Capítulo 27: Carrossel das mesas
O imperador desceu as escadas em direção à mesa central, onde os nobres mais importantes estavam reunidos. Seu lugar era o de destaque, com meu pai à sua direita, uma posição de honra que poucos podiam reivindicar.
Jorjen, meu padrinho e de Gérard, que parecia estar sempre atento a tudo, me tirou dos meus pensamentos com um leve toque no ombro.
— Peguem uma taça e me sigam. Vamos fazer nosso trajeto entre as mesas das casas. Se preparem para apertar muitas mãos e sorrirem até os maxilares doerem. — Ele lançou um olhar rápido para Nix, que ainda parecia tensa. — É melhor que a jovem Nix fique aqui com minha prima…
— Pode deixar, ela está em boas mãos — assegurou Liana, mãe de Gérard, com um sorriso acolhedor, embora seus olhos demonstrassem uma curiosidade afiada.
Inclinei-me para dar um beijo na cabeça de Nix, sussurrando:
— Se comporte, ok?
Ela assentiu, mas o brilho travesso em seus olhos me fez suspeitar que não estava levando minha advertência tão a sério. Então, segui Jorjen e Gérard, a taça na mão, sentindo o peso de cada passo.
Enquanto caminhávamos pelo salão, Jorjen murmurava instruções, quase como um mantra, sobre como navegar entre as mesas sem cometer erros. Havia uma ordem não oficial, uma dança invisível de poder e prestígio: começar pela mesa mais importante e seguir para as menores, mas o meio do caminho era traiçoeiro. Um deslize na hierarquia podia ser interpretado como uma afronta, e Jorjen, com o olhar atento, analisava o salão como um general traçando estratégias de guerra.
Nosso primeiro destino era a mesa da Casa Vulkaris. Ao nos aproximarmos, vi figuras familiares. Meu tio Augustus, o Pretor Imperial, estava lá, imponente como sempre. Lady Avelline, mãe de Alissande, sentava-se ao lado dele, e meu coração quase parou ao encontrar o olhar de minha mãe, Lady Isolde. Foi um esforço imenso manter a compostura enquanto cumprimentava cada um deles, destacando de maneira ensaiada minhas qualidades e ambições no torneio. Sentia a aura dos três me envolvendo, uma análise fria e precisa da minha força latente.
Augustus e Lady Avelline não esconderam o desapontamento ao perceberem que meu terceiro círculo ainda estava incompleto. Seus olhares eram como punhais. No entanto, Lady Isolde manteve os olhos fixos na máscara de raposa que eu usava, e sua voz, embora suave, carregava um peso enorme:
— Na hora das danças dos patrocinadores, me conceda a primeira dança, por gentileza.
Aquilo não era um pedido. Era uma ordem clara, e eu já esperava por isso. No bilhete que enviei a ela antes do baile, mencionei que um jovem trajando uma máscara de raposa traria notícias de seu filho, Ganimedes.
Após a breve, mas tensa, interação com a Casa Vulkaris, continuamos nosso trajeto, passando por várias outras mesas. Cada cumprimento era uma repetição mecânica de sorrisos e promessas vazias, enquanto minha apresentação pessoal se tornava cada vez mais automática, sem emoção. O peso das expectativas e dos jogos políticos era sufocante, e cada casa representava um campo minado que precisávamos atravessar com cautela.
Não tive a chance de conhecer outros jovens com quem cruzamos. Eles próprios estavam engajados em suas próprias jornadas, cumprimentando possíveis patrocinadores e tecendo alianças. No entanto, tive a sensação de que, em algumas mesas, minhas palavras plantaram sementes de interesse. Alguns sorrisos e olhares avaliadores me deram a impressão de que talvez tivesse conseguido despertar curiosidade em potenciais aliados.
Quando finalmente retornamos à nossa mesa, o alívio foi breve. Nix estava sentada, conversando animadamente com Lady Liana. Na frente dela, duas taças de vinho vazias. A expressão despreocupada de Nix e o olhar travesso que me lançou foram suficientes para me fazer franzir o cenho.
— Relaxe, Lior — disse ela, como se pudesse ler meus pensamentos. — Não vou fazer nada demais. Só precisava… descontrair um pouco.
