Capítulo 49: Espetáculos
O ambiente foi mudando rapidamente, e a atmosfera de ansiedade começou a tomar conta. Aos poucos, os homens de libré vermelha deixavam a arena, e o burburinho das arquibancadas diminuía. Um silêncio quase ritualístico pairou no ar, como se o público estivesse se preparando para o que viria.
— Como funciona? — perguntei a Jorjen, sem tirar os olhos da arena.
Ele se ajeitou na cadeira, tomando um pequeno gole de seu licor antes de responder:
— Começa com as lutas de círculos de mana mais baixos. Geralmente entre o terceiro círculo incompleto e completo. Costuma ter de dez a doze combates nessa divisão. É a mais concorrida. Antes das lutas, alguém passa distribuindo os programas dessa divisão.
Ele fez uma pausa, parecendo saborear o momento antes de continuar:
— No intervalo, temos uma luta de escravos. Normalmente, recriam batalhas antigas e importantes. Algo mais grandioso, como uma batalha campal. Os escravos enfrentam gladiadores profissionais ou feras selvagens. É sempre sangrento.
Charlote apareceu nesse momento, trazendo uma tigela com amendoins que ela colocou à frente de Jorjen. Ele pegou um punhado antes de continuar:
— Depois do intervalo, começam as lutas de círculos mais altos, entre o quarto e o quinto círculos, incompletos e completos. Geralmente tem umas quatro ou cinco lutas. Mas gladiadores de círculos muito altos são raros.
Ele limpou a garganta e apontou para a arena, onde uma mulher acabava de entrar.
— Qualquer um pode lutar aqui, sabia? — ele disse, com um sorriso discreto. — Podem ser escravos representando seus donos ou homens livres. Não há muitas restrições, mas tome cuidado. Mortes são raras nas lutas de iniciantes, mas ferimentos graves são comuns. E… está começando.
A mulher no centro da arena tinha uma presença magnética. Seu vestido vermelho provocante contrastava com seu porte altivo. Embora não fosse bela de rosto, havia algo intrigante em sua postura confiante. Seu corpo era musculoso, mas ainda feminino, adornado com tatuagens e cicatrizes que contavam histórias de batalhas. Seus cabelos cacheados, de um vermelho vivo, emolduravam sua figura imponente.
Ela ergueu o pequeno objeto em sua mão e, com um tom de voz claro e autoritário, começou a falar:
— Senhoras e senhores, bem-vindos ao Matadouro! Em breve, os programas das lutas estarão circulando, bem como nossos anotadores de apostas. Lembrem-se: sem o comprovante, não poderão receber seus prêmios! Hoje, temos uma atração especial: uma luta pelo primeiro lugar do quarto círculo. Espero que aproveitem o espetáculo!
Com isso, ela saiu, e o público irrompeu em aplausos e assobios. Homens de libré vermelha começaram a circular pelas arquibancadas, distribuindo folhetos e foram cercados por apostadores ansiosos.
Charlote retornou ao camarote, com os programas das lutas em mãos.
— Se forem apostar, é só me chamar — disse ela, oferecendo os papéis.
Selune levantou a mão, e Charlote se aproximou. A elfa tirou uma pequena bolsa de dentro do decote e começou a sussurrar algo para a atendente. As duas discutiram brevemente, e Selune entregou algumas moedas. Em troca, recebeu um recibo, que guardou cuidadosamente.
Enquanto elas cuidavam de seus negócios, peguei um dos folhetos e comecei a analisá-lo. Os gladiadores tinham nomes chamativos, claramente apelidos que escondiam suas identidades reais. O programa detalhava a ordem das lutas, os cartéis dos combatentes e as probabilidades das apostas. Era interessante perceber como os azarões e favoritos moldavam o fluxo de dinheiro do público.
No letreiro acima da arena, os nomes da primeira luta apareceram: Lobo Cinzento versus Invencível.
O Lobo Cinzento entrou primeiro, um homem baixo, com uma máscara de lobo que descia como uma capa por suas costas. Ele não parecia particularmente ameaçador.
