Índice de Capítulo

    Ali onde estávamos, era impossível saber se era dia ou noite. Dormi, acordei, e Nix ainda repousava. Só despertou muito tempo depois de mim, ainda pálida e cambaleante. Eu havia deixado um pouco do mingau da noite anterior para ela. Estava frio e endurecido, mas parecia melhor que nada.

    — Obrigada — disse ela, a voz ainda fraca.

    — Por nada. Você está precisando mais que eu. Mas… o que foi aquilo?

    — Não sei ao certo… — murmurou, com os olhos baixos. — Já fizeram isso três vezes comigo, e cada vez é como se estivessem sugando minha alma. Sinto que a cada vez fico mais fraca. — Ela levantou a mão, concentrando-se para fazer a mana circular. Apenas um fiapo fraco cintilou entre seus dedos, antes de desaparecer. — Se fizerem isso de novo, acho que não vou conseguir usar mana nenhuma.

    — Certo… agora descanse.

    Sentado ao seu lado, um impulso estranho tomou conta de mim — uma vontade de acariciar suas orelhas, como se aquele gesto pudesse confortá-la. Mas me contive, sentindo que, qualquer que fosse a resposta dela, eu não podia arriscar pôr nossa frágil parceria em risco. A magia dela para abrir portas seria uma peça crucial em qualquer tentativa de fuga que pudéssemos planejar.

    Antes que eu pudesse falar mais, os esqueletos voltaram. Abriram a cela e gesticularam para que eu saísse. Quando hesitei, um deles bateu os maxilares com força, urgindo para que eu me apressasse.

    Dei uma última olhada em Nix antes de sair:

    — Drael parece gostar de falar… vou tentar arrancar o máximo de informações. Fique firme, e assim que eu tiver um plano, sairemos daqui.

    Estava novamente no laboratório. Ao passar pela bancada, vi que o orc agora ocupava o lugar da criatura dissecada. Seus braços e pernas estavam sem pele, revelando os músculos expostos e pulsantes. Um tubo grotesco emergia de seu pescoço, mantendo-o à beira da morte, enquanto sua boca se abria e fechava em gritos silenciosos. Senti um arrepio subir pela espinha, mas os esqueletos não me deram tempo para hesitar e me empurraram em direção ao altar.

    Drael me aguardava ali, um sorriso sarcástico deformando seu rosto macilento.

    — Espero que tenha se alimentado bem e dormido o suficiente — ele riu, com um humor cruel. — Afinal, você é nosso mais estimado hóspede.

    Respondi com um leve aceno, tentando disfarçar a tensão que dominava meu corpo. Precisava pensar rápido em como arrancar mais informações desse ser repulsivo.

    — Já que sou tão… estimado — falei, forçando uma expressão neutra —, poderia me explicar como vamos trazer o mestre de volta?

    Drael me olhou com suspeita, mas, inflado pelo próprio orgulho, decidiu responder.

    — Primeiro, farei uma análise completa do seu corpo. Depois, corrigirei qualquer falha, fortalecendo-o para que você seja um receptáculo digno. — Seus olhos passaram rapidamente pela joia escarlate na cabeceira do altar. — Finalmente, a consciência do mestre… tomará o lugar da sua, e ele renascerá.

    Enquanto ele falava, os esqueletos prenderam meus braços e pernas ao altar. Com um puxão violento, Drael arrancou minhas roupas, deixando-me nu e exposto. A sensação de vulnerabilidade me invadiu, e nunca me senti tão indefeso.

    Ele aproximou a mão, envolta em um brilho escuro e oleoso, de meu peito. No instante em que seus dedos tocaram minha pele, uma dor lancinante percorreu meu corpo, e tudo ficou escuro.

    Despertei em minha cela, vestido com algo semelhante a um robe áspero. Minha cabeça repousava no colo de Nix, que dormia encostada na parede. Ao meu lado, uma tigela de mingau e um jarro de água me aguardavam.

    Ao me mexer para pegar o mingau e a água, Nix acordou. Ela me mostrou um pequeno frasco e disse:

    — Disseram para você beber assim que acordasse…

    Era uma poção de cura, idêntica à que eu já havia tomado antes. Meu corpo doía de maneira lancinante, especialmente o peito e os braços, e percebi que precisava daquilo mais para aliviar a dor do que por qualquer outro motivo. Na verdade, parte de mim desejava que o experimento tivesse falhado, que eu não fosse útil para os planos insanos de Drael.

