Capítulo 251: Organizando pensamentos
Depois que acordei e confirmei que Lenora estava estável, e que a segurança de todos não estava mais sobre ela, o cansaço finalmente alcançou Pandora. Vi quando a rigidez nos ombros dela cedeu de uma vez, como se o corpo tivesse segurado tudo apenas por obrigação.
Ela não disse nada. Apenas caminhou até a cama que eu havia desocupado e se deitou de lado, ainda vestida, a mão próxima da espada que eu tinha lhe emprestado. Em poucos instantes, respirava profundamente.
Deixei-a descansar. Ela tinha feito mais do que qualquer um poderia exigir.
Voltei para o depósito e me sentei novamente diante da inquisidora. Tinha desamarrado seus tornozelos e soltado as mãos, como sinal de boa vontade, mas mantive as algemas de restrição de mana. Não era desconfiança. Era necessidade. Se ela decidisse tentar algo, não poderia permitir.
Conversamos por algum tempo. Nada formal. Perguntas simples. Respostas cuidadosas. Isadore era inteligente e observadora, disso eu não tinha a menor dúvida. Também não parecia fanática. Isso não a tornava confiável, mas a tornava útil, capaz de entender.
Depois disso, fui até os anciãos. Sentei no chão com eles, sem distinção. Precisavam disso. Precisavam lembrar que ainda eram pessoas, não peças isoladas em um jogo maior. Não estavam acostumados a serem perseguidos.
Expliquei, da forma mais direta possível, o que estava acontecendo. Eles sabiam melhor que eu, mas precisavam de afirmação. Que Juliani não os tinha prendido apenas por vingança. Era pressão. Sempre fora. Ele queria que as famílias recuassem, que os patriarcas retirassem apoio às decisões do conselho, que isolassem Lenora politicamente antes de destruí-la em público. Era um jogo de força não tanto sutil.
Eles ouviram em silêncio. Alguns com raiva. Outros com medo aberto.
Fiquei sabendo, ali, que havia pelo menos outros sete ou oito Anciãos que apoiavam Lenora e que ainda não tinham sido capturados. Isso mudava as coisas. Não resolvia, mas ampliava o tabuleiro. Nós dava peças surpresa para jogar.
Eles ainda não sabiam da parte mais importante. De Arturus. De Annabela. De Pandora. De como Juliani vinha governando em cima de assassinato e mentiras.
Quando contei, o impacto foi imediato.
Não houve descrédito. Não houve riso. Apenas choque. Olhares trocados. Silêncio pesado.
— Isso explica muitas coisas… — murmurou um deles, por fim.
E explicava mesmo. Explicava o desespero de Juliani, a pressa, a violência sem freios.
Mas junto com a compreensão veio outra pergunta, silenciosa, pairando no ar: o que fazemos agora?
E essa era a pergunta que eu ainda não sabia responder. Sabia apenas que estávamos em guerra, e que essa guerra, querendo ou não tinha dois lados distintos. Ou Juliani, ou Pandora.
Precisava manter todos escondidos. Mas onde? Thallanor não era segura. Nenhuma ilha próxima seria. Cada minuto ali aumentava o risco. Sentia isso em meus ossos.
Foi quando a porta fez um leve estalo.
Todos prenderam a respiração. Senti o fluxo de mana mudar no ambiente e preparei um feitiço por instinto.
A porta se abriu.
Rosa entrou.
Vestido vermelho, cabelos ainda mais vermelhos. A postura relaxada de sempre não estava ali. O rosto estava fechado, atento. Olhou primeiro para mim, depois para a inquisidora algemada. Piscou algumas vezes, como se estivesse recalculando a realidade. Olhou para os anciãos, abriu e fechou a boca, e por fim soltou um suspiro curto.
— Não é à toa que a cidade está enlouquecida — disse. — Parece um formigueiro depois de levar uma pedrada.
— Aqui é seguro? — perguntei.
— Até onde sei, sim. — Ela cruzou os braços. — Mas estão revirando tudo. Tem guardas, mercenários… e sacerdotes da igreja com eles.
Apontou com o queixo para Isadore.
— Devem estar procurando por ela. Você tinha mesmo que sequestrar gente da igreja, não é, Lior?
Antes que eu respondesse, ela continuou, andando de um lado para o outro.
— Desci para ver como as coisas estavam e trazer duas notícias. E vou ser direta: isso está ficando perigoso demais.
— Quais notícias?
Ela mordeu o lábio inferior antes de falar. Não era comum vê-la hesitar.
— Juliani mandou homens para a ilha dos Aníbal. Você se tornou um dos conspiradores mais perigosos.
Senti os punhos se fecharem sozinhos. Eles eram gente que não tinham pedido para estar envolvidos. A culpa desse turbilhão era minha, e eu nem Aníbal de verdade era.
— E Lady Isolde e Cassiopeia foram presas na ilha dos Vulkaris — completou. — Uma acusação formal de conspiração com inimigos da casa. Ambas serão julgadas e deserdadas.
— Filho da puta — deixei escapar, num grito. Tiberius, meu verdadeiro pai era impiedoso.
Rosa me observou por um instante, como se medisse se tinha feito certo em contar. Ela sabia que elas eram minha mãe e irmã.
— Não se preocupe — acrescentei. — Não vou fazer nada precipitado.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Até que a voz de Isadore quebrou o ar pesado.
— Rosa, certo?
— Sou eu mesma.
— Eu e os Anciãos estamos com fome e sede — disse ela, com calma. — Pode nos ajudar com isso?
Rosa pareceu despertar de um transe. Piscou, assentiu.
— Claro. Um minuto.
Virou-se e saiu.
Isadore voltou o olhar para mim.
— Se você tem um plano, recomendo colocar em prática — disse. — Se eles chegarem perto o suficiente, conseguem me localizar.
Assenti.
— Preciso falar com Lenora. Se ela estiver em condições, sairemos da cidade. Enquanto ficarmos aqui, será um jogo de gato e rato.
Deixei o depósito e, antes de entrar no quarto, conjurei uma proteção de mana negativa. Nenhuma magia de observação atravessaria, embora um mago atento pudesse notar o vazio. Era um risco calculado.
Lenora ainda dormia. Pandora estava acordando, confusa com o grito que eu tinha dado antes.
— Precisamos acordá-la — expliquei. — Precisamos de um novo plano. Não podemos ficar na cidade.
Pandora assentiu e foi até a cama de Lenora. Saí e voltei ao depósito.
Pouco depois, Lenora estava ali conosco, apoiada em Pandora. Os anciãos a cercaram imediatamente.
— Calma, estou bem — repetia ela, tentando acalmá-los.
— E agora? — perguntou um.
— Nossas famílias! — disse outro. — Juliani já começou!
Lenora tentava responder a todos. Tentava manter o controle, apesar das marcas visíveis, apesar do cansaço. O sorriso que forçava não enganava ninguém.
Eles falavam ao mesmo tempo. Exigiam respostas, decisões, garantias que ninguém ali podia dar naquele momento.
Meu sangue ferveu.
— Chega! — gritei, no exato momento em que Rosa retornava com uma grande cesta.
Todos se calaram.
— Lenora não é culpada de nada — continuei. — Exigir respostas agora não resolve. Vamos comer e beber. Depois, vamos ouvir tudo o que ela tem a dizer. Só então decidimos como agir.
Olhei um por um.
— Apontar dedos não vai nos salvar. Nossa única chance é permanecermos juntos.
Rosa apoiou a cesta em um caixote e assentiu.
— Bem dito.
E, pela primeira vez desde que acordei, senti que ainda havia um fio de controle naquela noite.

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