Capítulo 38: A fatídica dança
Olhei ao redor e percebi que as mesas eram de assento livre, ou seja, cada um poderia se sentar onde desejasse. O arranjo fora feito para estimular o contato social entre os convidados.
Em uma mesa, notei que Joaquim e Joana estavam sentados. O rapaz me olhava à distância, e quando me percebeu, ergueu sua taça em saudação e, em seguida, fez um gesto com a mão, me chamando para se juntar a eles. A mesa onde estavam era grande, com oito lugares, mas eles eram os únicos ocupantes.
À medida que nos aproximávamos, Joaquim não perdeu tempo, e, soltou um de seus típicos comentários, olhando para Selune.
— Sempre que te vejo, repenso algumas das minhas escolhas — disse ele, com um sorriso travesso. — Não se cansou desse aí, Selune?
— Acho que não tão cedo — ela respondeu, rindo da brincadeira, o que suavizou a tensão que ela ainda sentia após conhecer minha mãe.
— Sempre engraçadinho, hein, Joaquim? — falei, sorrindo.
— Faz parte do meu charme — ele completou, piscando para mim.
Joana se virou para mim e perguntou:
— E hoje, qual é o plano?
Olhei para a garota com estranheza. Ela já se incluía nos meus planos sem nem ao menos perguntar. Ou ela e Joaquim realmente tinham se encantado por mim, ou estavam com seus próprios interesses. Resolvi seguir o conselho de Selune e ficar atento a isso.
— Quero ficar bem com André e Alissande. Afinal, ele é o capitão da nossa equipe e ela é sua noiva — respondi em um tom neutro. Selune apertou minha mão por baixo da mesa, como se me lembrasse de guardar meus segredos.
Ficamos ali por um tempo, jogando conversa fora e bebendo. Até que a orquestra começou a tocar suavemente, sinalizando o início das danças.
Olhei para Selune e me levantei.
— Prometi à minha futura provável patrocinadora a primeira dança da noite. Você não se importa, não é?
— Claro que não, meu querido — respondeu Selune com um sorriso. Joaquim se levantou, estendendo a mão para ela, num gesto elegante.
— Seria uma honra — ouvi Selune dizer enquanto me afastava, dirigindo-me à mesa dos Vulkaris.
Para minha sorte, apenas minha mãe estava lá. Fiz uma reverência discreta e estendi a mão.
— Vamos dançar?
Ela aceitou, e logo estávamos no meio do salão, dançando ao som da música suave da orquestra. Mantínhamos nossas vozes baixas, longe de ouvidos curiosos.
— Senti saudades, mãe — murmurei, observando um breve tremor em sua postura.
— Eu também, meu filho — respondeu, quase num sussurro, sua voz carregada de uma ternura que raramente se permitia demonstrar.
Por um instante, o mundo ao redor pareceu se dissipar. Então, acrescentei, retomando o tom prático:
— Entrei para a equipe de André, conforme combinado.
Lady Isolde assentiu, sua expressão tornando-se novamente austera, mas seus olhos mantinham um brilho de aprovação.
— Já estou sabendo. Cassiopeia foi informada e disse a ela para confiar em você.
A menção ao nome de minha meia-irmã me fez franzir a testa por um breve momento.
— Ela sabe minha real identidade?
— Não… — comecei, mas minha mãe me cortou, com a firmeza que só ela tinha.
— Não sabe, e prefiro que as coisas permaneçam assim.
Assenti em silêncio, mantendo o ritmo da dança. Ela prosseguiu:
— Hoje, você precisa criar um fato para afastar suas pretensões de um patrocínio oficial, além de estabelecer um rompimento com Cassiopeia. Precisamos que nossos inimigos acreditem que você pode ser um aliado.
— Já tenho algo em mente — respondi, deixando um sorriso sinistro escapar. Minha mãe ergueu uma sobrancelha, intrigada.
— Cuidado com o que vai fazer. Cassiopeia é sensível e não tolera traições — advertiu ela, com a voz mais firme.
— Pode deixar. Enquanto nossa parceria estiver garantida, não haverá problemas. Mas, por via das dúvidas, avise-a que vou agir. Pretendo usar a festa para estreitar relações com André e Alissande.
Ela assentiu, aprovando.
— Sim, faça isso.
Invariavelmente, nossa conversa acabou migrando para a opinião de minha mãe sobre Selune.
— Não sei se aprovo, meu filho. Ela é uma mulher feita, e você ainda é apenas uma criança.
Senti o sangue ferver, mas me controlei.
— Eu também tinha minhas dúvidas — admiti. — Não conseguia entender por que alguém como ela se interessaria por mim. Mas Selune provou ser leal e digna. Não posso entrar em detalhes, mas há algo em mim que a atrai profundamente.
Pensei na chave que eu representava para o futuro mágico de Selune, um segredo que não podia compartilhar.
— Se você ainda fosse um Vulkaris… — começou minha mãe, mas eu a interrompi antes que continuasse.
— Não sou mais um. E mesmo se fosse, Selune é mais do que digna. Não importa seu passado ou sua origem. Eu é que tenho sorte por alguém como ela se interessar por mim.
Ela crispou os lábios, claramente contrariada, mas não disse mais nada. Era raro ela admitir derrota em uma discussão, mas percebi que continuá-la seria inútil para ela.
Suspirei, arrependido por meu tom.
— Me desculpe pelo destempero.
— Está tudo bem, meu filho — disse ela, com a voz mais branda. Terminamos a dança em silêncio, aproveitando o raro momento em que podíamos estar juntos sem intrigas ou conspirações.
