Capítulo 26: O Imperador
Havíamos nos sentado e estávamos bebendo. Eu mantinha Nix sob constante vigilância; seus olhos dourados ainda estavam fixos no lupino, e sua mandíbula cerrada indicava o esforço para se controlar. Não deixei que ela tocasse em nada alcoólico, o risco de que perdesse o controle era grande demais. Ela precisava de clareza, de foco, e eu precisava dela a salvo.
De repente, a música da orquestra cessou, como se o próprio ar tivesse sido sugado do salão. Uma voz firme ecoou por todo o espaço, cortando o silêncio com autoridade.
— Todos em pé para a chegada de Sua Majestade, o Imperador Juliani Gaio Argos.
O salão, em uníssono, se ergueu. O silêncio era denso, pesado, como se cada respiração fosse contida por respeito — ou medo. No mezanino lateral, o Imperador apareceu. Sua figura dominou o espaço. Alto e imponente, cada movimento carregava o peso do poder absoluto. Seu corpo maciço irradiava força, mesmo na idade avançada. Rugas marcavam seu rosto severo, cortado por uma cicatriz que descia do olho esquerdo até a metade da bochecha, lembrança de algum combate há muito passado. Seus olhos, de um azul claro e penetrante, varreram o salão, como se pudessem enxergar através de cada máscara, cada segredo.
Os cabelos grisalhos, longos até os ombros, pareciam uma juba de leão, domada apenas pela coroa dourada que os prendia para trás. Ao lado dele, sua concubina mais famosa, Annabela, acompanhava cada passo. Jovem, talvez com metade da idade dele, era uma figura de beleza estonteante. Seus cabelos negros, cacheados, caíam em cascata pelas costas, e o vestido vermelho vinho acentuava cada curva esguia, mas voluptuosa.
Atrás deles, duas figuras se destacavam: jovens que pareciam ter a mesma idade que eu. Claire e Zia, as sobrinhas-netas do Imperador. Suas presenças não me surpreenderam; ambas eram conhecidas por sua habilidade e ambição, e a participação no torneio era apenas mais uma demonstração de poder. O Império sabia jogar com suas peças.
Claire, com cabelos castanhos que desciam em ondas suaves até os ombros, exibia pontas tingidas de rosa, um detalhe que contrastava com sua expressão séria. Havia algo reservado nela, quase tímido. Seus olhos, evitavam o contato direto, como se o peso da atenção fosse desconfortável. A postura rígida, no entanto, traía a tensão por trás do semblante delicado. Ela parecia deslocada naquele ambiente opulento, mas eu sabia que a aparência frágil era apenas uma camada superficial.
Zia, por outro lado, era o completo oposto. Seus cabelos roxos, curtos atrás, expondo a sua nuca, e mais longo na frente, na altura do queixo, um detalhe sutil, mas que sugeria confiança e ousadia. Seu olhar era afiado, quase predatório. Cada movimento parecia calculado, e a postura firme denunciava a ferocidade que ela não se preocupava em esconder. Enquanto Claire parecia querer desaparecer sob os holofotes, Zia absorvia a atenção, como se desafiasse qualquer um a subestimá-la.
Eu as reconheci imediatamente — não por encontros anteriores, mas pelo relatório detalhado de Jorjen. Ele havia me alertado sobre as duas. Claire, a estrategista silenciosa, cujos talentos eram frequentemente subestimados. Zia, a guerreira implacável, feroz tanto em combate quanto nos jogos de poder. Ambas traziam uma ameaça velada. Uma apresentação dessas, ao lado do próprio Imperador, não era apenas uma formalidade: era um aviso. Competição desleal, pensei. Como poderiam rivalizar com a presença direta da linhagem imperial?
Nix percebeu meu olhar e sussurrou:
— Impressionante, não é?
— Mais do que parece — respondi, mantendo os olhos fixos nas duas. — Isso aqui é um jogo. E eles sabem exatamente como mexer as peças.
Nix apertou minha mão. O baile estava apenas começando, mas eu sentia que cada movimento, cada olhar, era parte de uma dança maior.
Quando todos prestavam atenção, o Imperador começou a falar. Sua voz era rouca e profunda, mas ecoava no salão sem esforço, cada palavra carregada de autoridade e poder incontestável.
