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    Avançamos rapidamente. Os sons ficavam mais altos conforme nos aproximávamos. No fundo do corredor, a luz bruxuleante de um archote desenhava sombras longas nas paredes de pedra, e o ar carregava um cheiro metálico de sangue.

    Ouvi um gemido curto, abafado, seguido de risadas grosseiras. Havia gente trabalhando ali. Gente que se divertia com isso.
     

    Mais à frente, uma voz grave, controlada, ecoou:
     

    — Fale, Lenora Umbrani. Confesse sua traição.
     

    Parei por um instante. Pandora me olhou, ofegante. Seus olhos, iluminados apenas pelo archote distante, revelavam medo e raiva misturados.

    Coloquei a mão em seu ombro. Precisávamos manter a cabeça no lugar. Ali, qualquer passo errado acabaria com todos nós.
     

    — Traição — Lenora cuspiu a palavra — é o que vocês estão fazendo. Juliani é um fratricida. Ele matou o Imperador de direito.
     

    A frase mal terminou e o som de algo queimando cortou o ar. Em seguida veio o grito. Lenora.
    Pandora se lançou para frente. Não tive escolha a não ser acompanhá-la.
     

    Quando atravessamos a porta, a cena me atingiu com força.

    Lenora estava presa a uma estrutura de madeira, braços amarrados para trás, corpo nu, marcado por cortes profundos. Um ferro em brasa encostava em suas costelas. Dois homens corpulentos seguravam o instrumento e a mantinham imóvel com a brutalidade de quem fazia aquilo havia anos.
     

    O rosto dela estava desfeito. Lágrimas, sangue, inchaço. A idade evidente, e ainda assim havia algo resiliente nela.

    Meu estômago revirou ao ver que faltavam alguns dedos de suas mãos.
     

    Pandora não hesitou.

    Avançou como se o chão cedesse sob seus pés. A lâmina que eu havia lhe dado atravessou o primeiro torturador de lado a lado. O homem caiu, rasgado quase até o tronco.

    O segundo deu um passo atrás, mas Pandora já estava nele. A espada encontrou o ombro e desceu sem piedade.
     

    Ao fundo, o real problema: a inquisidora. Reconheci o rosto imediatamente. A mesma que meses antes havia me interrogado com Claire. A mesma calma ilusória, a mesma postura rígida e convicta.
     

    Não deixei que falasse. Antes que conjurasse ou gritasse, canalizei mana, e minha telecinese tomou seu corpo por inteiro. A pressionei contra a parede com força. A cabeça dela bateu na pedra, e desmaiou no ato.
     

    Corri até Lenora.

    As correntes estavam trancadas por pulseiras de supressão de mana. Arranquei tudo e as prendi na inquisidora sem hesitar.

    Lenora cambaleou, quase caindo. Pandora a segurou com cuidado, a raiva estampada no rosto.
     

    — Lenora… — Pandora murmurou. — O que fizeram com você…
     

    A idosa tentou sorrir. O gesto quase não aconteceu. E então apagou nos braços dela.
     

    — Lior — Pandora chamou.
     

    — Já sei.
     

    Canalizei magia de cura. Não faria milagres, mas ela não morreria nas próximas horas. A pele queimava sob minhas mãos, mas o fluxo estabilizou.
     

    Pandora olhou da inquisidora até mim, questionando sem palavras.
     

    — Se conseguirmos tirar todos daqui — expliquei — teremos que apresentar provas. Ela, incapacitada, pode ser útil. Talvez alguém neutro ainda ouça.
     

    Pandora respirou fundo.
     

    — É uma aposta arriscada.
     

    — Sim. — Apontei para as algemas. — E ela vai acordar longe daqui, sem mana. Não pode nos atrapalhar.
     

    Ela assentiu, sem realmente concordar. A raiva nela era profunda e constante, mas se controlou.
     

    Respirei fundo e observei a sala. Era ampla, com ferramentas de tortura espalhadas. Correntes, ganchos, prensas. Nada disso importava agora.

