Capítulo 28: Lady Isolde
A segunda dança era a dos jovens participantes do torneio e seus acompanhantes. Diferente da primeira, essa coreografia dinâmica fazia com que houvesse múltiplas trocas de parceiros ao longo da música. Não era o suficiente para conhecer alguém profundamente, mas servia para quebrar o gelo e criar novas conexões.
Levantei-me e estendi a mão para Nix, que a aceitou com um sorriso entusiasmado. Eu poderia ter ido sozinho, como a maioria dos participantes, mas preferi levá-la comigo. Além de proporcionar essa experiência a ela, havia um desenrolar de eventos que poderia me ser útil no futuro.
Fomos para nossas posições, e percebi que minha raposinha estava nervosa. Inclinei-me e sussurrei:
— Calma, é só fazer como a gente praticou. Com a sua destreza, você vai se sair melhor que muitas dessas garotas.
Ela assentiu, respirando fundo, e o nervosismo deu lugar a um sorriso confiante.
A música começou, e nossos passos ensaiados fluíram naturalmente. Cada giro e troca de parceiro eram acompanhados pelo brilho nos olhos de Nix, o que, por si só, já fazia tudo valer a pena.
Depois de algumas trocas, acabei ficando frente a frente com Cassiopeia. Sem pensar, deixei escapar:
— E como estão as coisas, Cass? Que saudades…
Ela me lançou um olhar estranho, claramente desconcertada. Percebi na hora que tinha cometido um deslize.
— Que intimidade é essa, rapaz? Não te conheço não. — Sua voz era fria, mas carregava uma ponta de desconfiança.
Não tive tempo de me desculpar antes de sermos separados pela troca de parceiros. Mesmo assim, de canto de olho, percebia que ela continuava me observando, intrigada e ofendida. A conexão havia sido feita, mas a que preço?
Dancei com várias outras garotas, mantendo diálogos leves e elogiando com sutileza, tentando ganhar a simpatia delas. Até que Claire Umbrani, sobrinha-neta do imperador, apareceu diante de mim. Ela parecia deslocada, tropeçando nos próprios pés, a insegurança evidente. Segurei sua mão com firmeza, mas de forma gentil:
— Calma. Respire fundo, feche os olhos e sinta a música. Imagine que estamos sozinhos no salão. Eu guio você.
Ela obedeceu, e aos poucos, o nervosismo foi se dissipando. Quando chegou a hora de trocarmos de parceiro novamente, ela me lançou um olhar agradecido, as bochechas coradas:
— Obrigada.
Quando a dança estava terminando, reencontrei Nix. Seus olhos brilhavam, e eu sabia que ela tinha se divertido. A música cessou, e todos aplaudiram. O mestre de cerimônias anunciou a próxima dança, a primeira para os patrocinadores.
— Volte para a mesa, Nix — pedi, esboçando um sorriso. Ela assentiu e, antes de se afastar, lançou-me um olhar maroto:
— Recebi pelo menos cinco pedidos de noivado…
Soltei uma risada, mas ela morreu antes mesmo de nascer. Algo me deixou em alerta. Eryk Forlorn estava no caminho dela, observando cada movimento com uma intensidade desconfortável. Ele parecia pronto para interceptá-la, mas, para minha surpresa, não fez nada. Permaneceu imóvel, os olhos cravados nela, como um predador avaliando a presa.
Ela passou por ele sem ser incomodada, o que considerei um alívio — ainda que temporário.
Algo raro aconteceu em seguida. Nenhum participante das casas menores havia sido convidado para dançar com membros das grandes casas. Por isso, quando Lady Isolde se levantou e se dirigiu ao salão, o murmúrio de espanto percorreu a multidão.
Fiz uma mesura exagerada, consciente dos olhares fixos em nós. Se eles queriam um show, eu daria um espetáculo. Notei que meu pai e Cassiopeia, que haviam planejado dançar juntos, estavam atônitos, os rostos carregados de incredulidade.
A música começou, e me aproximei de Lady Isolde. A vontade de abraçá-la era avassaladora, mas segurei a emoção. Respeitosamente, segurei sua mão e sua cintura. Enquanto rodopiávamos pelo salão, seus olhos fixaram-se nos meus, avaliando-me com firmeza. Havia curiosidade ali, mas também uma raiva contida, como se me alertasse silenciosamente que, caso eu desperdiçasse seu tempo com frivolidades, não hesitaria em me esmagar.
