Capítulo 39: Claire Umbrani
Conforme me aproximei da mesa, notei o movimento dos seguranças. Eles não corriam nem faziam gestos bruscos, mas o ritmo controlado e a expressão neutra deixavam clara a intenção: eu seria removido. Joaquim e Joana, sentados próximos, olhavam para mim com olhos arregalados, seus rostos uma mescla de surpresa e espanto. O silêncio deles era mais ensurdecedor do que qualquer comentário sarcástico que normalmente teriam feito.
Os homens chegaram a mim sem alarde, mas com a autoridade de quem não aceitava recusas. Não houve violência, nem palavras duras, apenas um gesto educado indicando a saída. Ainda assim, a mensagem era inconfundível. Fui escoltado para fora como um intruso que não deveria estar ali. E o mais humilhante: tudo isso era obra da minha própria mãe.
Enquanto caminhávamos pelos corredores iluminados, senti os olhares de outros convidados queimando em minhas costas. Sussurros abafados ecoavam ao meu redor. A vergonha era palpável, mas tentei manter a cabeça erguida. Quando finalmente alcançamos a saída, Selune me acompanhava. Sua expressão era difícil de decifrar, os olhos prateados oscilando entre incredulidade e irritação.
Nosso silêncio continuou até a porta da carruagem se fechar atrás de nós. O som abafado das rodas contra a estrada parecia amplificar a tensão no ar. Eu não sabia como começar, então, por fim, falei:
— É, acho que exagerei.
Selune, sentada com os braços cruzados, virou-se para mim. Seu olhar era afiado, e os traços de seu rosto estavam carregados de exasperação.
— Você continua me devendo um encontro.
O comentário inesperado arrancou de mim uma risada curta e nervosa.
— Eu sei. — Respondi, desviando o olhar para a janela, onde a cidade passava como um borrão. — Preciso parar de ser tão impulsivo. Não pensei nas repercussões antes de executar o plano.
— Você acha? — Ela arqueou uma sobrancelha, o tom de sua voz pingando ironia.
Meu riso foi substituído por um suspiro resignado.
A noite havia sido um desastre. Dos vários planos que eu tinha para colocar em prática, apenas o rompimento público com a Casa Vulkaris fora um sucesso. Ainda assim, esse sucesso tinha um gosto amargo. Eu temia que a reação fosse severa: boicotes nos próximos eventos, dificuldades em reunir novos aliados e obstáculos em me aproximar de André. Alissande, por outro lado, talvez agora me adorasse incrivelmente. Porém, havia também a possibilidade de que outros inimigos dos Vulkaris me olhassem com ceticismo, questionando minhas intenções.
Mas isso era um problema para amanhã.
Olhei para Selune ao meu lado. Ela mantinha uma expressão calma, mas havia algo nos traços dela que denunciava uma insatisfação contida. Talvez pelo fato de a noite ter sido tão curta.
— Ainda te devo um encontro — comentei, tentando suavizar a atmosfera.
Ela me olhou com curiosidade, o brilho prateado de seus olhos refletindo a luz da lamparina próxima.
— Vamos continuar nosso encontro em outro lugar? — sugeri, com um tom mais leve. — Longe dos olhos de Nix?
Selune não respondeu imediatamente. Ela recostou-se no assento, os olhos fixos nos meus, avaliando minhas palavras em silêncio. Então, depois de um momento que pareceu mais longo do que era, assentiu com um pequeno sorriso, tão enigmático quanto ela mesma.
— Por que não?
Sem perder tempo, bati na janela da carruagem, chamando a atenção do cocheiro.
— Mude o trajeto. Nos leve para algum lugar onde podemos jantar tranquilamente.
— Sim, senhor. — Respondeu ele, sem hesitar, ajustando as rédeas.
Enquanto a carruagem se movia, soltei um suspiro de alívio. A tensão no ar parecia começar a dissipar, e Selune voltou a encarar a paisagem pela janela. Talvez a noite não estivesse completamente perdida.
Na manhã seguinte, ao retornar à mansão, a realidade me atingiu com força renovada. Deixando o corredor principal para trás, fui direto ao escritório onde sabia que encontraria Jorjen. Ele estava, como sempre, curvado sobre uma mesa abarrotada de papéis, ao lado de Marcus, que parecia igualmente preocupado.
— Preciso garantir convites para os próximos eventos de patrocínio. — Declarei, entrando no escritório sem pedir licença. — Meus planos para a festa dos Vulkaris falharam miseravelmente, pelo menos parte deles falhou.
Jorjen levantou os olhos do monte de papéis à sua frente, sua expressão passando de surpresa para um misto de cansaço e resignação em questão de segundos.
— Farei o que estiver ao meu alcance, jovem mestre. — Ele disse, escolhendo as palavras com cuidado. Após um momento de hesitação, acrescentou: — Contudo, temo que haja outros assuntos exigindo nossa atenção imediata.
Franzi a testa, cruzando os braços enquanto tentava decifrar o tom enigmático.
— Que tipo de assuntos?
Marcus, que estava inclinado sobre um mapa aberto, finalmente se manifestou, sua voz grave quebrando o silêncio.
— Nossas velhas dores de cabeça.
Jorjen assentiu, a preocupação evidente em seus olhos.
