Capítulo 41: Roderick
Roderick era meu meio-irmão, filho de Alluna, uma das concubinas de meu pai. Sua mãe era responsável pela organização dos recursos e tesouros da Casa Vulkaris, sendo uma das subordinadas diretas de minha mãe. Ele era alguns meses mais velho que eu e Cassiopeia, e sempre demonstrou um forte instinto fraternal de proteção, especialmente por ela. Desde pequeno, foi criado para ser o guarda-costas pessoal de minha meia-irmã, desempenhando esse papel com dedicação e disciplina.
Nossa Casa sempre teve um caráter profundamente militarista. Seus membros tradicionalmente serviam no exército, ocupando posições de comando, ou como sacerdotes de Thalos, no Tribunal de Justiça e Retribuição. Meu tio Augustus, por exemplo, era um Pretor — uma das mais altas autoridades judiciais e executoras do Império.
O lema da Casa Vulkaris era “purificação pelo combate”, refletindo sua reputação como uma das Casas mais brutais e inflexíveis do Império. Foi em gerações passadas que a Casa idealizou as cerimônias de apresentação dos jovens e os torneios, rituais que se tornaram fundamentais na formação e seleção das futuras gerações de nobres.
Por tudo isso, a postura de Roderick e sua reação, desafiando-me em nome da honra de Cassiopeia, não eram uma surpresa. Afinal, ele encarnava perfeitamente os valores e os ensinamentos da Casa Vulkaris, incutidos nele desde tenra idade.
As garotas estavam boquiabertas, ainda processando o que havia acabado de acontecer. Caminhávamos de volta para o gramado da minha residência, e a tensão no ar era quase palpável.
Selune, com sua habitual ironia, quebrou o silêncio:
— Eu imaginava alguma coisa assim, depois de ontem.
— Eu também — assenti, embora não conseguisse evitar um leve sorriso.
Olhei para Claire, que parecia mais nervosa do que eu esperava, e me dirigi a ela:
— Acho que vou precisar de sua ajuda.
— Claro. Quer que eu interceda para cancelar o duelo? Posso tentar falar com o Imperador… — começou ela, mas a cortei com um gesto.
— Não. Quero o oposto. Quero que você me ajude a divulgar o duelo. Aposto que ele vai tentar fazer tudo de forma discreta. Quero que todo mundo saiba.
Claire arregalou os olhos, surpresa e preocupada.
— Mas você vai perder… — disse, hesitante. — Você é incrível, mas ele é de quarto círculo. Você nem sequer completou o terceiro ainda.
Senti um misto de irritação e satisfação ao ouvir isso. Claire estava me subestimando, mas, ao mesmo tempo, era bom saber que ela se importava.
— Pode deixar que eu me preocupo com isso — respondi, com um sorriso confiante.
A verdade é que seria difícil. Mas, sem querer, ele havia me dado uma oportunidade valiosa. O duelo seria a chance perfeita de sair do ostracismo em que eu havia me metido e, com um pouco de sorte, mostrar a todos que eu não era um peão qualquer.
— Agora vá. Não vou poder lhe ensinar nada hoje.
Cabisbaixa, Claire se despediu de Selune e Nix, lançando um último olhar antes de se dirigir à saída.
De volta ao meu quarto, sentei-me à escrivaninha e abri a carta de minha mãe. Ao ver o conteúdo, não pude evitar um pequeno sorriso. A carta estava codificada.
Eu já quase havia me esquecido dessa peculiaridade. Sempre que eu, Cassiopeia e minha mãe trocávamos bilhetes, usávamos um código. Em uma casa onde existiam várias “mães” e irmãos de todos os tipos e índoles, tínhamos criado essa “brincadeira” para garantir um mínimo de privacidade.
A cifra veio rapidamente à mente. Peguei uma folha de papel e uma pena, reescrevendo o texto original. Ele dizia:
” Meu querido filho,
Foi com pesar e dor no meu coração que tive que mandá-lo sair da festa. Mas convenhamos, você exagerou, ainda mais em público. Cassiopeia foi direto para seus aposentos após o show que vocês dois protagonizaram e não saiu de lá até agora. Primeiro com André, na apresentação, e agora com você. Temo que ela vá acabar traumatizada com homens.
Pelo menos, apesar de exagerado e dramático, você conseguiu o rompimento com Cass e a nossa casa, como queríamos.
Depois de sua saída, não se falou de mais nada na festa. Seu nome está na boca de todos, seja para o bem ou para o mal. Acredito que será difícil você ser convidado para outros eventos — pelo menos dos grandes anfitriões, que não querem ofender os Vulkaris. Ou seja, praticamente todo mundo.