    Enquanto bebia a poção, um pensamento me veio: lembrei de um dia em que desafiei um de meus irmãos, e, sem mana no corpo, acabei sendo brutalmente espancado. Foi Cass quem me socorreu naquela vez, tirando-me da fúria dele. Agora, mesmo com o corpo em frangalhos e sentindo medo, encontrei algum alívio na ideia de que, tendo vindo parar aqui, ao menos, consegui retribuir a ajuda dela de algum modo.

    Olhei para baixo e percebi que estava enfaixado no peito e nos braços, os cortes e os pontos latejando a cada movimento. Perguntei-me, com uma mistura de horror e curiosidade, o que Drael teria feito comigo enquanto eu estava desacordado.

    Notei que Nix me observava com um olhar triste. O constrangimento de ter acordado em seu colo deu lugar a uma sensação inesperada de conforto. Pela primeira vez, alguém não me olhava com desprezo; Nix não sabia do meu defeito, e isso trazia uma sensação de alívio. Então, um impulso desconhecido capturou minha atenção. Era como se algo em mim vibrasse, uma corrente de energia que flutuava do peito para os braços e as mãos. Olhei para baixo e percebi que o mana do ambiente atravessava as ataduras e se concentrava perto do coração.

    Uma onda de emoção intensa me atingiu. Meu circuito de mana quebrado parecia estar se restaurando. Senti as lágrimas escorrerem, e, sem entender o que eu estava sentindo, Nix se aproximou e me abraçou, tentando me consolar. Sorri para mim mesmo, achando graça no fato de que ela não entendia um aperto de mão, mas conhecia bem a ternura de um abraço.

    Fui até as grades, observando ao redor para verificar se havia algum guarda ou prisioneiro em outras celas. Me aproximei de Nix e, em um sussurro, disse:

    — Tenho um plano.

    Depois de explicar o que pretendia, Nix me olhou com uma mistura de preocupação e descrença.

    — É um plano arriscado, principalmente para você. Tem certeza disso?

    — Tenho, sim. É isso ou nossa morte. Mas, para funcionar, você precisa conseguir abrir a cela. Não posso deixar que eles continuem sugando sua alma.

    — Não temos como resistir a isso — ela murmurou, resignada. — Eles são muitos, e resistir parece inútil.

    — Drael está tentando me agradar… pelo menos por enquanto. Talvez ele aceite me dar você.

    Nix engasgou ao ouvir isso.

    — M-me dar… para você?

    Sem pensar muito no peso de minhas palavras, disse:

    — Sim, ele pode transferir seu selo de escrava para mim. — Levei minha mão até o ponto entre suas sobrancelhas, onde estava a marca que a vinculava magicamente. Mas, para minha surpresa, Nix parecia não saber da existência do selo. Ela recuou, cobrindo o rosto com as mãos, enquanto lágrimas começavam a escorrer.

    Percebi tarde demais que ela ignorava sua própria condição. Um contrato de escravidão mágico só podia ser rompido se o mestre a libertasse ou se as condições fossem cumpridas — condições essas que, talvez, ela jamais tivera a chance de conhecer. Mesmo assim, pensei que, sob meu domínio, ela estaria mais segura do que sob o controle de Drael.

    Tentei consolá-la, mas seu choro só aumentava, ecoando pela cela. Peguei o osso que o orc costumava usar e bati nas grades, fazendo barulho o suficiente para chamar a atenção.

    Pouco tempo depois, Drael apareceu, escoltado pelos esqueletos, com uma expressão irritada.

    — O que foi agora? — perguntou impaciente.

    — Eu quero ela — respondi, apontando para Nix. — Gostei dela e quero que ela seja minha.

    Drael me olhou com curiosidade, deixando escapar um sorriso cínico.

    — Se gostou dela, faça o que quiser. Eu mesmo dou uma ordem para que ela não resista.

    — Não é a mesma coisa — insisti. — Quero que ela seja realmente minha, enquanto eu ainda sou eu mesmo.

    Ele riu baixinho, avaliando meu pedido com uma expressão dúbia.

    — Não sei o que você está tramando, mas vou permitir isso. Quero ver o que você quer realmente com essa história.

    Drael segurou minha mão e senti um fluxo de energia transferindo-se dele para mim. Instantaneamente, percebi uma conexão entre mim e Nix, uma corrente tênue de mana, mas real. A sensação era intensa, como se parte de minha energia fosse capaz de interagir com a dela. Eu teria que aprender a usar isso, mas o potencial era inebriante.

    Drael ainda se virou para mim ao sair e com um sorriso malicioso me disse:

    — Tome cuidado com os pontos. Terminamos apenas a primeira etapa, ainda temos muitas pela frente.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 97.5% (16 votos)

    Nota