Capítulo 31: Valis Nonnar
Eu achava que a noite tinha sido proveitosa até o momento. O ambiente estava repleto de tensão, mas nada que eu não pudesse controlar. Pelo menos, até o caminho de volta ao salão. No meio do percurso, fomos interpelados por Zia Umbrani, a prima de Claire.
— Onde você esteve, menina? — Zia disparou, os olhos fixos em Claire, mas sua atenção claramente voltada para mim e Nix. Ela nos avaliava com um olhar crítico, quase predatório. Sua atitude exalava domínio e agressividade, mais até do que a própria Cassiopeia.
Claire hesitou, mas antes que pudesse responder, Zia continuou, a voz firme e incisiva:
— Tá a maior confusão lá perto da fonte. Aquele valentão do Valis Nonnar matou um dos participantes. Um duelo.
A notícia me atingiu como um soco. Valis Nonnar. Um nome que, até pouco tempo atrás, não passava de um desconhecido entre os mais poderosos. Vindo de uma Casa pequena, quase insignificante. Na cerimônia de apresentação meses antes, havia surpreendido a todos com seu porte, presença e poder, e havia se destacado. Agora, ele havia dado o primeiro passo — e começado o torneio antes mesmo de seu início oficial.
Meu interesse foi instantâneo.
— Um duelo? — perguntei, tentando manter a voz neutra, mas minha curiosidade transbordava. — Quem era o outro participante?
Zia me lançou um olhar penetrante, como se estivesse tentando decidir se deveria confiar em mim.
— Dorian Thalmar. Um garoto de uma Casa pequena. — Ela deu de ombros, quase despreocupada, mas havia algo calculado em seus olhos, um preconceito pela origem do garoto. — Ninguém muito importante, mas… — ela sorriu de lado —, a morte de um participante, ainda mais em um evento não oficial, vai causar uma reação.
— E o Imperador? — perguntei, a mente já antecipando os desdobramentos. — Já tomou alguma decisão?
— Ainda não. Mas todos estão falando sobre isso. Vai ser interessante ver como as grandes Casas vão reagir — respondeu Zia, cruzando os braços. Seu olhar se fixou em mim novamente. — E você? O que acha disso tudo?
Ela não estava apenas perguntando por curiosidade. Era um teste. Um desafio velado.
Respirei fundo, escolhendo minhas palavras com cuidado.
— Valis não fez isso sem motivo. Duelo ou não, ele sabia o impacto que causaria. Essa jogada tem um propósito… e aposto que ele não agiu sozinho. Vamos ver o que acontece quando o Imperador decidir interferir.
Zia arqueou uma sobrancelha, um sorriso enigmático nos lábios.
— Você é mais esperto do que parece, Lior Aníbal. Vamos ver até onde isso vai te levar.
Ela se virou para Claire, com um gesto autoritário.
— Venha. Precisamos voltar. E vocês… — Ela nos lançou um último olhar — tomem cuidado. O jogo está apenas começando.
Ela se afastou, levando Claire com ela. Nix olhou para mim, os olhos dourados cheios de interesse.
— O que acha que Valis está tramando? — perguntou.
— Não sei ainda — respondi, a mente fervilhando com possibilidades. — Mas uma coisa é certa. Ele acabou de virar o centro das atenções. E no torneio que está por vir, ninguém quer ser o alvo.
O ar estava carregado de tensão. Valis Nonnar havia jogado a primeira peça. Agora, restava saber quem seria o próximo a mover.
Fomos todos até o salão. Estava uma verdadeira balbúrdia. O padrinho do garoto que foi morto gritava que queria justiça. Valis estava seguro pelos ombros por dois guardas vestindo Manaclastes. Entre meus conhecidos, Okron conversava com Niara em um lado, Meu tio e minha mãe, com Cass e meus primos. Muitos jovens ali pareciam perdidos. Eles só tinham se dado conta de onde haviam se metido agora. Alguns pareciam passar mal, outros se mantinham indiferentes. Jorjen nos viu de longe e veio em nossa direção.
— Vocês estão bem?
Assenti e perguntei:
— O que aconteceu? Você sabe de algo?
— Mais ou menos… Parece que Dorian estava insistindo em entrar na equipe do Valis. Queria mostrar a ele o seu valor. Tentou três vezes, e em todas foi recusado. A situação escalou, e ele acabou desafiando ele para um duelo. Não teve arma, nem magia. Foi só um golpe. Um único golpe que matou Dorian.
A notícia me fez estremecer. Eu já havia trocado socos com Joaquim várias vezes, e, mesmo quando nos esforçamos um pouco, nunca estivemos perto de causar danos sérios. Para Valis matar alguém com um único golpe… ele devia ser muito mais forte do que parecia. Um monstro maior que eu.
Nesse momento, o Imperador apareceu. Com um gesto severo, ordenou que os guardas escoltassem Valis para dentro do palácio. Eles o levaram por uma porta lateral, sumindo rapidamente de vista junto com os representantes das grandes Casas.