— Estamos lidando com certas… irregularidades.
Assenti lentamente.
— Certo. Me procurem ao anoitecer. Vamos resolver isso.
Com o resto do dia relativamente livre, resolvi tomar um banho demorado para relaxar. Planejava treinar à tarde e, à noite, atender as queixas de Jorjen e Marcus.
Depois do banho, voltei para o quarto, secando os cabelos, e fui pego de surpresa pela cena que encontrei. Claire estava sentada à mesa, tomando café da manhã com Nix e Selune. A atmosfera parecia surpreendentemente tranquila, mas a presença inesperada da jovem Umbrani me deixou desconfiado.
Assim que me viu, Claire se levantou apressada, claramente sem jeito.
— Desculpe, foi Nix quem insistiu para eu vir pra cá…
Cortei sua desculpa com um gesto de mão, conhecendo bem a inclinação de Nix para “convidar” pessoas que lhe agradavam.
— Não importa. Mas, Claire, o que você está fazendo aqui?
Ela corou, visivelmente nervosa, mas conseguiu responder.
— Eu ia falar com você ontem… — Hesitou, antes de finalmente perguntar. — Ela… Ela realmente propôs se casar com você?
Nix e Selune trocaram olhares cúmplices e riram baixo, enquanto eu decidia me divertir um pouco com a situação.
— Claro que sim. Ou você acha que alguém como eu não pode ser irresistível?
Claire ficou da cor de um pimentão, tentando encontrar palavras para responder.
— É claro que eu a entendo por ter se apaixonado…
Não pude evitar rir, balançando a mão para encerrar a conversa.
— Mas aposto que isso não é o motivo real da sua visita, certo?
Claire respirou fundo, parecendo reunir coragem, e sua expressão mudou para algo mais sério.
— Quero uma resposta. — Sua voz saiu firme, decidida. — Quero estudar magia com você. Já dei uma semana para você pensar.
A determinação em seu olhar era inegável, mas a questão que pairava em minha mente era: por que ela queria tanto isso? E o que exatamente eu ganharia ao aceitá-la como aprendiz?
Fitei Claire por alguns instantes, ponderando suas palavras. Sua determinação era clara, mas eu ainda hesitava. Havia algo por trás de sua insistência que eu não conseguia decifrar, mas também sabia que recusá-la provavelmente não resolveria o problema.
— Certo, entendo que o que fiz na sua frente é raro e tal, mas, com sua família, você poderia ter os melhores professores. Ou ir para as melhores escolas de magia do mundo. Por que eu? — perguntei, cruzando os braços. — E por que eu deveria aceitar você como minha aluna?
Apontei para Selune e acrescentei:
— Eu mesmo sou aluno dela.
Selune, que até então observava a conversa com desinteresse, interveio rapidamente:
— Me deixe fora disso. — Sua expressão era uma mistura de aborrecimento e desconforto. — Essas coisas não fui eu quem lhe ensinou…
Claire pareceu ignorar Selune e focou totalmente em mim. Seus olhos brilharam de forma intensa, quase hipnótica.
— Eu sinto que você é especial. E por que você deveria me aceitar…? — Claire olhou ao redor, como se buscasse um argumento mais convincente. Seus olhos pousaram em Nix e Selune, e ficou claro que ela sabia que não poderia barganhar com seu corpo ou qualquer tipo de favor similar — algo que, de qualquer forma, ela não teria coragem de oferecer.
Então, continuou:
— Eu posso ajudar você a receber um patrocínio da Casa Umbrani.
Inclinei a cabeça, avaliando.
— Hum… — murmurei, ainda cético.
— Eu vou te seguir e te ajudar no torneio. Não farei perguntas.
— Hum… — repeti, mantendo meu tom indiferente.
— Vou convencer Zia a te ajudar também.
Dessa vez, não consegui evitar soltar uma risada curta.
— Você não tem o poder de influenciar sua prima.
Claire abaixou os olhos, admitindo:
— Não tenho. Mas o patrocínio e o meu apoio eu posso garantir.
Suspirei, cruzando os braços novamente.
— Existem segredos meus que estão relacionados à minha magia. Não posso arriscar.
Claire ergueu o rosto, sua expressão agora cheia de determinação.
— Por favor, eu faço um juramento sagrado de que não vou divulgar nada a ninguém. Não só sobre sua magia, mas sobre tudo que diz respeito a você.
Ela manteve a cabeça abaixada, esperando minha resposta. Lancei um olhar para Nix e Selune, buscando alguma orientação. Nix me olhava como quem implora, com um brilho quase infantil nos olhos, como se quisesse adotar um filhotinho abandonado. Selune, por outro lado, parecia mais prática.
— Não acho que ela vá te deixar em paz — disse Selune, com uma expressão levemente entediada. — Aceite o juramento dela. Eu faço o ritual.
Suspirei novamente, sentindo que estava sendo levado pela maré.
— Está bem, Claire. Vamos fazer isso. Mas saiba que, se quebrar sua palavra, vai desejar nunca ter cruzado meu caminho.
Os olhos dela brilharam com alívio e alegria, enquanto Nix sorria como se tivesse acabado de ganhar um prêmio. Selune apenas balançou a cabeça, já se levantando para preparar o ritual.
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