Mas, no fundo, sentia-me dividido. Queria defender Selune a todo custo, mas não queria desagradar minha mãe.
Quando procurei Selune para dançarmos, vi que ela rodopiava pelo salão com Joaquim. Ambos riam abertamente, parecendo despreocupados. Me aproximei e toquei no ombro dele. Joaquim parou, fazendo uma reverência exagerada antes de ceder o lugar.
— Você tem sorte, meu amigo — murmurou ele, com um sorriso.
Aquelas palavras me aqueceram, porque resumiam exatamente o que eu tentava fazer minha mãe entender: o quanto Selune era especial.
Aproveitamos aquele momento para ficarmos só nós, sem intrigas e jogos sociais. Ela se aproximou e pousou a cabeça no meu peito. Ficamos ali, curtindo o calor e o cheiro um do outro até que a música acabou. Selune sempre tinha uma serenidade que parecia envolver tudo ao redor, e aquele momento foi um raro alívio em meio ao caos daquela noite.
Ao voltarmos para a mesa, ela me olhou com firmeza e disse simplesmente:
— Obrigada por tudo. E, a propósito, pode confiar em Joaquim e Joana.
Eu não duvidava da capacidade dela, então guardei a informação sem perguntar nada a respeito. Olhei em volta, o desejo de resolver a questão com Cassiopeia o mais rápido possível começando a crescer. Precisava criar espaço para os inimigos me abordarem ainda ali dentro, enquanto o ambiente estava carregado de atenção e rumores.
Cassiopeia dançava com Roderick. Deixei Selune na mesa e fui ao encontro deles.
— Me concede a honra de uma dança, Lady Cassiopeia?
Ela me avaliou com o olhar, como se tentasse decifrar minhas intenções, mas acabou assentindo. Com um gesto discreto, sinalizou para Roderick, que hesitou antes de se afastar, lançando-me um último olhar de advertência antes de retornar à mesa.
Enquanto cruzávamos o salão, a música preenchia o ambiente, mas meu foco estava nas palavras que precisava dizer. Comecei, mantendo a voz baixa:
— Permita-me oferecer um conselho, Lady Cassiopeia. Misture-se mais. Seu time, por enquanto, é composto apenas por membros da sua casa. Isso pode ser visto como força, mas também como isolamento. E tem mais: onde quer que você vá, Roderick está sempre ao seu lado. Isso inibe outros de se aproximarem. No torneio, aliados externos podem ser sua maior vantagem.
Ela arqueou levemente uma sobrancelha, analisando minhas palavras enquanto rodopiávamos no salão.
— Você pode estar certo. Minha mãe mencionou que você pretende me ajudar das sombras. Mas por quê? O que você ganha com isso?
Mantive minha expressão serena.
— Meus motivos são justos e bons, Lady Cassiopeia. Confie em mim.
Por um instante, ela pareceu ponderar, antes de assentir com relutância.
— Espero que tenha razão — disse, mas havia um toque de ceticismo em sua voz.
Enquanto a música alcançava um ritmo mais intenso, fiz uma pausa, inclinando-me levemente para ela:
— Peço desculpas pelo que vou fazer agora. Juro que não é pessoal.
Cassiopeia franziu o cenho, surpresa e desconfiada.
— O que você pretende? — questionou, a voz baixa, mas carregada de tensão.
— Confie em mim, Lady Cassiopeia. É pelo bem maior.
Ela parou por um instante, os olhos fixos nos meus, como se tentasse desvendar meus pensamentos, apreensiva.
— Lior… o que você vai fazer?
Mas eu não respondi. O silêncio entre nós foi preenchido pela música, agora parecendo mais alta, mais imponente. Apenas murmurei, como uma confissão:
— Me desculpe…
Com um empurrão controlado, me afastei dela, falando alto para que todos no salão ouvissem:
— Não, Lady Cassiopeia. Não adianta insistir! — Minha expressão era uma máscara de indignação fingida. — Não quero me casar com você. Não insista!
Cassiopeia ficou estática, os olhos arregalados enquanto o salão silenciava em choque. Continuei, elevando o tom para reforçar minha encenação:
— Se esse é o preço para o patrocínio, então é um preço alto demais. Não adianta dizer que está apaixonada! Saiba que já tenho noiva! Duas delas, na verdade!
O choque que atravessou a sala era quase tangível. Todos sabiam de Nix e, agora, de Selune. Recusar um casamento com uma Lady para manter duas noivas não humanas era uma afronta absurda, tanto para a lógica quanto para o decoro daquela sociedade.
— Não quero mais negócios com a Casa Vulkaris! — exclamei. — Estou enojado que vocês acharam que poderiam me comprar! Você até que é bonita, Cassiopeia, mas tenho meus padrões!
Virei-me e caminhei em direção à mesa, sentindo os olhares de todos cravados em mim. Até mesmo os serviçais haviam parado para assistir à cena.
Cassiopeia tremia. Seu rosto estava vermelho como uma pimenta, e seus olhos me fuzilavam com uma mistura de ódio e vergonha. Ela parecia tentar reagir, mas as palavras não saíam.
Só então, ao observar o impacto ao redor, percebi que talvez tivesse exagerado. Minhas bochechas esquentaram ao notar que até Selune e minha mãe reagiam da mesma forma: ambas haviam coberto os rostos com as mãos, balançando a cabeça negativamente como se não acreditassem no que acabara de acontecer.
Um silêncio constrangedor pairou, e eu só podia torcer para que meu plano tivesse valido a pena.
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