Capítulo 33: O inimigo é meu próprio irmão
Minha mãe levantou-se, e, entre soluços e lágrimas, me envolveu em seus braços. Retribuí o abraço com ainda mais intensidade, como se quisesse compensar cada dia perdido. Minhas lágrimas caíam livremente, e senti as dela também molhar minha roupa. O cheiro dela, tão familiar, trouxe uma torrente de memórias e emoções. Era como voltar para casa, para um lugar seguro que eu achava ter perdido para sempre.
Althéa, que observava à distância, parecia tocada pela cena, embora mantivesse a postura reservada de alguém acostumada a esconder seus próprios sentimentos. Após um breve silêncio, minha mãe limpou as lágrimas e me encarou, seu tom agora mais leve, quase brincalhão.
— Mas me diga, estou sabendo que tenho uma nora…
Fiquei um pouco surpreso, mas sorri.
— Na verdade, são duas… Nix e Selune. Elas são incríveis, cada uma à sua maneira.
Minha mãe arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Da pequena vulpina eu já sei. Não é o que eu escolheria para você, mas, considerando tudo o que passou, não me sinto à vontade para dizer nada. — Seu olhar permaneceu firme por um momento antes de suavizar. — E a outra?
— Ela é uma elfa negra, uma maga sem igual… minha professora…
Minha mãe me lançou um olhar carregado de surpresa e uma leve reprovação, os lábios se contraindo como se estivesse ponderando cada palavra antes de falar.
— Bom… interessante, para dizer o mínimo. Meu filho se tornou um mago. — A pausa foi quase teatral. — Não seguiu a herança dos Vulkaris de se especializar no desenvolvimento corporal.
A crítica estava implícita, mas antes que eu pudesse reagir, ela suavizou o tom, talvez percebendo o impacto de suas palavras.
— Mas isso é compreensível. — Sua voz tornou-se mais branda. — Não que eu ache isso ruim. Seu caminho sempre foi… diferente, por isso, não vou opinar sobre suas escolhas, ou, sobre minhas noras. Só o tempo dirá.
Havia algo no modo como ela disse “diferente” que me deixou desconfortável. Era ao mesmo tempo uma aceitação relutante e um reconhecimento de que eu nunca encaixei no molde esperado.
O peso do julgamento pairou no ar entre nós, mas ela decidiu não aprofundar o assunto. Em vez disso, a conversa tomou um rumo mais leve, quase inesperado. Começamos a recordar momentos do passado, relembrando histórias da infância e trocando memórias que, apesar do tempo e da distância, ainda nos conectavam.
Era estranho, quase artificial, como se estivéssemos tentando costurar um tecido que há muito havia se rasgado. Ainda assim, aquele breve instante de normalidade, por mais tênue que fosse, parecia valioso. Uma trégua silenciosa em meio às sombras do que éramos e do que nos tornamos.
Quando o silêncio se prolongou novamente, limpei o rosto, respirei fundo e tomei a palavra.
— Acho que nem preciso dizer que ninguém pode falar sobre isso, certo?
Minha mãe assentiu com um pequeno sorriso, seus olhos ainda brilhando de emoção.
— Claro, meu amor. Ninguém saberá.
Althéa, no entanto, manteve-se séria, dando um passo à frente.
— Preciso colocar ele a par do que descobrimos. O que podemos dizer a ele sobre nossas investigações? — perguntou minha mãe, dirigindo-se à espiã.
— Bem, temos três linhas principais — começou Althéa, sua voz firme e metódica. — A primeira hipótese é a mais perigosa: que o próprio Imperador está por trás dos atentados, buscando enfraquecer a Casa Vulkaris. Há sinais sutis disso nos conselhos e nas mudanças de tratados comerciais, mas nada direto.
Minha mãe franziu o cenho, claramente preocupada com essa possibilidade.
— A segunda linha de investigação — continuou Althéa — aponta para uma coalizão entre casas menores e rivais, em especial a Casa Rulmar e os Thalmar. Reuniões secretas, movimentações financeiras… há algo ali, mas, novamente, nenhuma prova concreta.
— E a terceira? — perguntei, minha voz carregada de tensão.
— A mais inquietante — disse Althéa, estreitando os olhos. — Há sinais de que dentro da própria Casa Vulkaris existe uma facção conspirando contra Lady Isolde e Cassiopeia. Traição interna, baseada em interesses individuais e alianças clandestinas.
Minha mãe apertou minha mão com força, como se buscasse apoio para lidar com aquela revelação.
— Vou compartilhar meus arquivos com você, Ganimedes — disse Althéa, voltando-se para mim. — Mas sob uma condição: você pode consultá-los, mas não será permitido copiá-los ou removê-los do local seguro onde os mantenho.
