isolde e Lenora. Nix gesticulava, animada, fazendo André e Gus rirem alto de alguma piada indecente. Pandora, Cassiopeia, Alisande e outras pessoas também se aproximavam para as parabenizar.
     

    Joaquim se aproximou com uma taça na mão.

    — Bem, meu amigo… — disse ele, batendo de leve em meu ombro. — Agora você está oficialmente condenado à felicidade.
     
    Ri.

    — Condenado e grato.
     

    — E cercado de mulheres perigosas — completou ele, rindo.
     

    — As melhores — respondi.
     

    Brindamos.
     

    Quando olhei novamente, Nix e Claire vinham na minha direção, uma de cada lado.

    — Agora é oficial — disse Nix, segurando meu braço. — Você é nosso.
     

    Claire sorriu. — E não tem mais pra onde fugir.
     

    — Nem quero — respondi.
     

    Rimos juntos, sob o brilho das velas e das estrelas.
    E se os deuses realmente observavam lá do alto, espero que, só por uma noite, tenham se calado para apenas assistir.

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