Capítulo 52: Antes do jantar
Com a condição de que eu preparasse Gérard e Claire para as lutas, Rosa finalmente aceitou nossa inscrição no Matadouro. O compromisso estava firmado, e agora cabia a nós nos organizarmos.
Cada um de nós deveria escolher um nome e uma vestimenta para usar nas arenas. Havia um certo peso em decidir isso; mais do que um disfarce, seriam nossos novos alter egos para enfrentar o público e esconder nossa verdadeira identidade. Nossa estreia estava marcada para o próximo fim de semana, o que nos dava poucos dias para preparar tudo – treinamento, estratégias e até mesmo os mínimos detalhes da apresentação.
Voltávamos para a mansão na carroça conduzida por Marcus, o trote constante dos cavalos preenchendo o silêncio entre conversas esparsas. Claire, sentada à minha frente, rompeu a tranquilidade:
— O jantar na casa do André vai ser hoje — afirmou, lançando-me um olhar significativo. — Você vai?
Assenti com a cabeça.
— Vou sim. E acho que vocês deveriam ir também. — Completei, olhando para o grupo reunido.
Joaquim riu, descontraído.
— Comida de graça? Tô dentro.
Balancei a cabeça, mas mantive um tom sério.
— Não, falo sério. Acho bom todos irem. Mas quero que prestem atenção em algumas coisas. Primeiro: não ajam como se eu fosse o líder de vocês. O pessoal das grandes Casas é territorialista e orgulhoso. Se André me enxergar como uma ameaça agora, só vai dificultar nossos passos. Não precisamos disso neste momento.
Houve um murmúrio de concordância, mas continuei antes que surgissem perguntas.
— Segunda coisa: sobre a arena… — Fiz uma pausa, olhando para cada um deles. — Isso é um segredo nosso. Não falem nada sobre isso. Se outros descobrirem por conta própria, paciência. Mas não vamos facilitar as coisas para ninguém.
Os outros assentiram. Joana, sentada ao lado de Claire, ergueu uma sobrancelha inquisitiva.
— O que você quer dizer com “não quero que ele me veja como ameaça agora”? Pretende ser no futuro?
Sorri de leve.
— Vou ser direto. Quero expandir nosso grupo. Hoje somos cinco, certo? Preciso de pelo menos oito pessoas de confiança para que meu plano funcione. Mas não vou forçar nada. Se essas pessoas aparecerem, ótimo; seguimos com o plano. Se não, adapto minha estratégia.
Hesitei por um momento, mas continuei com franqueza.
— Eventualmente, pretendo desafiar a liderança de André. Não é algo que vá acontecer agora, mas para que isso funcione, preciso de aliados no time dele. Pessoas que eu confie.
Joana inclinou-se para frente, os olhos estreitados em curiosidade.
— E você confia na gente tanto assim para expor tudo isso?
Respirei fundo antes de responder, sentindo o peso da sinceridade em minhas palavras.
— Não sei exatamente o porquê, mas confio sim. Joaquim confiou seu segredo mais íntimo a mim. Selune também confia em vocês, e isso significa muito.— Fiz uma pausa, evitando mencionar o juramento sagrado que vinculava Claire e Gérard a mim.
Joana riu suavemente, balançando a cabeça.
— Uau, me sinto lisonjeada.
— Se vocês conhecerem alguém em quem confiem e que queiram apresentar ao grupo, agradeço. Toda ajuda é bem-vinda.
Todos acenaram, absorvendo o que eu dizia. Claire, que até então estava quieta, quebrou o silêncio:
— Eu tenho minha prima.
Minha expressão endureceu um pouco, mas mantive o tom direto e sincero.
— Claire, vou ser honesto. Não sei se sua prima é de confiança. — Observei sua reação e continuei. — Na verdade, acho que ela está acostumada a mandar em você. Não sei toda a sua história, mas posso deduzir algumas coisas. Você sempre a obedeceu, certo? Mas desde que me conheceu, tem sido mais rebelde. Não segue mais as ordens dela, entrou em um time diferente, tem amigos próprios agora.
Claire me encarava, surpresa, enquanto eu concluía.
— Isso significa que, de uma forma ou de outra, ela provavelmente me odeia. E quando você começar a melhorar no combate, demonstrando habilidades que não tinha antes, tenho quase certeza de que ela vai pirar. Pode até se voltar contra você. Tenha cuidado.