Assenti, aceitando a seriedade da situação, mas corrigi:
— Me chame de Lior. Não sou mais Ganimedes.
Minha mãe suspirou, o tom de sua voz carregado de preocupação:
— Para mim, você sempre será Ganimedes, mas… se esse nome já não te pertence, que Lior seja quem você precisa ser agora.
Ela limpou a garganta e continuou.
— Estamos em guerra, meu filho. Uma guerra silenciosa, mas mortal. E, pelo que vejo, você já está envolvido nela. Sua participação no torneio será crucial. Você é um coringa e ninguém sabe quem você realmente é. Pode atrair aliados inesperados… ou espiões entre nossos inimigos.
— O que sugere que eu faça? — perguntei, curioso.
— Podemos usar isso a nosso favor. Posso patrocinar você discretamente. Ou, se preferir, podemos fingir que nossa reunião foi um fracasso total. Se você demonstrar oposição aberta à Cassiopeia, nossos inimigos vão tentar se aproximar de você.
Hesitei, o pensamento de trair Cassiopeia mesmo que apenas como parte de um plano me deixou desconfortável.
— Não sei se quero ofender Cass…
— Não se preocupe com isso. Eu mesma cuidarei para que ela saiba que você está, do nosso lado. É algo comum nesse tipo de torneio — minha mãe disse, tentando me tranquilizar. — Mas cuidado. Traidores e agentes duplos são abundantes. Cada movimento será observado.
— E como você acabou se envolvendo com a Casa Aníbal? — minha mãe perguntou, claramente curiosa e preocupada.
Respirei fundo antes de responder.
— Foi uma combinação de fatores. E um pouco de sorte. Sem a ajuda de Jorjen, não sei o que teria acontecido. Na verdade, sem a ajuda de Selune e Jorjen.
Ela inclinou a cabeça levemente, estudando minha expressão.
— Essa Selune parece ser bem capaz.
— Sim, mãe, ela é. Sei que nem ela nem Nix são exatamente o que você sonhou para mim, mas elas são incríveis. — Fiz uma pausa, sentindo que precisava ser honesto. — Nix foi a primeira pessoa que se aproximou de mim pelo que eu realmente sou. Não pela minha casa, meu nome ou por quem é meu pai… Selune é um pouco mais complicado. Mas, por favor, peço que as aceite. Afinal, nunca poderei ser Ganimedes novamente.
Minha mãe ficou em silêncio por um momento, claramente digerindo minhas palavras. Finalmente, assentiu, embora seus olhos ainda mostrassem alguma hesitação.
— Vou tentar, meu amor. Só espero que saiba o que está fazendo.
A conversa parecia ter pesado, então decidi mudar de assunto.
— Sobre o torneio, irei me opor a Cass, como sugeriu. Vou deixar claro que nossa conversa não foi bem-sucedida, mas sem causar danos reais.
Minha mãe pareceu aliviada, mas fez um comentário que me pegou de surpresa.
— Ótimo. Vou avisar Cassiopeia de antemão. Ela precisa estar ciente. Só te peço uma coisa: não escolha o time de Valis, não gosto daquele garoto…
Althéa, que até então havia permanecido em silêncio, finalmente interveio.
— Concordo com sua mãe. O jovem tem uma postura agressiva e alianças perigosas, não consigo prever seus passos. No entanto, há uma alternativa interessante.
Minha mãe arqueou uma sobrancelha.
— André?
— Sim — respondi, concordando. — Pretendo me aliar a ele. Com André Rulmar, terei a oportunidade de investigar a segunda e a terceira hipótese de Althéa. Se há conspiração dentro da Casa Vulkaris, Alissande com certeza é parte disso.
Althéa cruzou os braços, um leve sorriso de aprovação surgindo em seus lábios.
— É uma boa escolha. Alissande é astuta e tem acesso a informações que podem ser valiosas. Ela também está sob menos vigilância do que Cassiopeia, o que facilita as coisas. Aproximar-se dela e de André é uma jogada estratégica.
Minha mãe ponderou por um momento antes de falar.
— Só tome cuidado. André é leal à sua própria casa, e Alissande é filha de Lady Avelline, minha principal rival. Não subestime as alianças deles.
Assenti, compreendendo os riscos.
— Eu sei. Mas se queremos descobrir a verdade, precisamos correr alguns riscos.
Minha mãe me olhou, seu rosto dividido entre orgulho e preocupação.
— Espero que você esteja certo, meu filho. Estamos colocando muita fé em você.
Eu apenas assenti novamente, sentindo o peso daquela responsabilidade. Não era apenas um torneio. Era uma batalha entre sombras, onde cada passo errado poderia custar mais do que uma vitória ou derrota.
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