— Primeiramente, quero agradecer a todos pela sua presença ilustre. As Grandes Casas aqui presentes, representadas por seus patriarcas, matriarcas — disse, olhando diretamente para minha bisavó, Amara Nymeris — e seus dignos representantes. — Com um gesto amplo e calculado, indicou as figuras reunidas na mesa central.
O silêncio era absoluto, os olhares fixos no Imperador. Até os mais jovens sabiam que cada palavra era uma jogada no grande jogo político do Império. Eu sentia Nix ao meu lado, tensa, os olhos fixos no lupino, mas mantendo-se em silêncio, por enquanto.
— Quero agradecer às casas menores, que, sem elas, não teríamos a sustentação do nosso modo de vida — continuou, sua voz carregada de uma ironia velada, um lembrete sutil de quem realmente detinha o poder. As casas menores sabiam o peso por trás daquela “gratidão”; era tanto um elogio quanto um aviso.
Ele fez uma pausa, o olhar deslizando pelo salão, antes de fixar-se nas figuras das raças convidadas. — Quero agradecer aos diplomatas e enviados de outras raças. É a primeira vez que os temos aqui como convidados. — Sua voz ganhou um tom frio. — E gostaria de deixar claro que são meus convidados… agradeçam a eles a fartura de escravos que estão aqui nos servindo.
O salão ficou ainda mais silencioso. O lupino que Nix não tirava os olhos levantou a taça em direção ao Imperador, um gesto que poderia ser interpretado como respeito e agradecimento. Seu olhar cruzou o de Nix, e o ambiente ao nosso redor pareceu carregar-se de eletricidade.
Inclinei-me discretamente em direção a ela e murmurei entre dentes: — Pare de encarar… vai nos arrumar problemas.
Ela não respondeu, mas o rosnado quase imperceptível que vibrou em sua garganta disse tudo o que eu precisava saber.
O Imperador prosseguiu, sua voz cortando o silêncio: — Quero fazer um comunicado aos jovens aqui presentes. — O salão pareceu prender a respiração, cada jovem ali sabia que esse era o momento que poderia definir seu futuro. — Os líderes das equipes serão: da equipe Cervo, Cassiopeia Nymeris Vulkaris; da equipe Javali, André Rulmar; da equipe Leão, Valis Nonnar; da equipe Águia, Maya Umbrani Nymeris; e da equipe Alce, Niara Elden Zephyrus.
O anúncio provocou um burburinho no salão. Cada nome representava mais do que apenas uma escolha; era um reconhecimento de habilidade, influência e, acima de tudo, potencial para moldar o futuro do Império. Esses jovens não eram apenas líderes, eram apostas políticas, marionetes em uma dança de poder que se estendia muito além do torneio.
Cada um dos anunciados respondeu à menção de seus nomes com uma leve demonstração de poder ou habilidade. Cassiopeia ergueu o queixo, os olhos brilhando com uma confiança inabalável. André Rulmar sorriu de canto, quase desafiador, enquanto Valis Nonnar fez um gesto discreto, mas cheio de significado, para sua família. Maya Nymeris manteve uma expressão serena, mas os olhos analisavam cada detalhe. Niara Zephyrus apenas acenou, com a elegância de quem sabia o peso que carregava.
O Imperador aguardou o burburinho cessar antes de continuar: — Esses são os líderes que decidimos apontar. Durante a competição, a equipe pode escolher destituir o líder através de um duelo ou por votação. Portanto, se não se empenharem, não terminarão nessa posição vantajosa. — Sua voz soava quase divertida, como se antecipasse o caos. — No torneio, o líder receberá mais pontos com as ações da equipe, porém também perderá mais pontos nos fracassos.
Uma tensão silenciosa pairou no ar. As regras eram claras, mas a verdadeira mensagem era mais profunda: liderança não era apenas uma honra, era um fardo. E o preço do fracasso seria alto.
— Declaro aberto o baile e a temporada de caça aos patrocínios. Agora que os jovens já sabem os líderes de cada equipe, podem começar a confraternizar e escolher em qual time desejam estar, se uma equipe ultrapassar o limite de participantes, o excedente será sorteado para às demais equipes. O sorriso do Imperador era calculado, quase predatório. Enquanto a música retornava e o salão voltava à vida, eu troquei um olhar com Nix. A noite estava apenas começando, e o verdadeiro jogo havia acabado de começar.
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