Invencível, por outro lado, usava uma máscara preta simples e uma armadura de couro comum com um grande “I” marcado no peito. Seu cartel mostrava que havia perdido suas duas últimas lutas. Não era tão invencível quanto o nome sugeria.
A luta foi decepcionante. Ambos eram especialistas em combate corporal, mas claramente estavam receosos de se machucar. Lobo Cinzento, ágil e armado com duas adagas, tentava manter a distância de Invencível, que usava um tridente e confiava em sua resistência. O desfecho veio quando Lobo Cinzento sofreu um corte na perna e decidiu se render para evitar danos maiores. A plateia, entretanto, parecia satisfeita, vibrando com a vitória de Invencível.
— Como é o pagamento dos lutadores? — perguntei a Jorjen, curioso.
— Eles ganham de acordo com o dinheiro das apostas. O perdedor também recebe, mas o vencedor ganha um bônus, claro, Rosa costuma presentear os melhores lutadores da noite com um valor extra.
Assenti, enquanto os próximos combatentes entravam.
As primeiras lutas foram mornas, mas as últimas três do programa dos círculos mais baixos realmente chamaram minha atenção. Esses gladiadores, mais experientes e habilidosos, deram um espetáculo de técnica e estratégia. Observei atentamente, absorvendo o máximo que podia. Selune assistia com um interesse contido, enquanto Jorjen estava mais preocupado em flertar com Charlote e se deliciar com a comida e bebida. Nix, por outro lado, vibrava a cada golpe, socando o ar e pulando de excitação.
Quando o intervalo chegou, uma voz feminina forte soou atrás de nós.
— Jorjen, seu safado! Venha cá me dar um abraço.
Olhei para trás e vi a mulher de vermelho se aproximando. Jorjen levantou-se imediatamente, com um sorriso largo.
— Rosa, sempre um prazer para os olhos!
— Sempre tão galanteador…
De perto, percebi que Rosa deveria ter uma idade próxima à de Jorjen, embora estivesse muito mais bem conservada. Seus olhos nos examinaram rapidamente.
— E esses, quem são? — perguntou, indicando nosso grupo.
— Meus novos associados — disse Jorjen. — Temos feito alguns negócios juntos. Talvez o garoto aqui queira testar suas habilidades na arena.
Rosa sorriu de canto, seus olhos fixos em mim.
— Ora, ora, temo que não haja adversários à altura do famoso Lior Aníbal, terror da Casa Vulkaris.
Fiquei surpreso com a repercussão de meu duelo; a alcunha que ela usou me fez tremer.
— Imagine, as pessoas exageram muito. Tive sorte, apenas isso — respondi, tentando minimizar a situação.
Ela arqueou a sobrancelha, claramente não acreditando.
— Está querendo nos usar para se preparar para o torneio, não é? — perguntou para mim, e antes que eu pudesse responder, virou-se para Jorjen.
— Se ele quiser mesmo, leve-o ao escritório depois das lutas.
Com um olhar para a arena, acrescentou:
— Aproveitem o show do intervalo.
Rosa saiu, e voltei minha atenção à arena, onde os preparativos estavam quase concluídos. Um muro cenográfico dividia o espaço em duas metades. De um lado, cerca de trinta escravos de diferentes raças, vestindo trapos e carregando armas simples como arcos e espadas.
— São todos criminosos — explicou Jorjen. — Cometeram delitos contra seus donos ou contra o império.
Do outro lado do muro, cinco gladiadores em armaduras brilhantes e portando armas de alta qualidade esperavam.
A voz de Rosa ecoou pela arena:
— Estamos revivendo a glória do passado, quando os valorosos soldados do império defenderam Calnor da revolta dos escravos em 556 D.I.!
A multidão explodiu em gritos e aplausos. Rosa continuou:
— Hoje temos a honra da presença de Agnar Tulius, capitão aposentado das legiões imperiais e herói de nossa cidade!