Continue com nosso plano. Ajude Cassiopeia e a nossa casa.
P.S.: Roderick está enlouquecido com o que aconteceu e pretende desafiá-lo. Evite enfrentá-lo. Não quero que você se machuque ou, pior, que acabe morto em um duelo sem sentido.
Para futuras comunicações, deixe as cartas e bilhetes no restaurante onde eu e Althéa lhe entrevistamos. O gerente é um dos homens dela.”
Suspirei ao terminar de ler. As palavras de minha mãe eram práticas, como sempre, mas carregavam um toque de preocupação que, por algum motivo, me incomodava mais do que tranquilizava.
Peguei uma folha nova, molhei a ponta da pena no tinteiro e comecei a escrever a resposta. As palavras fluíam rápido, mas escolhi cada uma com cuidado, pois sabia que minha mãe analisaria o conteúdo em detalhes.
Assim que terminei de cifrar a carta, dobrei-a com precisão, coloquei-a em um envelope e selei com cera de vela. Sem um sinete próprio, limitei-me a deixar a cera endurecer naturalmente. Era uma solução simples, mas funcional.
Levantei-me e me preparei para sair em direção ao restaurante indicado na mensagem anterior. No entanto, um som interrompeu meus pensamentos. Shade, o corvo morto-vivo que eu havia produzido, crocitou de uma das vigas do teto, observando-me de maneira inquisitiva.
Olhei para ele por um instante, pensativo. Uma ideia começou a tomar forma em minha mente. Talvez não precisasse de intermediários. Talvez pudesse confiar essa tarefa a Shade.
Chamei o corvo, que desceu das vigas e pousou sobre a escrivaninha. Entreguei-lhe o envelope e observei enquanto ele o segurava no bico, firme e estável. Fiz com que ele voasse em círculos pelo quarto, testando se a carta poderia se soltar durante o trajeto. Shade demonstrou habilidade e obediência, confirmando minha ideia.
Projetei mentalmente imagens da propriedade dos Vulkaris, delineando o trajeto que Shade deveria seguir. Concentrei-me na descrição que Nix havia me dado do quarto de minha mãe e, através de nossa conexão, enviei essas imagens ao corvo. Ele crocitou uma vez, como se entendesse a missão, e partiu em voo ágil pela janela aberta. Mantive um fio de minha consciência conectado a ele, acompanhando cada movimento.
Voltei a me sentar na escrivaninha e fechei os olhos, concentrando-me na visão de Shade. Acompanhei o trajeto por seus olhos aguçados, vendo as paisagens passarem rapidamente. Quando ele finalmente pousou no parapeito da janela do quarto de minha mãe, pude observar parte do interior.
Minha mãe estava de pé ao lado de uma cama. Cassiopeia estava deitada, apenas de roupas de baixo, com um semblante abatido. Tentei acessar os ouvidos de Shade, mas o vidro fechado da janela abafava qualquer som. No entanto, as expressões e gestos eram claros. Minha mãe parecia estar discutindo seriamente com Cassiopeia.
Shade, atento à sua tarefa, avançou e bicou o vidro com força. O som abrupto atraiu a atenção das duas. Minha mãe foi a primeira a perceber o grande corvo na janela e caminhou até lá, abrindo-a com cuidado. Quando ela notou que Shade não voava imediatamente, ficou intrigada. Foi nesse momento que seus olhos captaram o envelope no bico dele.
Ela pegou o envelope com certa hesitação, mas ao abri-lo e ver o conteúdo, um sorriso profundo iluminou seu rosto. Pelo que pude observar, a carta parecia ter surtido o efeito desejado. Cassiopeia, ainda deitada, perguntou algo para minha mãe, mas esta, aparentemente satisfeita, deixou o quarto apressada, sem responder.
Cassiopeia se levantou rapidamente, ajustando a roupa e seguindo a mãe com um olhar curioso. Shade permaneceu no parapeito por alguns instantes, até que enviei o comando mental para que retornasse. A visão desapareceu, e voltei a me concentrar no quarto onde estava.
Quando Shade finalmente retornou, voando através da janela aberta, senti uma onda de satisfação. Ele pousou novamente na escrivaninha, crocitando como se pedisse aprovação. Fiz um leve carinho em sua cabeça e sorri. Naquele momento, decidi que manteria o corvo comigo, independente das reclamações de Selune. Shade não era apenas útil; era uma extensão de minha vontade, uma ferramenta preciosa que eu não abriria mão.
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