Capítulo 55: No cortiço
Era uma mesa longa, capaz de acomodar mais de vinte convidados. Naquela noite, estávamos em dezoito, incluindo os pais de André.
Lorde Jonas ocupava uma das pontas, com Lady Alía à sua direita. André estava na outra extremidade, tendo Alissande à sua direita. Eu me encontrava à direita de Alissande, um lugar de honra, com Selune e Nix ao meu lado.
À minha frente estava Antony Rumal, primo de André por parte de pai, também mago. Na frente de Nix, Valéria Cortez, outra prima, mas pelo lado materno de André, uma especialista corporal com foco em força bruta. Selune tinha diante de si Elara, prima de Eryk Forlorn, cuja presença era sempre motivo de tensão.
Nix lançou um olhar confuso para a grande quantidade de talheres à sua frente.
— É só seguir a minha deixa. — Pisquei para tranquilizá-la.
Enquanto os pratos eram trazidos da copa, Lorde Jonas ergueu sua taça para um brinde.
— À juventude. Que todos vocês tenham sucesso no torneio.
Os pratos começaram a chegar, um mais delicioso que o outro, e a conversa fluía com leveza. Os primos de André contavam histórias embaraçosas de sua infância, arrancando risos da mesa.
Então, André pigarreou, chamando a atenção de todos.
— Eu gostaria de propor algo. — Sua voz ecoou pela mesa, silenciando as risadas.
Todos os olhares se voltaram para ele.
— Já que estamos aqui, acho que deveríamos treinar juntos. Quero que nos preparemos para a tempestade que está por vir.
Ele pausou para bebericar de sua taça antes de continuar.
— Para o bem ou para o mal, nosso companheiro Lior nos deu uma vantagem em pontos. Mas ele também pintou um alvo em nossas costas. Se não agirmos como uma equipe, nossos adversários vão nos caçar, um por um.
Seu olhar percorreu a mesa, sério e calculista.
— Valis Nonnar já começou a treinar sua equipe, e está um passo à frente. Temos Lior, um prodígio mágico. Eu sou um especialista corporal e sei do meu valor. Só temos a ganhar treinando juntos, nada excepcional, apenas um encontro semanal.
Antes que pudesse concluir, intervim:
— Não posso nos finais de semana. Desde que seja durante a semana, não me oponho. —Finais de semana seriam para irmos para o Matadouro.
A proposta de André dominou o restante do jantar, animando principalmente os magos, que discutiam ideias e estratégias com entusiasmo. No entanto, não pude ignorar os olhares de Joaquim, Joana e Claire sobre mim. Havia algo nos seus olhos que ia além de mera curiosidade, como se suas expressões murmurassem silenciosamente: “Ele queria derrubar André, e agora quer ser aliado.”
Ignorei os olhares e continuei participando da conversa, mantendo o foco no que realmente importava: garantir que a tempestade que André mencionara não nos engolisse desprevenidos.
Depois do jantar, Lorde Jonas nos convidou a retornar à sala anterior, onde bandejas com doces finos e licores açucarados nos aguardavam.
No canto do salão, uma garota loira conversava com Joaquim, Joana e Claire. Decidi me aproximar, curioso sobre o tema da conversa. Antes que alguém pudesse me introduzir, a loira abriu um sorriso radiante e se apresentou com confiança.
— Sabrina, Sabrina Elden. É um prazer conhecer o famoso terror dos Vulkaris, o prodígio da magia. — Sua voz era melodiosa, carregada de um tom calculadamente sedutor. No entanto, depois de conhecer Selune, esses jogos não me impressionavam mais como antes.
— Lior. — Respondi seco, mas educado. — Não acredite em tudo o que ouve. — Adverti, deixando claro que eu não era fã de títulos exagerados.
Ao ouvir seu sobrenome, um lampejo de memória me ocorreu. “Elden… Eu já ouvi isso antes.” Olhei para Claire, buscando confirmação, e lembrei-me: a Casa Elden era vassala dos Umbrani, e Elizabeth, a companheira de Valis, carregava o mesmo sobrenome.
— Você é parente de Elizabeth? — Perguntei diretamente, observando sua reação.
— Distante, muito distante. A única coisa que temos em comum é o interesse em magia… e poder — respondeu com um sorriso insinuante, piscando um olho de maneira teatral.
Enquanto a conversa seguia, percebi que Joaquim, vez ou outra, se perdia em pensamentos. Seus olhos frequentemente se voltavam para André. Aquilo chamou minha atenção. Aproveitei uma brecha e pedi licença à Sabrina, conduzindo Joaquim para um canto mais reservado.
— Estou dando um voto de confiança ao André. — Comecei em um tom baixo. — Descobri algumas coisas interessantes, e se você confiar em mim, isso pode se mostrar mais vantajoso para nós no futuro.