De fato, ela parecia menos tensa, mas o perigo de sua língua solta era uma preocupação real.
— Deixe a menina aproveitar — interveio Lady Liana, com um sorriso enigmático. — Ela merece um pouco de diversão, não acha?
O tom era leve, mas havia algo nas entrelinhas. O olhar de Liana sugeria que Nix, talvez, já tivesse dito mais do que devia…
Resolvi não me preocupar com aquilo. Já havia preocupações suficientes ocupando minha mente. Liana podia ser imprevisível, mas não acreditava que ela tomaria qualquer atitude que prejudicasse a própria Casa. De qualquer forma, não havia muito o que fazer agora. As engrenagens do baile estavam em movimento, e tudo o que restava era me adaptar ao jogo perigoso que se desenrolava.
Jorjen nos havia explicado sobre a estrutura desse tipo de evento. A primeira parte era uma formalidade, quase um ritual não escrito, mas seguido à risca por tradição. O discurso do imperador, o desfile pelas mesas de cada Casa, as danças de abertura — tudo seguia uma ordem rígida. Era como um espetáculo meticulosamente coreografado, onde cada gesto contava. As portas do salão principal se abririam depois, revelando o jardim iluminado por lanternas mágicas, e ali, longe dos olhos atentos dos mais velhos, os verdadeiros jogos começariam. Era o momento dos jovens das grandes Casas, isolados até então entre primos e irmãos, enfrentarem o desafio de interagir com estranhos — rivais em potencial, aliados incertos. Quase cento e vinte jovens, de culturas e temperamentos variados, muitos deles arrogantes, belos ou sedentos por provar seu valor. O álcool, os hormônios, e a pressão para dominar ou ser dominado criavam uma atmosfera tensa, quase incendiária. Todos sabiam que aquilo era mais do que um simples baile: era um campo de provas onde os fortes emergiriam e os fracos seriam esmagados. Para as Casas, era um experimento social cruel, mas necessário, destinado a moldar os futuros líderes e sobreviventes.
O mestre de cerimônias interrompeu meus pensamentos ao anunciar a primeira dança. Era um momento reservado ao imperador e às grandes Casas, uma exibição pública de poder e prestígio. As atenções se voltaram para o centro do salão, onde o imperador, majestoso em sua armadura cerimonial adornada com fios de prata, estendeu a mão para Annabela, conduzindo-a ao centro. A música começou, suave, mas imponente, e os demais membros da mesa central seguiram o exemplo.
Para minha surpresa, meu pai se dirigiu à mesa dos Vulkaris e escolheu Lady Avelline para dançar. A escolha não era trivial. Todos esperavam que ele dançasse com minha mãe, Isolde, sua primeira esposa, o que tornava aquele gesto uma declaração clara, talvez até uma provocação. Intrigas dentro das intrigas. Observei, tentando decifrar o significado oculto, enquanto o baile continuava.
Meu tio também se levantou, caminhando em direção a Nyra, sua filha. Para ela, era uma honra ser escolhida como par — uma demonstração pública de favoritismo e talvez um aviso aos outros participantes do torneio. Esse tipo de gesto nunca era aleatório.
O salão logo estava cheio de casais dançando, cada par contando sua própria história política ou pessoal. Entre tantos rostos, o que mais me chamou a atenção foi Okron, o mercador que me ajudara em Brumora. Não o imaginava em um baile desses, muito menos em um papel tão importante. Seu par era Niara Zephyrus, uma das líderes de equipe e, pelo que tudo indicava, sua filha. A semelhança era inegável: a pele escura, os traços firmes, os cabelos cobertos por pequenas tranças que desciam como uma cachoeira negra. Ela usava um vestido amarelo vibrante, que contrastava com sua pele e atraía olhares. Um laço elaborado prendia seus cabelos, acrescentando um toque de elegância. A família Zephyrus não costumava exibir fragilidades, e aquela cena sugeria que Okron era alguém de grande influência — talvez o próprio patriarca.
Enquanto a dança continuava, Nix percebeu meu olhar fixo em Niara e me deu uma cotovelada nas costelas. Não pude evitar um sorriso, especialmente ao ver Lady Liana, que parecia se divertir com a situação. Cada movimento era parte de um jogo, e eu precisava me lembrar de que, aqui, até os menores gestos tinham significado.
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