    À direita havia uma porta menor. Estendi a mão e tentei sentir mana viva atrás dela. Havia pouca coisa, mas o suficiente.
     

    Abri a porta. O rangido cortou a escuridão.
     

    O corredor era estreito, mal iluminado. O cheiro de urina e sujeira me atingiu como uma onda.
    Um gemido veio da cela mais próxima. Conjurei um globo de luz e avancei.
     

    As celas eram minúsculas, separadas por grades runidas. Dentro delas, corpos magros, alguns sentados, outros deitados. Rostos que reconheci: Anciãos aliados de Lenora. Sete, como ela suspeitava.
     

    — Tem mais de vocês aqui? — perguntei ao primeiro que se ergueu.
     

    O homem se agarrou às grades.
     

    — Lenora? Ouvimos os gritos.
     

    — Ela está viva. — Falei direto. — Agora me diga: todos os Anciãos capturados estão aqui?
     

    — Acho que sim. Estávamos em sete quando nos trouxeram.
     

    Conferi cela por cela.

    Reconheci todos. Estavam fracos demais, mas vivos.
     

    As grades eram reforçadas com runas de contenção. Eu poderia desativar, mas gastaria tempo demais.
    Encostei no primeiro e o teletransportei para fora. Ele apareceu no corredor atrás de mim, ofegante.
     

    Fiz o mesmo com todos.

    O gasto de mana foi forte, e precisei respirar fundo ao fim. A cabeça girou um pouco. Teleporte em sequência nunca era leve.

    Ainda assim, era o único jeito.
     

    Quando todos estavam fora, ajoelhados ou encostados nas paredes, ergui a voz:
     

    — Quietos. Preciso de vocês calmos. E vivos.
     
    Um deles falou:
     

    — Lenora confiou em você, lorde Lior. Não sabemos como agradecer.
     

    — Ajudem uns aos outros. — Apontei para o corredor. — Vamos voltar para a sala. Precisamos sair depressa.
     

    Quando viram Lenora desacordada nos braços de Pandora, mais murmúrios, choros e indignação preencheram a sala.

    Antes que pudesse explicar, senti presenças se aproximando.
     

    Mal tive tempo de reagir.

    Estendi meu campo telecinético por todos. Pandora, Lenora, os Anciãos, a inquisidora atada.

    A porta começou a se mover.
     

    E então a vi entrar.
     

    Annabela.

    A expressão vazia e aquele sorriso frio.

    Por um instante, nossos olhos se encontraram. E eu soube que ela entendeu tudo.

    Antes que dissesse qualquer coisa, conjurei o teleporte.
     

    A sala desapareceu.
     

    O chão úmido dos esgotos surgiu sob nossos pés.
    Tive que me apoiar na parede. O mundo girou, uma onda de náusea subiu.

    Teletransporte com tanta gente… só percebi a loucura depois que já tínhamos sobrevivido.
     

    — Vamos — murmurei, forçando as pernas a se moverem.
     

    Levamos alguns metros até sair do alcance da barreira mágica do Palácio. Senti a resistência cair, e a mana do ambiente fluir livre novamente.

    Então conjurei o último teleporte da noite.
     

    A escuridão dos esgotos se dissolveu.
     

    Aparecemos todos no depósito ligado ao quarto secreto de Rosa.

    A madeira do chão rangeu com o peso. O cheiro de poeira e óleo me atingiu.

    Meu corpo não respondeu. As pernas simplesmente cederam.

    A bile subiu e vomitei no chão.
     

    A respiração saía pesada. Minha visão tremia.
     

    Olhei para Pandora. Ela estava ajoelhada, segurando Lenora com uma mão e mantendo os Anciãos próximos com a outra. O rosto tenso, preocupada comigo e com a anciã.
     

    — Não deixe ninguém sair… — murmurei.
     

    Era tudo o que consegui dizer.
     

    O mundo escureceu antes que eu pudesse garantir que estavam seguros.

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