— Jovem Lorde Lior Aníbal — sua voz era baixa, mas carregada de autoridade —, soube de forma bastante misteriosa que você tem notícias de meu falecido filho. Fale logo. Não tenho tempo a perder.
— Tenho, sim, Lady Isolde. Mas temo que, se eu contar a verdade, a senhora não acreditará…
— Tente. Já vi muitas coisas inacreditáveis.
— Seu filho está vivo e bem. Estou ajudando-o a desvendar as intrigas que cercam o atentado contra Cassiopeia e sua suposta morte. — Mordi a língua para não dizer “Cass” novamente. — Posso garantir que tenho um interesse pessoal nesse assunto.
— Isso não é suficiente. Embora pareça que você sabe de algo, não prova nada. Afinal, pode fazer parte da conspiração.
— Não faço. — cortei firme, antes que a desconfiança crescesse. — Você leu o bilhete… mais do que ninguém, conhece a letra do seu filho.
— Sim, sem dúvidas. Mas isso só faz eu querer mandá-lo prender e torturar para descobrir a verdade. Como provavelmente fizeram com Ganimedes…
Ela me encarou, os olhos afiados como lâminas. Percebi que insistir nesse caminho só aumentaria sua desconfiança. Respirei fundo e decidi arriscar.
— E se eu dissesse que eu sou seu filho? Que sobrevivi à Névoa e ela me modificou? Meu corpo foi curado do meu defeito.
Lady Isolde estreitou os olhos, sua expressão carregada de ceticismo.
— Uma história difícil de acreditar. Como pretende me convencer?
— Para ser honesto, não sei. Meu plano só chegou até este momento… Pensei em tantas coisas para dizer… em como queria estar perto de você novamente. Lembro-me da cantiga que você costumava cantar para me acalmar quando eu estava de cama, me recuperando daquela surra que levei de Alissande e Victor.
Inclinei-me levemente e murmurei a melodia.
Os olhos de Lady Isolde se arregalaram ligeiramente, embora ela tentasse manter a compostura. Meu coração disparava, e meus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Outra maneira seria me testar. Pergunte algo que somente Ganimedes saberia responder.
Ela ficou em silêncio, me observando com intensidade, como se tentasse decifrar cada detalhe.
— Tudo o que quero — acrescentei — é ajudá-la, a senhora e Cass. Quero entender a trama que me jogou na Névoa e quase destruiu nossa família.
— Por favor, mãe. — A palavra a fez vacilar por um breve momento. — Não revele nada a ninguém, nem mesmo a Cassiopeia. Pelo menos até que eu descubra mais sobre os responsáveis pela tentativa de assassinato dela.
Lady Isolde respirou fundo, recompondo-se.
— Ainda não estou convencida. Precisaremos de uma reunião formal. Usarei o patrocínio como desculpa.
A música cessou, e Lady Isolde fez uma reverência discreta, que devolvi com igual respeito. Ao se afastar, cruzou com Cassiopeia, que observou a mãe com olhos cheios de perguntas, claramente intrigada pelo estado alterado dela.
Ela me abordou enquanto eu retornava à mesa. O salão ainda vibrava com murmúrios e música suave, mas a tensão nos olhos de Cassiopeia ofuscava qualquer som. Haveria mais duas danças para futuros patrocinadores, mas, naquele momento, qualquer vontade de dançar havia evaporado.
— Ei, você! — A voz dela cortou o ambiente, mais alta do que o decoro exigia. Parei, me virei lentamente. Seu olhar semicerrado, a expressão carregada de um ódio que me pegou de surpresa.
— O que é que você fez com a minha mãe? Não se faça de idiota. Eu vi quando ela saiu daqui chorando.
Respirei fundo, mantendo a expressão neutra.
— Eu não fiz nada. Estávamos discutindo o patrocínio. Ela se emocionou ao lembrar do filho… do falecido Ganimedes. Inclusive, ela concordou em se encontrar comigo para me patrocinar. Não há segredo nisso; em breve será público.
Os olhos dela me avaliaram com um olhar perscrutador, como se buscasse a verdade em cada detalhe do meu rosto. A desconfiança era evidente, e eu sabia que sua impressão de mim estava longe de ser favorável.
— Hum… — murmurou, os olhos ainda estreitos. — Vou falar com ela. Se ela desmentir você… — aproximou-se, a voz baixa, mas carregada de ameaça — vou acabar com a sua raça. Sem esperar resposta, virou-se bruscamente e partiu em direção à mesa, deixando o rastro de uma tempestade por onde passava.
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