A arena entrou em êxtase, com o público levantando-se para ovacionar. Alguns atiraram legumes podres e bebidas nos escravos, que se encolhiam sob os insultos.
Uma trompa soou, marcando o início do espetáculo.
Os portões do muro cenográfico se abriram, e os escravos hesitaram, recuando como presas encurraladas. As flechas lançadas em direção aos gladiadores eram desajeitadas e ineficazes. Quando os soldados avançaram em formação, os escravos tentaram resistir, mas o massacre era inevitável.
Nix virou de costas, incapaz de assistir à carnificina. Selune manteve os olhos na arena, mas sua expressão era amarga. Antes, talvez eu tivesse apreciado o espetáculo, mas agora era impossível não pensar nas duas e em tudo o que haviam sofrido.
A multidão, por outro lado, clamava por mais sangue, transformando o lugar em um teatro de barbárie e adoração ao poder imperial.
A segunda parte das lutas atrasou mais do que o esperado. Os homens de Rosa tiveram muito trabalho para remover os corpos e os membros decepados da arena. O sangue que havia encharcado a areia tornou o processo ainda mais demorado, e um cheiro metálico e pungente pairava no ar, mesmo depois da limpeza.
Quando finalmente anunciaram o início das lutas dos círculos de mana maiores, me sentei na beirada do camarote, ansioso. Era a chance de testemunhar o nível dos gladiadores mais experientes.
O primeiro combate envolveu um homem imponente, chamado Arkan, o Quebrador, contra uma mulher de aparência ágil, conhecida como Ventania Carmesim. Arkan era um gigante, coberto por uma armadura pesada que parecia quase uma extensão de seu próprio corpo, enquanto Ventania Carmesim vestia algo mais leve, ideal para mobilidade, e portava duas lâminas curtas.
Assim que a luta começou, ficou claro que ambos estavam em um patamar completamente diferente. Arkan utilizava sua mana como reforço, amplificando sua força e resistência a níveis sobre-humanos. Seus golpes com o martelo de guerra faziam o chão da arena tremer. Ventania, por outro lado, usava magia de vento para aumentar sua velocidade, transformando-se em um borrão avermelhado que circulava seu adversário.
A plateia explodiu em gritos quando Ventania conseguiu desferir um golpe profundo no flanco de Arkan, apenas para que ele, com um rugido, revidasse com um golpe que quase arrancou sua cabeça. A luta foi brutal, com ambos feridos gravemente. No final, Arkan conseguiu esmagar o braço da adversária, forçando sua rendição.
— Isso sim é uma luta! — comentou Jorjen, entre um gole e outro de vinho.
Eu, no entanto, estava absorvido, analisando cada movimento, cada uso de mana, cada decisão tática. Era claro que ambos tinham anos de experiência, mas a margem de erro era mínima, e qualquer deslize poderia ser fatal.
Nix ainda vibrava com a energia do espetáculo, enquanto Selune comentou:
— Não me importo com sangue ou violência, desde que ambos os lados estejam dispostos a isso. Colocar pessoas para serem massacradas não é certo.
— Tem um caráter educativo — disse Jorjen, se intrometendo. — É brutal, mas eficaz.
As próximas lutas seguiram no mesmo nível, cada gladiador apresentando estilos únicos e formas distintas de integrar mana em seus combates. Era fascinante ver como as magias e habilidades se combinavam com armas e estratégia, transformando a arena em um palco de criatividade e mortalidade.
Enquanto as lutas aconteciam, notei Rosa em um camarote oposto, observando a multidão com um sorriso satisfeito. Parecia que a arena não era apenas um lugar de espetáculo, mas também uma ferramenta de poder. Ela era mais do que uma simples anfitriã; era alguém que sabia usar o sangue e a violência para consolidar sua influência.
As lutas terminaram, e eu estava satisfeito com o que tinha visto.
Olhei para Selune, que, lendo minha mente, assentiu.
— Me leve ao escritório da Rosa — falei para Jorjen, convicto.
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