Joaquim me olhou com uma mistura de dúvida e curiosidade antes de responder:
— Você vai ter que me explicar direitinho essa história. Mas, para ser sincero, desde o começo eu não queria ir contra ele.
— Já imaginava. — Murmurei, satisfeito com sua resposta.
Após a breve conversa, fiz questão de me entrosar com os outros membros da equipe, deixando um clima mais amigável entre todos. Eventualmente, a noite chegou ao fim, e era hora de partir. Tínhamos combinado que no 3º dia de toda semana nos encontraríamos para o treino. Ele seria na arena da universidade.
No caminho de volta, acomodado na carruagem, algo ainda me incomodava. Inclinei-me para falar com o condutor:
— Mude a rota. Preciso fazer uma breve parada antes de voltar.
Estávamos indo ao encontro do meu pequeno espião.
No trajeto, virei-me para Selune, sentindo a necessidade de colocar as cartas na mesa, ela veria o camundongo e eu tinha que lhe explicar o quanto antes.
— Antes de mais nada, preciso abrir o jogo com você.
Ela arqueou uma sobrancelha, já desconfiada, mas permaneceu em silêncio, esperando que eu continuasse.
— Sabe o Shade? Fiz outro pequeno espião, um camundongo. — Antes que ela pudesse reagir, sua expressão já começava a se fechar, então acrescentei rapidamente: — Estou tomando cuidado, como você pediu.
Expliquei tudo. Contei sobre os crânios com miasma na residência dos Rulmar, os atentados, a serviçal fugitiva e como meu camundongo a havia seguido até o seu esconderijo. Mesmo depois de ouvir toda a história, Selune virou o rosto para a janela da carruagem e não me olhou novamente durante o restante da viagem.
Nos afastamos do centro de Thallanor, adentrando uma área onde muitos empregados e serviçais das casas nobres residiam. Era um contraste evidente, com construções simples e utilitárias, quase opostas às mansões imponentes do centro.
Paramos em frente a um cortiço modesto. Desci, e Selune e Nix me seguiram, embora nenhuma das duas parecesse animada. Subimos uma escada externa, seguindo por um corredor estreito que abrigava várias portas. Parei diante da terceira.
Testei a maçaneta. Estava trancada. Fiz menção de arrombar, mas Selune me interrompeu, levando um dedo aos lábios num sinal claro de silêncio.
— Deixe comigo. — Ela gesticulou com a mão, que brilhou levemente antes de pousar sobre a maçaneta. Um clique baixo confirmou que a tranca havia cedido.
Quando abri a porta, Nix imediatamente franziu o nariz, sua expressão se torcendo em nojo.
— Que cheiro horrível! Tem algo Podre aqui.
O odor de carniça nos atingiu como um soco quando entramos. O cômodo era minúsculo, com um armário baixo e uma mesa de um lado, e uma cama do outro. Apenas um único espaço funcional, repleto de desordem.
Meu camundongo, aliviado, correu em minha direção, escalando minha calça e se alojando no bolso interno do meu paletó. Selune me olhou de canto de olho.
No centro do quarto, o corpo de uma mulher jazia em uma posição grotesca, meio caído da cama, com as pernas pendendo enquanto o tronco tocava o chão. Ela ainda vestia o uniforme dos serviçais da casa Rulmar. Um líquido negro e viscoso empapava seu uniforme no peito, escorrendo pelo chão. O cheiro nauseante tornava quase impossível se concentrar.
Aproximei-me, cauteloso, enquanto meu estômago se revirava. Seu corpo apresentava sinais avançados de decomposição que pareciam impossíveis para tão pouco tempo. Pensei que havia alguma coisa bem errada nisso.
Fechei os olhos, tentando focar minha mana. Um ponto de miasma pulsava dentro da cabeça do cadáver, me lembrei de Marcus e Jorjen. Com relutância, infundi meu próprio miasma naquele ponto, tentando neutralizá-lo.
O que aconteceu em seguida foi como um golpe direto na alma. Uma dor lancinante atravessou meu crânio, como se estivesse sendo rasgado ao meio. Na escuridão que invadiu minha mente, vi um par de olhos castanhos me encarando. Por um instante fugaz, tentei discernir algo além daquele olhar, mas foi tão rápido que tanto eu quanto a pessoa do outro lado parecíamos incapazes de nos reconhecer.
Antes que o contato fosse rompido, senti minha contraparte sombria emergir, como uma barreira instintiva me protegendo.
Olhei para o corpo da mulher e algo horrendo aconteceu. Do ouvido dela, um pequeno verme negro emergiu, era inchado grotesco e viscoso, uma pequena boca cheia de dentes pontiagudos abrindo e fechando brevemente. Ele parou no chão, se retorcendo, antes de derreter em uma poça negra e malcheirosa.
Nix deu um passo para trás, horrorizada.
— O que… o que era aquilo?
Selune permanecia em silêncio, mas seus olhos prateados estavam fixos em mim, cheios de perguntas não ditas.
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