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    Descemos da carruagem e fomos recebidos por pajens da casa. Discretamente, deixei meu camundongo escorregar por dentro da minha calça, movendo-se silenciosamente até desaparecer na sombra de uma parede próxima. Enviei-lhe uma ordem mental: encontrar um caminho para o interior da casa e explorar.

    Os pajens nos conduziram até a entrada principal, onde fomos recebidos por Lorde Jonas Rulmar e Lady Alía Rulmar, pais de André.

    Jonas era impressionantemente parecido com o filho, como se André fosse uma versão mais jovem dele. Tinham os mesmos cabelos castanhos avermelhados, bem penteados em um estilo clássico, e os mesmos olhos verdes vibrantes.

    Alía, por outro lado, era uma novidade para mim. Pequena e magra, ela parecia adoentada, embora elegantemente composta. Seus cabelos negros estavam presos em um coque alto que destacava seu pescoço esguio e gracioso. Vestia um longo vestido verde, complementado por um xale delicado nos ombros. Ambos nos recebiam com sorrisos genuínos.

    — É um prazer recebê-los. — Jonas disse, estendendo a mão. 

    Cumprimentei Jonas com um aperto de mão firme e fiz uma reverência leve para Lady Alía.

    — O prazer é nosso. Estas são Selune e Nix.

    Depois que as garotas fizeram suas reverências, Gérard, que havia vindo conosco, deu um passo à frente para se apresentar também. 
     
    — Gérard Aníbal, à disposição.

    A presença dele era marcante, e percebi que os Rulmar exibiam certa curiosidade, mas mantinham a hospitalidade intacta.

    — Por favor, não façam cerimônia. André está lá dentro. Entrem, entrem! — disse Alía com sua voz leve e alegre, embora transmitisse fragilidade em sua voz.

    Ao atravessar as portas para o interior da mansão, a surpresa me atingiu: quatorze pessoas já estavam na sala de recepção, muito mais do que eu esperava. A atmosfera estava carregada de conversas e risos, e os convidados indicava que a noite prometia ser movimentada.

    André nos encontrou logo à entrada, Alissande ao seu lado, fazendo seu papel de anfitriã,  junto de seu noivo.

    — Que bom que vieram. — disse ele com um sorriso largo. Notando meu olhar para os outros convidados, completou: — Achei que seria um desperdício não convidar todos que se inscreveram no meu time. É uma boa oportunidade para confraternizar.

    Apenas assenti em resposta, analisando a situação.

    — Por favor, sintam-se em casa e aproveitem a noite. — André concluiu antes de se afastar com Alissande para conversar com outros grupos.

    sala de recepção era ampla e bem decorada, com sofás confortáveis espalhados estrategicamente e um aparador repleto de aperitivos finos e taças de cristal. Dois serviçais se moviam entre os convidados, discretos e eficientes, oferecendo bebidas.

    Selune e Nix se dirigiram a um dos sofás e logo se acomodaram. Selune começou a preparar calmamente seu cachimbo, como de costume. Antes de acender, me lançou um olhar firme.

    — Vá. Eles são seus companheiros de time. Nós ficaremos aqui. Nix já se movia para avaliar os aperitivos.

    Assenti, mas hesitei. O ambiente social nunca foi meu forte, mas sabia que essa era uma oportunidade para sondar os aliados de André e entender melhor as dinâmicas do grupo. Além disso, precisava avaliar o quanto Alissande sabia sobre o atentado contra Cassiopeia. Meu pequeno espião, no entanto, já estava em movimento, cumprindo sua missão nas sombras.

    Olhei ao redor e avistei Joaquim e Joana conversando com duas outras pessoas: uma garota loira de cabelos na altura dos ombros e um rapaz de cabelo raspado. Resolvi me aproximar.

    — Olá, Lior! — Joaquim me cumprimentou com um sorriso largo. Retribuí o gesto com um aperto de mão firme.

    — Essa é Elara, e esse é Yorg. — apresentou Joaquim, com um gesto casual.

    Elara me observou por um momento antes de abrir um sorriso sutil.

    — Então você é o famoso Lior. É um prazer te conhecer. — disse ela, com um tom que misturava curiosidade e ironia. — Tem sido um espinho na reputação do meu primo.

    Fiquei alerta ao comentário e arqueei uma sobrancelha.

    — Seu primo?

    — Eryk Forlorn. — respondeu ela, como se o nome fosse um peso menor do que eu imaginava.

    Cocei a cabeça, sem jeito, mas ela riu levemente.

    — Calma, — continuou ela. — Não sou fã das maneiras dele. Na verdade, eu prefiro aprender com o mago mais promissor do último século. Se conseguir absorver só um pouquinho do seu talento, já ficarei satisfeita.

    Seu sorriso afiado me deixava em dúvida sobre a sinceridade de suas palavras, mas mantive a compostura, respondendo com um sorriso educado.

    Yorg, no entanto, não disfarçava sua admiração. Ele se aproximou com uma energia contagiante.

    — Cara, o que foi aquilo no duelo? Nunca vi ninguém lançar magias daquele jeito! — exclamou, quase sem respirar. — Entrei para este time só para aprender algo com você.