O burburinho crescia ao nosso redor, o clima carregado de tensão. Todos comentavam o que havia acabado de acontecer, olhares de choque e temor espalhados pelo salão.
Joaquim se aproximou de mim, os olhos brilhando de excitação.
— Um único golpe… Você tem ideia do que isso significa? Queria ter visto. Ainda bem que desafiei um “fracote” como você, né? — disse, com um sorriso provocador.
Deixei escapar um sorriso discreto, sem entrar na provocação. Não valia a pena. E, de certa forma, ele não estava errado. Comparado a alguns dos outros participantes, meu círculo de mana ainda era pequeno. Precisava retomar meu treinamento imediatamente. Faltavam apenas quatro meses para o torneio.
Enquanto refletia, senti o peso de olhares sobre mim. Discretamente, observei ao redor. Niara, Cassiopeia, Claire, Eryk e outros jovens, lançavam olhares furtivos em minha direção.
Eu havia chamado alguma atenção. E, em um jogo tão perigoso quanto o que estávamos prestes a enfrentar, isso podia ser tanto uma vantagem quanto uma ameaça.
Alguns poucos tentaram retomar o caráter festivo do evento, mas o esforço foi em vão. A tensão era palpável, como um peso invisível que pairava sobre todos. A conversa se resumia a murmúrios abafados, olhares trocados com cautela. O salão, antes vibrante, agora parecia uma arena prestes a explodir em caos.
Passado algum tempo, o Imperador retornou, enquanto atravessava o salão com passos firmes. Atrás dele, Valis Nonnar o seguia. Annabela, a concubina do Imperador fechava a fila. Ele mantinha a cabeça baixa, mas um sorriso cínico em seus lábios era impossível de ignorar. Valis era uma figura imponente, quase sobre-humana. Sua presença dominava o ambiente. Alto, largo, com ombros que pareciam montanhas e punhos do tamanho de marretas. Os pequenos olhos escuros brilhavam com uma inteligência afiada, quase cruel. Havia algo de predatório nele, como um lobo entre cordeiros, dava para sentir sua sede de sangue. Sua boca larga e os traços rígidos do rosto apenas reforçavam essa impressão. O cabelo preto, raspado rente no estilo militar, acentuava ainda mais a brutalidade de sua aparência.
Com a aproximação do Imperador, todos os ruídos cessaram. O silêncio que se seguiu era quase opressor, como se o salão inteiro prendesse a respiração.
— Chegamos a uma conclusão — a voz grave do Imperador ecoou, cada palavra carregada de autoridade. — Valis, da Casa Nonnar foi considerado inocente.
Murmúrios de surpresa percorreram o salão, mas ninguém ousou interromper.
— O duelo foi realizado sem armas e sem o uso de mana, conforme exigem as regras do Palácio — continuou o Imperador. — As regras do torneio foram aplicadas excepcionalmente a esta situação. Embora o torneio ainda não tenha começado oficialmente, os participantes já estão imersos na realidade das disputas. E as regras são claras: uma morte em um duelo não deve ser punida.
O choque se transformou em murmúrios mais intensos, alguns de indignação, outros de alívio. A justiça das grandes casas era uma questão de força e astúcia, não de moralidade.
— Dorian Thalmar só pode lamentar sua falta de habilidade e sua incapacidade de avaliar corretamente o poder de seu oponente — o Imperador completou, a voz fria como gelo.
As palavras eram como um veredito implacável. Não havia espaço para fraqueza naquele mundo.
Meus olhos seguiram Valis enquanto ele se movia, deixando a sombra do Imperador e retornando à sua mesa. Para minha surpresa, Elizabeth estava lá, esperando por ele. Ela lhe estendeu a mão, que ele beijou com um gesto quase teatral. Ambos sorriram um para o outro, como se compartilhassem um segredo. Algo naquela cena me incomodou profundamente.
A voz grave do Imperador soou novamente, cortando o burburinho.
— Para encerrar, com a anuência do Conselho das Grandes Casas, concedo a Valis Nonnar 500 pontos antecipados para o torneio por vencer o duelo com Dorian.
O salão ficou em silêncio absoluto. A decisão do Imperador transformava o jovem não apenas em um competidor perigoso, mas em um adversário já à frente de todos os outros.
A tensão se intensificou. Valis não havia apenas vencido um duelo; ele havia marcado uma posição, iniciado uma guerra que eu não sabia como ia se desenrolar. A sensação em mim era que enquanto estávamos brincando, ele estava jogando o jogo de verdade.
Os jovens ali se entreolhavam, as regras não faladas do conflito que se aproximava havia mudado, e todos percebiam isso.
— Vamos retomar as festividades. Música! — ordenou o Imperador, com um gesto amplo. A orquestra começou a tocar, mas o som parecia distante. O torneio ainda nem começara, e já havia um vencedor emergindo das sombras.
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