Claire piscou, incrédula, antes de retrucar.
— Ela não vai fazer isso.
O tom de sua voz, no entanto, não carregava a convicção que deveria. Sorri de leve, inclinando-me para trás.
— Espere e verá.
No caminho de volta para a mansão, meus companheiros foram descendo conforme chegávamos aos pontos mais convenientes para eles. No final, restamos apenas Marcus, Gérard e eu na carroça. O silêncio que se instalou foi confortável, uma pausa para refletir sobre o que estava por vir.
Antes de Claire partir, aproveitei para reforçar algo que já vinha martelando na minha cabeça.
— Claire, é realmente importante que você venha diariamente à mansão. — Minha voz carregava um tom de seriedade que ela não costumava ouvir. — Eu preciso garantir que você e Gérard estejam prontos para o que nos espera na arena.
Ela hesitou por um momento, como se avaliasse a necessidade, mas acabou assentindo com um leve aceno de cabeça.
Ao chegarmos à mansão, Marcus conduziu os cavalos para o estábulo enquanto Gérard e eu entrávamos. A atmosfera dentro da casa estava mais tranquila do que de costume, quase como se Selune e Nix soubessem que o silêncio era necessário para processar os eventos do dia.
O jantar na casa de André estava marcado para começar às dezenove horas. Um convite que parecia inocente, mas que eu sabia ter suas armadilhas. Selune, Nix e eu precisaríamos nos preparar com cuidado.
Enquanto ia para meu quarto, não pude deixar de ponderar sobre o encontro. André parecia ser esperto, e o simples fato de nos reunir sob o mesmo teto já indicava que ele tinha algum objetivo em mente.
Tomei um banho e encarei meu reflexo no espelho. Pela primeira vez, percebi que não conseguia mais lembrar das feições de Ganimedes. Ele era um fantasma do passado, e tudo o que restava era Lior. Aquele antigo eu parecia algo distante, um sonho esquecido.
Nix colocou a cabeça para dentro do quarto, seus olhos brilhando de impaciência.
— Está pronto?
— Só mais um minuto. — murmurei enquanto ajustava os últimos botões da camisa.
— A carruagem já está esperando. Vamos nos atrasar!
Peguei minha casaca e a vesti enquanto saía do quarto. Antes de descer, apalpei o bolso interno e senti o pequeno volume ali dentro. Era a primeira missão do meu camundongo morto-vivo espião. Seria um teste pra valer.
Dentro da carruagem, Selune, Nix e eu conversávamos enquanto seguíamos rumo à mansão dos Rulmar. Como de costume, a elfa assumiu o papel de conselheira.
— Tenho que fazer isso. — disse Selune, ajeitando seu manto. — Da última vez você fez o que deu na cabeça e fomos expulsos da festa.
— Sim, eu sei. Fui impulsivo. Mas deu tudo certo, não deu?
— Deu certo por um golpe de sorte. — ela respondeu, cruzando os braços. — Você quase foi expurgado de todo o convívio social.
— Ainda bem que o Roderick é esquentadinho. — acrescentei com um meio sorriso.
Nix, que ouvia a conversa, arqueou uma sobrancelha.
— Espera… Vocês foram expulsos da festa, não é? Então por que só chegaram em casa na manhã seguinte?
Troquei um olhar culpado com Selune antes de pigarrear.
— Então, Selune, como você estava dizendo… O que devo fazer para me portar melhor hoje?
A elfa revirou os olhos, mas seguiu com o assunto.
— Deve ouvir mais e falar menos. Avalie todos com cuidado e mantenha sua atitude de oposição aos Vulkaris, mas de forma sutil. Nada ofensivo ou explícito demais.
— E quanto aos compromissos? — perguntei, ajustando minha postura.
— Não assuma nenhum. Pelo menos, não agora.
Nix percebeu a mudança de assunto, mas apenas sorriu.
— Vocês são bobos. — ela disse, balançando a cabeça. — Já dei minha permissão há tempos.
Olhei para ela com carinho, sentindo meu coração aquecer. Inclinei-me e depositei um beijo em sua cabeça.
A carruagem começou a desacelerar. Do lado de fora, as luzes da mansão dos Rulmar brilhavam contra a escuridão da noite. Havíamos chegado.
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