    Joaquim, que observava a cena com diversão, deu uma risada curta.

    — Parece que você está ficando famoso. — comentou ele, apontando discretamente para o outro lado da sala. — Aquele ali também entrou por sua causa. Ele é outro mago.

    Segui o olhar de Joaquim para um rapaz de aparência introspectiva, que segurava sua taça com tranquilidade. Quando percebeu que o observávamos, ele a ergueu em um cumprimento discreto. Parecia ser sério, e seu gesto sinalizava reconhecimento.

    Foi então que Claire entrou na sala, chamando minha atenção. Ela caminhava ao lado de um jovem de feições rígidas e cabelos negros presos em um rabo de cavalo. Sua postura era ereta, quase militar, e ele parecia analisar o ambiente com cuidado. Não havia dúvidas de que era alguém com presença.

    Logo depois, os pais de André entraram, trazendo consigo um ar de formalidade e encerrando a chegada dos convidados. André aproveitou a oportunidade para bater com um garfo na taça, chamando a atenção de todos.

    — Gostaria de agradecer a presença de todos. Fico feliz de verdade por vocês terem escolhido o meu time, não importa o motivo. O importante é que agora estamos juntos, e podemos começar a estabelecer uma unidade. Vamos aproveitar a noite e discutir como podemos levar nosso time ao primeiro lugar.

    Os aplausos foram tímidos, mas sinceros. Olhei para os pais de André e percebi o brilho de orgulho em seus olhos. Eles estavam genuinamente felizes com seu filho.

    Por um breve instante, quase me senti um canalha por ter proposto tomar a liderança dele.

    A sala de jantar ainda estava fechada, indicando que o momento era de confraternização. Decidi me aproximar de André. Ele era diferente do que eu imaginava, mais humano e idealista. O peso de seu futuro noivado com Alissande parecia injusto.

    — Belo discurso. — comentei.

    — Não é só discurso. — interrompeu Alissande, com um tom firme. — Ele realmente acredita nisso.

    André sorriu, como se confirmasse as palavras dela.

    Ponderei por um momento, mas não disse nada. Ela, no entanto, parecia determinada a continuar.

    — Apesar de ter raiva de você pelo que fez com minha Casa, confesso que fico feliz que tenha sido com Cassiopeia. Ela merece. Sempre se achou superior, precisava de alguém para colocá-la em seu devido lugar. — disse Alissande, com um tom ácido.

    André a olhou de relance, repreendendo-a com suavidade.

    — Já te disse que não pode falar assim da sua prima. Ela é sua família, apesar das diferenças.

    Alissande bufou, cruzando os braços.

    — Você não sabe o que foi crescer com ela. Insuportável.

    A raiva começou a ferver em meu peito, mas mantive a expressão calma enquanto respondia a Alissande:

    — Desculpe a curiosidade. — Pausei, escolhendo bem minhas palavras. — Fiquei sabendo que tentaram matar Cassiopeia várias vezes. Inclusive, na última vez, o irmão dela morreu. Não sei se, crescendo assim, eu teria sido muito diferente.

    — É porque você não é de uma grande Casa. — Alissande falou num tom condescendente. — Já tentaram me matar também. E esta semana, André aqui escapou de uma tentativa…

    — Eu não sabia disso… — murmurei, as palavras dela reverberando em minha mente. Não fazia ideia de que ele também havia sido alvo, e tão recentemente. Era uma revelação que complicava ainda mais a teia de intrigas em que estávamos presos. Será que havia mais coisas acontecendo que eu desconhecia? Outros alvos, outras tramas ocultas nas sombras?

    — Não vamos falar disso. — André interveio com um tom firme. — Hoje estamos aqui para estabelecer bases e alianças para o futuro.

    Concordei com um aceno, ajustando meu tom à diplomacia que ele parecia desejar naquele momento.

    — André está certo. — falei, mantendo a neutralidade. — Mas, se quiser me educar mais tarde, Alissande, sobre essas intrigas das grandes Casas, ficarei feliz em aprender. Sempre é bom ouvir de alguém com experiência.

    Ela arqueou a sobrancelha, me estudando por um instante antes de assentir. Apesar do tom respeitoso, eu sabia que Alissande ainda me analisava. Precisaria medir cada palavra perto dela.

    André se aproximou mais, seu olhar direto encontrando o meu. 

    — Você é mais importante para o nosso time do que imagina. O que fez com a irmã da minha noiva e o duelo que venceu colocaram você em outro patamar. Não adianta tentar se esconder ou agir despercebido. Você está na grande liga agora. Espero que possamos nos ajudar de verdade.

    Por um momento, não consegui responder. Suas palavras carregavam um peso inesperado, quase como um lembrete do quanto minha presença ali havia sido transformadora. Por fim, assenti, e ele se afastou para conversar com outros convidados.

    Olhei ao redor, ponderando tudo que havia sido dito. O círculo de alianças e traições parecia mais profundo do que eu imaginava. Restava saber até onde isso iria me levar.

    Decidi que era hora de voltar para onde Selune e Nix estavam. Ao me aproximar, notei Claire e o rapaz de cabelos negros conversando com elas, como se já fossem velhos conhecidos.

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